- Lucy Williamson
- BBC News, Calais
Escondidos na densa vegetação da costa norte de Calais (França), dois homens preparam-se para colocar em xeque os planos contra a imigração ilegal da nova primeira-ministra britânica, Liz Truss.
Agachados no escuro, eles rapidamente preparam um barco para levar pessoas indocumentadas através do Canal da Mancha, que liga a França ao Reino Unido.
Acima deles, em meio à penumbra que antecede o amanhecer, o barulho de um drone financiado pelo Reino Unido marca o início de uma perseguição.
A menos de um quilômetro de distância, guardas franceses examinam as duas pessoas pela câmera térmica do drone; as imagens são uma profusão de rosa e laranja.
Em segundos, eles embarcam em um veículo especial, também fornecido pelo Reino Unido, e se lançam em meio aos matagais em direção ao local.
Os guardas franceses demoram menos de cinco minutos para chegar, mas os últimos 50 metros devem ser percorridos a pé por uma vegetação espessa e pontiaguda que, em alguns casos, chega à altura do peito.
Os dois homens fogem quando a unidade se aproxima, deixando para trás o barco já parcialmente preparado, combustível e motor, e dois sacos de coletes salva-vidas.
Tecnologia como arma
“A vegetação joga contra nós”, diz o general francês Frantz Tavart. “Os contrabandistas sabem disso e escondem os barcos aqui de propósito”, acrescenta.
Os drones britânicos são valiosos, explica o oficial, na descoberta de locais bem escondidos “como este”. “O avião [de vigilância] passou mais cedo e não detectou nada nem ninguém, porque eles estavam escondidos pelas árvores”, diz ele.
Esse trecho de 160 quilômetros de costa vem recebendo recursos, ano após ano. A França e o Reino Unido investiram em mais patrulhas, melhor tecnologia e diferentes tipos de veículos. E, no entanto, o número de pessoas que cruzam o canal continua a crescer.
Na semana passada, a nova ministra do Interior britânico, Suella Braverman, reafirmou no congresso do Partido Conservador, sua determinação em combater a imigração ilegal.
Patrulhas francesas dizem que impediram cerca de metade das tentativas de travessia. No entanto, só neste ano, mais de 30 mil pessoas chegaram ao Reino Unido.
Maior sofisticação
Apesar dos esforços, as autoridades francesas garantem que neste verão registraram novas redes de contrabando.
Um alto funcionário francês com bom conhecimento da situação diz à BBC que existem agora grupos albaneses operando na área, independentes das redes curdas e iraquianas existentes.
“As redes albanesas são mais eficientes. Deste lado do canal, 40% das pessoas que interceptamos são albanesas, mas constituem 60% daqueles que chegam do outro lado”, diz a fonte.
“A nossa hipótese é que eles têm muito mais experiência do que os outros em termos de atividade criminosa, e estão mais habituados a organizar e evitar a polícia. Constatamos que os preços praticados pelas redes albanesas são mais elevados”, explica.
O general Tavart, por sua vez, diz não poder confirmar se as novas rotas de contrabando albanesas estão sendo administradas por grupos criminosos estabelecidos, talvez baseados no Reino Unido, mas disse que essa hipótese faria sentido.
“Com o preço de uma viagem a cerca de US$ 4 mil (R$ 20 mil) e cerca de 40 pessoas em um barco, faça as contas”, diz. “É extremamente lucrativo, mais do que o tráfico de drogas, e as penas criminais são mais leves.”
Alguns acreditam que a escassez de mão de obra pós-Brexit (a saída do Reino Unido da Europa) no mercado britânico se soma aos “fatores de atração” que encorajam contrabandistas já indocumentados a se lançarem ao mar.
Mais do que suspeita
Embora as autoridades policiais francesas tenham registrado um número maior de albaneses no principal campo de migrantes de Dunquerque, a maioria dos cidadãos desse país parece estar hospedado em hotéis da região, ou em Paris (França) ou Bruxelas (Bélgica).
Em um hotel de Dunquerque, a proprietária confirma à BBC que tinha um grande número de clientes albaneses de passagem. A mesma informação foi dada pelo dono de um bar localizado em frente à estação.
“Me pergunto se ainda há alguém na Albânia. Vendo quantos passam por aqui”, diz ele.
O aumento de migrantes que atravessa o Canal da Mancha e o surgimento de novas redes de contrabando parecem pôr em xeque a estratégia de dissuasão do governo britânico.
O governo liderado pelo ex-premiê Boris Johnson anunciou as suas intenções de enviar imigrantes indocumentados para Ruanda, na África, onde espera que se estabeleçam se o pedido de asilo for bem-sucedido.
Tudo ou nada
Na estrada nos arredores de Calais, no início da manhã, a BBC encontra Sikunder, um afegão de 17 anos, e seus amigos envoltos em cobertores de sobrevivência que brilhavam como prata no escuro.
Os jovens haviam acabado de ser resgatados de um barco pela polícia francesa.
Questionado se está ciente que o Reino Unido poderia mandá-lo para Ruanda, Sikunder responde: “Ouvi falar sobre isso, mas alguns de meus parentes no Reino Unido me disseram que esse plano havia sido interrompido e que poderíamos tentar a travessia”.
Essa foi a segunda tentativa de travessia do jovem, e ele garante que não será a última.
Londres está travando uma batalha judicial sobre a legalidade de sua política sobre e Ruanda. Nos acampamentos de Calais, quase todos estão cientes do risco, mas buscam maneiras de racionalizá-lo.
Muitos refugiados acreditam que o governo liderado pela premiê Liz Truss significará o fim da controversa iniciativa. No entanto, a nova primeira-ministra ratificou seu apoio à medida.
Jess Sharman, da ONG Care4Calais, diz haver pessoas arriscando suas vidas para chegar ao Reino Unido porque não podem solicitar asilo enquanto estão na França e não podem cruzar o canal por rotas oficiais.
“Elas não deveriam estar aqui, e estão aqui apenas devido às políticas do governo”, diz. “E isso pode mudar da noite para o dia se Truss tornar seguro e legal para eles [solicitar asilo]”.
Enquanto isso, apesar de as unidades policiais continuarem a destruir sistematicamente os campos, enfrentando gangues de contrabando e perseguindo migrantes por quilômetros ao longo da costa raquítica, ao amanhecer, outra embarcação carregada de pessoas de todo o mundo consegue chegar à costa do Reino Unido.
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