- Author, Letícia Mori e Vinícius Lemos
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
Pais, professores e até crianças estão alarmados com o compartilhamento em grupos de WhatsApp de milhares de mensagens, fotos, vídeos e áudios falando de supostas ameaças de ataques a escolas que poderiam ocorrer nos próximos dias.
Circulam desde listas de supostos Estados e escolas onde os ataques poderiam acontecer a datas que estariam marcadas para ataques em massa, além de perfis de supostos agressores. Esse conteúdo, que começou a surgir na última semana, tem deixado pais e mães com medo de enviar seus filhos à escola e levado crianças e adolescentes a pedir para ficar em casa.
Um ponto em comum entre os diversos boatos compartilhados é a ideia de que haveria um ataque em massa em escolas em um mesmo dia.
As polícias de diversos Estados e o Ministério da Justiça afirmam que estão trabalhando para combater ameaças reais que foram registradas. Só em São Paulo, a Polícia Civil diz que frustrou dezenas de possíveis atos violentos em diversos municípios em março, com apreensão de facas, máscaras e celulares.
No entanto, muitas das ameaças compartilhadas em mensagens de “alerta” são falsas, dizem as secretarias de segurança de São Paulo e Espírito Santo, Estados onde ataques em escolas nos últimos anos deixaram vítimas fatais.
E o compartilhamento desse conteúdo amplia o risco de que agressões reais aconteçam.
Muitos usuários espalham os boatos com a intenção de alertar amigos, colegas e parentes – algo que tanto pesquisadores dedicados ao tema quanto a polícia indicam que não deve ser feito.
A Secretaria de Segurança de São Paulo (SSP-SP) afirma que todos os casos de ameaça são investigados e que as diretorias das unidades de ensino estão em alerta e em contato com a Polícia Militar. A secretaria pede ainda que o público pense duas vezes antes de compartilhar boatos não confirmados.
“Da mesma forma, percebe-se que a divulgação de ameaças (muitas das quais não passam de boatos) tem seguido o mesmo comportamento. Quanto mais se noticia, mais casos surgem.”
Ou seja, espalhar boatos sobre ameaças de ataques que não são reais pode ter o efeito indesejado de incentivar uma agressão verdadeira.
A advogada Ana Paula Siqueira, especialista em direito digital, ressalta que as pessoas que espalham um conteúdo duvidoso também têm responsabilidade por ele.
“Quem compartilha uma notícia falsa comete o mesmo crime de quem criou aquele conteúdo”, diz ela.
“Se tem um vídeo com uma mentira, por exemplo, de que tem uma bomba em um estádio de futebol, e isso gerar pânico, pessoas forem pisoteadas… Quem compartilha a notícia falsa também pode ser responsabilizado por esse dano.”
Consultado pela BBC News Brasil, o WhatsApp diz as mensagens são criptografadas e por isso a plataforma não acessa o conteúdo trocado pelos usuários e nem faz moderação de conteúdo.
No entanto, a empresa afirma que usuários devem reportar condutas inapropriadas por meio da opção “Denunciar”, disponível no menu do aplicativo (Menu > Mais > Denunciar), ou enviando um email para support@whatsapp.com.
A plataforma diz ainda que “conteúdos ilícitos também devem ser denunciados para as autoridades policiais competentes” e que coopera ativamente com as autoridades “fornecendo dados disponíveis em resposta às solicitações de autoridades públicas e em conformidade com a legislação aplicável.”
O que está sendo compartilhado?
Embora a idolatria a atiradores aconteça de fato em comunidades de adolescentes radicalizados, pesquisadores notaram neste mês, após os ataques recentes, um aumento expressivo de novas contas e publicações que demonstram um comportamento diferente do que vinha sendo observado em anos de monitoramento daquelas comunidades.
Isso leva à conclusão de que não são esses adolescentes que estão por trás do novo conteúdo.
“A gente viu um aumento de posts com um perfil totalmente diferente do postado pelos adolescentes (radicalizados), posts que fogem muito da dinâmica que encontramos nesses grupos”, afirma Letícia Oliveira, editora do site El Coyote, que monitora grupos de adolescentes admiradores de autores de ataques a escolas há 11 anos.
Oliveira é coautora do relatório sobre violência nas escolas entregue ao governo de transição no ano passado.
Para Oliveira, os adolescentes que participam de comunidades de admiradores de agressores não estão por trás de grande parte das supostas ameaças circulando em boatos nesta semana.
A pesquisadora aponta que muitas das supostas ameaças que estão sendo divulgadas em postagens alarmistas reutilizam as mesmas fotos, diversas delas retiradas de sites como Pinterest ou do buscador Google Imagens. Uma imagem muito compartilhada mostra um facão e outras armas brancas, outra exibe uma foto de um revólver.
“Quando os adolescentes (radicalizados) postam imagens que não são dos atiradores e agressores, normalmente são fanarts (desenhos feitos por fãs) feitas por eles mesmos ou fotos de si mesmos, não fotos do Pinterest”, afirma Oliveira.
