Crédito, Eduardo Zappia

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A última ‘casinha da avenida Atlântica’ será demolida para dar lugar a um prédio de 12 andares

  • Author, Thais Porsch
  • Role, Para a BBC News Brasil de Balneário Camboriú (SC)

De frente para o mar, pintada de branca e com detalhes vermelhos, é possível avistar a última “casinha da avenida Atlântica”. Pois, ao contrário dos arranha-céus de Balneário Camboriú e das casas de luxo com muros altos, seus portões brancos baixos são vazados, o que permite aos curiosos a observarem de perto.

Ao longo dos anos, o imóvel ganhou até status de atrativo turístico.

Porém, resta pouco tempo para a última casa de madeira na mais nobre avenida da cidade: a residência de número 4100 será demolida para dar lugar a um prédio de 12 andares.

A casinha branca de esquadrias e janelas vermelhas tem 139 m², ocupando a maior parte do terreno de 286 m².

Exemplo de Arquitetura Popular, um estilo amplamente difundido em Santa Catarina entre o final do século 19 e meados do século 20, esse tipo de construção apresenta soluções simples, com materiais limitados – segundo a arquiteta e professora da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) Alessandra Devitte.

A arquitetura em madeira, em geral, acompanhou a evolução socioeconômica e cultural da região Sul, diz ela. Essa arquitetura incorporou influências estéticas de diversas culturas, especialmente da imigração alemã, italiana e polonesa, que trouxeram novas técnicas e estilos de construção.

A madeira tem destaque, especialmente entre imigrantes alemães (oriundos de uma cultura florestal), pela abundância do material na região naquela época.

A demolição da casa, na visão de Devitte, representa não apenas uma perda material, mas histórica e cultural.

“A preservação da arquitetura popular desempenha um papel crucial na manutenção da identidade cultural e histórica de uma comunidade. Ela reflete as tradições, os ofícios tradicionais, os valores e os modos de vida do povo”, diz a arquiteta.

O pedido de demolição da casinha e o protocolo do projeto foram feitos em dezembro de 2022 para análise da Secretaria de Planejamento. E, em janeiro de 2023, o alvará de demolição foi emitido.

O imóvel na Barra Sul de Balneário Camboriú foi construído antes mesmo da hoje chamada “Dubai brasileira” (em referência à abundância de prédios altos) virar cidade. A casa foi construída em 1956 e adquirida em 1973 por Lio Cesar de Macedo, morto em 2016.

Ao longo dos anos, a modesta casa viu seu entorno ser tomado por prédios, estando hoje “espremida” entre os edifícios.

Crédito, Eduardo Zappia

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Ao longo dos anos, a residência (na parte inferior e ao centro da foto) ficou cercada por edifícios

Embora a casinha seja vista por muitos como símbolo de resistência na região, os herdeiros de Macedo – que usavam o imóvel para veraneio até o ano passado – possivelmente negociaram a residência à beira-mar por um valor condizente com um título que a cidade ostenta hoje: o metro quadrado mais caro do Brasil, segundo o índice Fipe-Zap

Um corretor local consultado pela BBC News Brasil estimou que o imóvel pode ter um valor de R$ 15 milhões a R$ 18 milhões, considerando as cotações imobiliários da área.

Em 2019, um dos filhos, João Ferreira de Macedo Neto, disse a um jornal local de Balneário que não tinha interesse em vender o imóvel. A família foi procurada, mas não respondeu ao pedido de entrevista da BBC News Brasil.

Metro quadrado mais caro do Brasil

Em 1956, quando a casinha da praia foi construída, ainda nem existia sequer um edifício em Balneário Camboriú – que na época chamava-se Praia de Camboriú. Foi apenas seis anos depois que surgiu o prédio Punta del Leste, na Praia Central.

Crédito, Arquivo Público BC/Divulgação/ND

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Balneário Camboriú em 1970

O imóvel viu a paisagem urbana se transformar, sobretudo nas últimas duas décadas.

Para o corretor de imóveis de alto padrão da cidade Diego Wantowsky, é só questão de tempo até a demolição da casa.

Na visão de Wantowsky, o local só não foi vendido antes porque o investimento para construir um empreendimento em frente ao mar é alto.

“Ainda não tem previsão de quando será construído o prédio. Foi apenas compartilhado que foi comercializado, os donos estão bem reservados quanto a essas informações”, diz.

Destino turístico de famosos como o jogador Neymar, o valor negociado pela casa não surpreende quem conhece a região. Afinal, Balneário Camboriú é hoje a cidade brasileira com o metro quadrado mais caro no país.

Crédito, Eduardo Zappia

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Balneário Camboriú é hoje a cidade brasileira com o metro quadrado mais caro no país

Enquanto os preços do metro quadrado dos imóveis em São Paulo e Rio de Janeiro ficam em R$ 10.549 e R$ 9.926, respectivamente, Balneário lidera com preço médio de R$ 12.335. Os dados são do Índice FipeZap, publicado em boletim da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) no início deste ano.

A alta demanda de imóveis no município se dá principalmente pela segurança e pela localização privilegiada. Além das praias, Balneário é facilmente acessada por estradas e aeroportos.

