- Russell Hotten
- Repórter de negócios, BBC News
As imagens de carros trafegando com dificuldade com um pneu quase vazio, ou de uma troca de pneu no acostamento da estrada, ainda são comuns.
Também é comum a despesa com a troca de pneus que se desgastaram prematuramente, talvez porque o motorista não tivesse verificado a pressão com a regularidade necessária.
Às vezes parece que os pneus são o ponto fraco de um carro. Mas isso irá mudar algum dia?
Estaríamos chegando perto do final da era das câmaras cheias de ar usadas nos veículos desde os anos 1890? Um produto projetado para ser indestrutível e, por isso, de difícil reciclagem?
Em uma pista de testes em Luxemburgo, um carro Tesla modelo 3 está correndo em curvas fechadas, acelerando rapidamente e fazendo paradas de emergência – testes comuns. Mas o notável é que o carro usa quatro pneus sem ar, produzidos pelo fabricante norte-americano Goodyear.
Raios de plástico especiais sustentam uma fina e reforçada banda de borracha. Os raios flexionam-se e contorcem-se enquanto o carro segue adiante.
Michael Rachita, gerente de programas da Goodyear para pneus não pneumáticos (NPTs, na sigla em inglês) não esconde as limitações do produto: “haverá ruídos e um pouco de vibração. Ainda estamos aprendendo como suavizar a direção. Mas achamos que o desempenho será surpreendente.” E ele está certo.
Os carros elétricos e a mobilidade autônoma estão mudando as exigências com relação aos pneus. Empresas de entregas e serviços de transporte querem produtos que precisem de pouca manutenção, sejam à prova de furos, recicláveis e que tenham sensores para mapear as condições das estradas.
O compartilhamento de carros e os serviços de busca por motoristas estão crescendo nas cidades. Um carro com o pneu furado é um carro que não está gerando renda.
Segundo Rachita, “os pneus a ar sempre terão seu lugar, mas é necessário um conjunto de soluções. À medida que entramos em um mundo onde os veículos autônomos estão se tornando mais comuns e muitas cidades estão oferecendo estratégias de transporte como serviço, a importância de termos pneus livres de manutenção é imensa.”
Nos laboratórios da Goodyear, os pneus são testados 24 horas por dia, em diferentes cargas e velocidades. São milhares de quilômetros sem parar.
Alguns raios se deformam, outros quebram, mas as estruturas continuam a funcionar com segurança, segundo Rachita. “É testar para aprender, testar e aprender”, ele conta. “Mas estamos em um estágio que nos dá enorme confiança. Este é o caminho.”
Já o concorrente da Goodyear, a Michelin, vem trabalhando com a General Motors (GM) em pneus sem ar desde 2019. Em fevereiro, a imprensa noticiou que seu Sistema de Pneus à Prova de Furos Unique (Uptis, na sigla em inglês) poderá estrear em um novo carro elétrico Chevrolet Bolt planejado pela GM, possivelmente já em 2024.
Os pneus Uptis são feitos de resina de alta resistência, embutida com fibra de vidro e borracha composta (a Michelin já registrou 50 patentes sobre esse material) para criar uma estrutura de rede que envolve uma roda de alumínio.
Cyrille Roget, especialista em ciência e inovação do fabricante francês, não confirma as notícias sobre o Chevrolet Bolt, mas contou à BBC que a Michelin terá mais novidades para o final de 2022.
A Michelin é líder de mercado no setor de rodas sem ar. Sua roda-pneu Tweel – do inglês tyre (pneu) wheel (roda) – existe desde 2005 e é usada em veículos de baixa velocidade, como equipamentos agrícolas.
Mas otimizar essa tecnologia para veículos rodoviários é um desafio completamente diferente, segundo Roget: “temos 130 anos de experiência e conhecimento aperfeiçoando estruturas infláveis como pneumáticos, [mas] a tecnologia sem ar é muito recente”.
E o Uptis é apenas uma etapa rumo a algo maior. A empresa que nos deu o boneco inflado da Michelin planeja criar, em alguns anos, um pneu que não tenha ar, conectado à internet, impresso em 3D e feito totalmente de materiais que podem ser fundidos e reutilizados.
E, segundo a Michelin, ele não precisaria de manutenção, exceto por algumas recauchutagens ocasionais.
O grande peso das baterias faz com que as estruturas sem ar sejam particularmente apropriadas para os veículos elétricos. “Você pode carregar mais peso com sensação mais confortável que com pneus a ar”, afirma Rachita.