O conteúdo que surgiu com esse aumento repentino de atividade online sobre ataques nas escolas também emprega uma linguagem muito diferente da usada pelos adolescentes, com gírias e formas de falar que lembram muito mais as usadas por facções criminosas.
“Normalmente, a linguagem usada nesses grupos (de adolescentes) é muito mais próxima da de um fandom (grupo de fãs) adolescente de artistas”, afirma Oliveira.
“Os perfis de adolescentes que monitoramos pararam de usar certas hashtags a partir do momento em que elas se tornaram conhecidas de um público mais amplo.”
Pesquisadores apontam que o prestígio dos agressores em seus grupos sociais aumenta quanto maior a divulgação obtida e o número de vítimas, mas isso não significa que eles atuem de forma conjunta ou participem de uma “competição” – como dão a entender os boatos que estão sendo compartilhados agora.
“Esses adolescentes não atuam assim de forma coordenada. Se articulam nessas comunidades, mas agem individualmente ou duplas”, afirma Oliveira.
O que dizem as autoridades?
Em uma entrevista coletiva na segunda-feira (10/4), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), falou que sua pasta está trabalhando para evitar que qualquer ataque aconteça nas datas de supostos ataques, segundo apontaram boatos.
“Até la muitas pessoas vão ser presas, muitas pessoas vão ser responsabilizadas”, afirmou o ministro.
“Muitos perfis serão derrubados, e tenho certeza de que Estados e municípios também estarão mobilizados. E as famílias dos estudantes também.”
Na segunda-feira, o ministro se encontrou com representantes de redes sociais para discutir o combate a comunidades online que incentivam ataques às escolas.
A resposta de um representante do Twitter foi de que o compartilhamento de fotos dos agressores não viola sua política de uso. A BBC News Brasil questionou a plataforma mas recebeu uma resposta automática com um emoji de fezes – como o Twitter tem feito em todas as solicitações da imprensa.
O ministério divulgou depois que está preparando medidas para obrigar as plataformas a combater esse conteúdos que façam apologia à violência, mas não informou se o combate ao pânico gerado por boatos foi discutido na reunião com as redes sociais. Dino também afirmou que a pasta tem múltiplas iniciativas contra possíveis ameaças.
Em nota à reportagem, o TikTok afirma que está trabalhando “agressivamente para identificar e remover conteúdo que possa causar pânico ou validar farsas, incluindo a restrição de hashtags relacionadas.”
“Onde encontramos ameaças iminentes de violência, trabalhamos com as autoridades policiais, de acordo com nossas políticas de relacionamento com as autoridades locais”, pontua a plataforma.
Ainda em nota, o TikTok diz que o “conteúdo que estimula o pânico” sobre ameaças potenciais de violências nas escolas “não tem absolutamente nenhum lugar em nossa plataforma”.
A Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo, um Estado onde houve um grave ataque no último ano, afirmou que acredita que as notícias que se propagaram nas redes sobre possíveis ataques em escolas locais são falsas e têm o objetivo de causar pânico.
No entanto, a pasta informou que monitora os casos e usa os setores de inteligência para tentar identificar a origem dos boatos.
“Não há objetivamente nenhuma ameaça ou alerta concreto no momento”, disse um porta-voz da secretaria à BBC News Brasil. “No momento em que houver, quem irá comunicar somos nós.”
O órgão enfatizou também a importância da atuação das redes sociais neste momento.
“Não há nenhuma razão para pânico. O que há é uma necessidade de fortalecimento das ações do governo federal e dos estaduais. Neste momento, é decisivo o comportamento das plataformas de tecnologia”, afirmou a pasta.
A Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina, onde ocorreu o ataque a uma creche em Blumenau, disse estar preparando um material especial sobre os cuidados e a atenção que os pais devem ter. O documento será divulgado em breve.
Os boatos que circulam em grupos falam também sobre supostas ameaças feitas a universidades. Em um dos casos, a mesma foto com uma ameaça de conteúdo neonazista foi compartilhada em diversos grupos como sendo uma imagem do campus de quatro universidades diferentes.
Às vezes, episódios reais de violência podem ser divulgados em grupos como tendo sido atentados, sem que haja confirmação disso. Na segunda-feira, por exemplo, uma estudante da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) foi ameaçada por uma mulher com uma faca.
Alunos disseram ao jornal Tribuna Online que o episódio causou pânico entre alunos e professores. No entanto, segundo a Ufes, o caso foi um episódio isolado que não teve a ver com a universidade ou sua comunidade.
Um dos boatos dizia que a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) teria cancelado as aulas, o que não é verdade. A Unicamp informou à BBC News Brasil que apura possíveis ameaças à universidade, mas diz que não houve nenhum caso concreto. Em razão disso, não suspendeu nenhuma das suas atividades.
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