• Giulia Granchi
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

Crédito, Getty Images

O transtorno do espectro autista (TEA) é caracterizado por uma alteração no desenvolvimento cerebral que causa mudanças na comunicação social e comportamentos repetitivos e estereotipados. Para quem vive com o quadro, alterações sensoriais, como o incômodo extremo com certos barulhos ou texturas, e um repertório específico de interesses – chamado também de hiperfoco – costumam ser comuns.

“Os autistas têm uma maneira diferente de perceber o mundo. Isso faz com que eles voltem a atenção para outros elementos do ambiente que não são necessariamente os estímulos sociais. Em um ambiente cheio de gente, por exemplo, é possível que o barulho de um instrumento ou do motor de um carro na rua chame mais atenção do que a voz das pessoas”, explica a psiquiatra Mirian Revers Biasão, professora da Escola Internacional de Desenvolvimento (EID).

A médica, que pesquisa autismo, explica que, por conta disso, a experiência de pessoa com TEA resulta em aprendizados diferentes e ações distintas daquelas geralmente esperadas socialmente entre pessoas neurotípicas.

“Eu, por exemplo, aprendi a me comportar em determinado ambiente porque observei e alguém, como minha mãe, me ensinou. O que acontece com os autistas é que eles conseguem aprender como interpretar as ações de outras pessoas e entender o que é esperado deles, mas isso não acontece de forma tão natural”, diz.

É esse processo de tentar mimetizar comportamentos considerados socialmente aceitos em grupos como amigos de escola, no trabalho e até nas relações familiares, que é conhecido por “camuflagem social” ou “masking”. “Como não é tão natural para neuroatípicos, essas atitudes acabam gastando mais energia do cérebro e a pessoa pode ficar exausta, tanto fisicamente quanto emocionalmente”, esclarece Biasão.

Várias pesquisas mostram que o esforço da camuflagem social feita por autistas está relacionado a maiores índices de depressão, ansiedade e exaustão. Uma delas, publicada em 2017 no periódico científico “Autism”, levanta a hipótese de que homens autistas sofram ainda mais com esses efeitos, já que mulheres geralmente apresentam menos dificuldade em realizar a camuflagem.

“Crises por sobrecargas sensoriais também podem contribuir para esses quadros, por isso o diagnóstico é tão importante. A partir do momento que sabemos que alguém é autista, podemos começar a trabalhar os limites com esse paciente. Em vez de passar quatro horas em uma festa, por exemplo, pode ser mais confortável para essa pessoa ficar apenas duas horas”, afirma Biasão.

Uma das teorias aceitas pela ciência é a diferença entre os cérebros dos homens e das mulheres.

Alguns estudos, como é o caso de uma análise publicada no periódico Neuroscience and Biobehavioral Review, mostram que o cérebro feminino é sutilmente mais desenvolvido nas áreas que correspondem aos comportamentos sociais. Isso faz com as ações mais estereotipadas, como aquelas representadas nas séries com protagonistas autistas, como ‘The Good Doctor’ e ‘Atypical’ não sejam tão predominantes em mulheres com TEA, especialmente se elas têm grau leve.

“Isso dificulta inclusive que as meninas sejam diagnosticadas”, aponta Joana Portolese, coordenadora do Programa de Transtornos do Espectro Autista do IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas de São Paulo. De acordo com um estudo feito na Suécia, a estimativa chega a ser de 10 meninos diagnosticados para cada menina.

Outra questão, explica Portolese, é que o medo em cometer “erros sociais” é maior e o hiperfoco de meninas tende a ser voltado para interesses que não destoam tanto daqueles apresentados por colegas da mesma idade. Além disso, a própria sociedade já determina muitas regras para as garotas, e essa demanda faz com que elas comecem a se camuflar mais cedo.

Se o diagnóstico não vem na infância, é possível que as mulheres se tornem cada vez melhores em “disfarçar” os sinais de autismo, atrasando o diagnóstico por anos. “Uma vez ouvi a Temple Grandin, psicóloga autista, dizer que a ideia de ser autista é que você gradualmente fica cada vez menos autista, porque você continua aprendendo como se comportar. Ela fala que é como atuar em uma peça de teatro”, diz a psiquiatra do IPq.

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