Mas, por outro lado, os pneus sem ar têm maior contato com a rodovia, o que aumenta o atrito. Isso aumenta o consumo de energia para fazer os pneus se moverem, com consequências para a vida útil e a capacidade da bateria.
E existe o ruído – o zumbido da borracha sobre o asfalto. “Como o som do motor não existe nos carros elétricos, os pneus tornam-se a principal fonte de ruído”, segundo Matt Ross, editor-chefe da revista britânica Tire Technology International.
Além disso, a rigidez dos raios plásticos transmite mais vibrações através da suspensão. Ele acredita que poderá ser preciso convencer os motoristas acostumados ao desempenho dos pneus a ar sobre o uso da nova tecnologia.
Mais importante que a percepção dos consumidores, entretanto, é a decisão dos órgãos reguladores.
Os governos exigirão rigorosos testes de segurança e a padronização das normas. E os fabricantes de pneus precisarão investir pesado em novas instalações de fabricação e no desenvolvimento de cadeias de fornecimento. Tudo isso levará anos.
Os fabricantes de pneus esperam que os primeiros usuários em áreas específicas ajudem a popularizar a tecnologia. “Os pneus não-pneumáticos (NPTs na sigla inglesa) são particularmente interessantes para setores como o militar, de assistência a desastres, veículos de segurança e maquinário especializado”, afirma Klaus Kraus, chefe de pesquisa e desenvolvimento na Europa da companhia sul-coreana Hankook.
A Hankook divulgou a última versão do seu NPT i-Flex em janeiro. Menor que os pneus convencionais, a empresa afirma que seus raios de poliuretano entrelaçados em favo de mel formam uma inovação para suportar a tensão lateral e horizontal.
A japonesa Bridgestone – líder mundial na fabricação de pneus – está interessada em aplicações industriais na agricultura, mineração e construção, onde poderá haver alta demanda de clientes que sofrem grande perda de produtividade com o desgaste dos pneus.
Pelo menos inicialmente, os pneus sem ar terão um preço mais alto. Mas a capacidade de recauchutagem regular e impressão 3D poderá mudar esse jogo.
Especialistas especulam que talvez os consumidores nem precisem comprar os pneus inicialmente. Eles seriam fornecidos de graça e o pagamento seria por quilômetro rodado, com sensores monitorando seu uso.
É uma ilustração do caminho da tecnologia para o pneu do futuro, segundo Sosia Causeret Josten, analista da divisão de Inteligência de Pneus Sightline da Goodyear. Único contato entre a rodovia e o veículo, os pneus oferecem enorme potencial.
Talvez, graças aos algoritmos e à computação em nuvem, os veículos conectados possam fornecer informações sobre os locais onde o governo precisa fazer reparos em rodovias ou depositar cascalho durante os invernos mais frios.
Outro exemplo são os sistemas de freios automáticos. “Se o sistema de freio antitrava (ABS, na sigla em inglês) souber que o veículo está usando pneus de verão com metade do uso, ele pode reagir com maior rapidez. Essa vantagem pode ser importante no futuro com os carros autônomos, quando o veículo precisa reagir sozinho”, afirma ela.
É claro que nem toda essa tecnologia precisa ser exclusiva dos pneus sem ar. E nem todos os fabricantes estão convencidos de que os NPTs são o futuro.
“No momento, acreditamos que os pneumáticos são a melhor opção para a maioria dos veículos”, segundo Denise Sperl, diretora de pesquisa e desenvolvimento de pneus automotivos do fabricante alemão Continental.
Os pneus sempre precisarão “atender simultaneamente diversas exigências de segurança, conforto, desempenho e sustentabilidade” e a borracha a ar permanece sendo o melhor consenso, segundo Sterl. A Continental está desenvolvendo um sistema autoinflado, com bombas e sensores nas rodas que ajudam a manter a pressão nos níveis ideais.
Como todos os fabricantes, a companhia alemã está procurando produtos “mais verdes”. Poliéster de garrafas plásticas recicladas será usado em breve nos seus pneus de qualidade superior. E a Continental e a Goodyear estão pesquisando um tipo de planta dente-de-leão que produz látex similar às seringueiras.
Mas as alternativas sustentáveis aos materiais convencionais são disponíveis apenas “de forma limitada”, segundo Sperl. Há uma razão para os pneumáticos serem usados por tanto tempo: eles funcionam melhor. “Seguimos convencidos disso”, conclui ela.
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