O alargamento da Praia Central foi também um fator crucial para a valorização, diz Wantowsky. “O alargamento da praia foi tão importante quanto a revitalização do calçadão que está por vir. Vai valorizar no mínimo mais uns 20 a 30% os apartamentos da região”.

O “boom” imobiliário se repete em outras cidades litorâneas de Santa Catarina, como Piçarras, Praia Brava e Itapema – esta, a segunda cidade com o metro quadrado mais caro do país: R$ 10.804.

As construtoras, além de buscar o público de alta renda brasileiro, estão focadas em atrair estrangeiros. No fim de julho, a construtora FG Empreendimentos lançou um comercial estrelado pelo jogador de futebol português Cristiano Ronaldo.

A publicidade foi do empreendimento One Tower, residencial mais alto da América Latina, com 84 andares. Com 20 ambientes de áreas de lazer, cada apartamento foi vendido por cerca de R$ 15 milhões.

“Até se comenta que Balneário já está um pouco ‘dolarizada’. Eu mesmo vendi um apartamento esses tempos para uma mulher da Bélgica”, conta Wantowsky.

‘Um monte de coisa errada’

Com o crescimento exponencial da cidade, assuntos como sombreamento das praias, falta de infraestrutura de água e esgoto e trânsito vêm preocupando a população e especialistas da área.

Após o alargamento, os dez pontos da Praia Central estavam impróprios para banho, segundo análise do Instituto do Meio Ambiente (IMA) do final de 2022.

Além disso, praias e praças centrais ficam sem sol no meio da tarde por conta da altura dos prédios.

Crédito, CORTESIA DE CASSIO WOLLMANN

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Os arranha-céus ao longo da Praia Central deixam sua faixa de areia na sombra até seis horas antes do pôr do sol

Daniela Occhialini, presidente da Associação Comunitária de Moradores da Praia Brava (AC BRAVA) e uma das organizadoras do movimento Salve Brava, luta para que a Praia Brava não siga o mesmo caminho que a “Dubai brasileira”, ainda que o local já esteja muito diferente do original.

“A gente começa a mexer e vê que tem um monte de coisa errada. Existe um alinhamento gigantesco entre a gestão pública e o setor privado, que no caso é o da construção civil”, diz ela.

Em nota, a prefeitura de Balneário Camboriú diz que o município não entende que a verticalização é um problema e que, em relação ao sombreamento da cidade, a obra de alargamento da faixa de areia (que foi de 25m para 75m) propiciou mais tempo de sol durante o dia para banhistas.

Sobre as críticas relacionadas à primazia do dinheiro e alinhamento com construtoras, respondeu que as outorgas onerosas de construtoras proporcionam a realização de importantes empreendimentos e obras para a cidade.

Ainda em nota, comenta que grande parte da receita do município vem de impostos como IPTU e ITBI, advindos do ramo imobiliário, salientando que todos os processos necessários para a edificação de prédios são seguidos de forma transparente e rigorosa.

Crédito, Reprodução/Instagram @salvebrava

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Imagem feita por participantes do grupo Salve Brava, mostrando edifício em construção afetando a insolação da Praia Brava, em Itajaí (SC)

A organizadora do Salve Brava diz que outros municípios da região – como Barra Velha, Penha, São Francisco do Sul – já procuraram ajuda para impedir que o crescimento desordenado não atinja suas praias.

Lilian Simões, aposentada de 78 anos, mora em Penha (37km de Balneário Camboriú) desde 1996 e tem uma relação especial com o mar: quando criança ela contraiu coqueluche e o médico indicou que a família passasse um tempo no litoral. Desde então, ela tem um apego com a praia.

A moradora de Penha concorda que é preciso estrutura para a cidade poder receber o setor imobiliário. Porém, ela diz que ficaria feliz de poder vender sua casa e se mudar para um apartamento e ter mais conforto.

“Penso em ir para Itajaí, pois lá tem mais estrutura, como hospitais, mercados e serviços em geral”.

Aprendizado para o litoral

Não é mais possível reverter o modelo de urbanização de Balneário, diz Rosemeri Carvalho Marenzi, engenheira florestal e docente do programa de Pós-Graduação em Ciências e Tecnologia Ambiental da Universidade do Vale do Itajaí (Univali).

“Fica o aprendizado que as outras cidades podem levar. No sentido que elas podem ter um modelo diferenciado, principalmente em termos de escalonamento e distribuição dos edifícios”.

No caso do Balneário Camboriú, diz Marenzi, a concentração urbana se deu porque o território é pequeno, mas isso não significa que as pessoas precisam de mais moradia, pois grande parte dessas edificações são de ocupações de veraneio, investimento ou aluguel.

Crédito, Eduardo Zappia

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‘Apartamentos fantasmas’, ocupados apenas uma pequena parte ou nenhuma do ano, refletem na exclusão dos moradores tradicionais

Para ela, os chamados “apartamentos fantasmas” (aqueles que são ocupados apenas uma pequena parte ou nenhuma do ano) geram a exclusão dos moradores locais.

“São os moradores que acabam tendo que muitas vezes vender os seus imóveis em função da especulação imobiliária. Se ele não vender o seu imóvel, na verdade, ele vai ficar em meio a um conjunto de prédios, ilhado e sem sol”.

Na visão da especialista, o foco do planejamento urbano deve ser não só a economia, mas também o turismo, ambiente e os interesses dos moradores.