- Heloisa Villela
- De Nova York (EUA) para a BBC News Brasil
Foi uma descoberta daquelas que contando é até difícil acreditar. Por isso mesmo, o músico e pesquisador Franco Galvão saiu de São Paulo para conferir o material que, de longe, encontrou nos arquivos da Universidade de Illinois, em Champaign, nos Estados Unidos.
“Foi de arrepiar”, relembra.
Para ver de perto a descoberta, foi preciso calçar luvas, entrar na sala com temperatura controlada e só então folhear partituras guardadas ali há mais de 70 anos. Obras do brasileiro Osvaldo Gogliano, mais conhecido como Vadico. Paulistano do Brás, mais novo de uma grande família de músicos, ele se mudou para o Rio de Janeiro no começo da carreira.
Para quem não sabe quem foi o compositor brasileiro, basta recitar as primeiras estrofes do samba Conversa de Botequim: “Seu garçom faça o favor de me trazer depressa…”
O resto, quase todo brasileiro conhece de cor. Vadico foi parceiro de Noel Rosa. Compôs a música de alguns dos sambas mais famosos do carioca de Vila Isabel que fazia as letras e cantava as canções. Mas pouca gente conhece a obra que Vadico deixou nos Estados Unidos.
Ele trabalhou com Carmem Miranda, fez filmes em Hollywood, mas foi como arranjador da bailarina americana Katherine Dunham que compôs ao menos oito obras que ficaram guardadas nos Estados Unidos, desconhecidas dos brasileiros. Franco Galvão começou a procurar os trabalhos de Vadico ainda do Brasil quando conseguiu contato com a neta de Dunham — um nome que marcou a história da cultura nos Estados Unidos e das leis no Brasil. A bailarina nasceu em Chicago, Estado de Illinois. Além de bailarina, foi coreógrafa, antropóloga e ativista social.
Em visita a São Paulo em 1950, ela não pôde se hospedar em um hotel de primeira classe, o Hotel Esplanada, e colocou a boca no trombone denunciando o racismo. A repercussão foi grande e a consequência foi a criação da Lei Afonso Arinos no ano seguinte, que passou a tratar como crime a discriminação racial em locais públicos no país. Na época dessa visita, Vadico já trabalhava com Dunham — uma parceria que começou em 1949.
A bailarina negra convidou o brasileiro para ser diretor musical da companhia que se apresentava na Broadway em Nova York. E logo nesse primeiro ano de trabalho, Vadico compôs duas peças que até agora eram inéditas no Brasil: Saxologia e Mambo. Todo o arquivo de Katherine Dunham está cuidadosamente guardado na Universidade de Illinois e a neta dela contou a Franco que ele encontraria algo especial nas caixas da avó. E ele encontrou. São 501 páginas de partituras que precisaram ser organizadas para que fosse possível entender o que Vadico criou nos três anos em que trabalhou com a bailarina.
O primeiro desafio foi reconstruir as composições a partir do material.
“Isso só foi possível depois de olhar 501 páginas de partituras, decupar, colocar tudo junto, entrar no computador, nota por nota, para entender o que era”, conta Franco.
“Conseguimos descobrir oito músicas que foram executadas em 1950 e depois nunca mais. E essa descoberta foi muito bonita nesse sentido. Agora, a gente tem acesso a esse material e pode tocá-lo”.
O quebra-cabeça revelou três choros e ainda três peças para orquestra, Prelúdio, Adágio e Fuga, que eram consideradas perdidas. Mas também estavam em Illinois, desordenadas mas preservadas, com anotações de próprio punho do compositor e arranjador. Aparentemente, Vadico tinha pressa de regressar ao Rio, cidade que adotou quando estava começando a vida adulta. Ele não recolheu as partituras que passaram 72 anos “engavetadas”, como diz Franco — que ainda sorri sem parar quando fala de tudo isso.
“Foi muito emocionante. No último dia, eu estava em prantos”, conta.
O pesquisador já montou um site na internet com toda a história de Vadico e vai gravar três CDs em homenagem ao compositor. São projetos para o ano que vem. Mas ele já fechou compromisso com a Orquestra Jovem Tom Jobim para gravar as peças clássicas. Para as populares, ele já organizou participações das cantoras Ná Ozzeti e Monica Salmaso e do compositor e violonista Guinga.
Outros nomes convidados, que toparam ou não, ele ainda não pode revelar. Mas o melhor, para Franco, já está garantido. Daqui pra frente, qualquer músico, do Brasil e do mundo, vai poder dar vida e executar o que Vadico criou.
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