- Author, Sue Nelson
- Role, BBC Future
Em 2025, quando a missão Artemis 3 da Nasa levar seres humanos novamente à Lua, bilhões de olhos estarão voltados para dois astronautas – e o que eles estarão vestindo.
Os interessados já puderam dar uma olhada no traje em uma amostra oferecida recentemente no Centro Espacial da Nasa em Houston, no Texas.
Ali, um novo protótipo de traje espacial fez a sua estreia para uma nova era de viagens lunares.
Qual é o modelo atual? Um traje espacial preto, com detalhes em laranja e azul.
Mas, quando os trajes forem produzidos em quantidade, eles serão todos da clássica cor branca, como os usados nas missões Apollo, mais de 50 anos atrás.
Mas, diferentemente da Apollo, estes trajes espaciais lunares receberão uma nova etiqueta: a da Axiom Space.
Fundada em 2016, esta empresa relativamente recém-chegada já realizou sua primeira missão com astronautas no setor privado e também planeja construir a primeira estação espacial comercial.
“Definitivamente, parece que somos os novatos do setor”, afirma Mark Greeley, gerente do programa de Atividade Extra Veicular (EVA, na sigla em inglês – a caminhada espacial) da Axiom. Ele passou a carreira chefiando projetos de trajes espaciais e de lançamento para a Nasa.
“Mas muito de nós, provavelmente 90% da equipe, trabalhamos em EVA, de alguma forma, por toda a nossa carreira”, afirma ele.
Como Greeley, muitos funcionários da Axiom Space já trabalharam na Nasa, em uma equipe que inclui o ex-astronauta e antigo administrador da agência, Charlie Bolden, como seu consultor de desenvolvimento comercial.
E houve também um toque de cinema no protótipo de traje espacial da Axiom, com a participação da figurinista Esther Marquis.
Marquis foi a principal designer de tecidos do filme da Marvel Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (2021) e é a figurinista da premiada série de ficção científica For All Mankind, da Apple TV .
“Em qualquer projeto de design, existe um nível de dedicação e comprometimento que precisa ser assumido para atingir o objetivo desejado”, declarou Marquis. “Fiquei ansiosa para aplicar as ideias que consegui com a minha experiência.”
Ela explica a razão para que a camada externa do protótipo da roupa espacial fosse preta.
“Meu trabalho era projetar uma ‘Camada de Cobertura Personalizada’ para esconder o design patenteado durante o evento de revelação do traje espacial, realizado em março. Conheço muito bem os trajes espaciais históricos que usamos no programa de TV. Eu quis prestar um tributo a esse legado e homenagear a exploração espacial.”
“Foi uma tremenda oportunidade para nos reunirmos e discutir o design dos trajes espaciais com uma empresa que está, de fato, enviando pessoas para o espaço”, prossegue Marquis, “e fiquei encantada quando descobri que os engenheiros de trajes espaciais da Axiom realmente são artistas, que resolvem problemas complexos de forma criativa”.
A costura manual e mecanizada costuma desempenhar um papel importante na indústria espacial, seja nos trajes espaciais, no tecido entre os componentes da Estação Espacial ou nos escudos contra o calor da missão BepiColombo para Mercúrio.
E Greeley concorda. “É preciso ter muitas costureiras especializadas ou técnicos em itens sensíveis para fazer este tipo de trabalho e eles são verdadeiros artistas.”
É claro que, antes de tudo, os novos trajes lunares são equipamentos essenciais de manutenção da vida, que fornecem ar aos astronautas e os protegem contra a radiação e os micrometeoros. E, apesar do legado, sempre existe espaço para melhorias.
“A Apollo usava zíperes, cabos metálicos e borracha nos trajes, com tecnologia dos anos 1960, e funcionavam bem quando eram usados para uma missão, mas não é mais o caso”, afirma Bill Ayrey, autor do livro Lunar Outfitters: Making the Apollo Space Suit (“Fornecedores de roupas lunares: produzindo o traje espacial da Apollo”, em tradução livre).
“Os maiores avanços vieram pouco depois da Apollo, quando foi projetado o traje do ônibus espacial, com muitos componentes que poderiam ser trocados para atender uma tripulação mais diversificada”, afirma ele.
Ayrey foi engenheiro de testes de trajes espaciais e historiador da ILC Dover – a empresa que produziu os trajes da Apollo e os que hoje são utilizados pelos astronautas em suas caminhadas espaciais na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês).
A ILC Dover é parceira da Collins Aerospace (empresa fornecedora de produtos aeroespaciais) na produção dos novos trajes espaciais para a ISS.
Muitos materiais utilizados em trajes espaciais, tanto para uso na Lua quanto na ISS, ainda são os mesmos dos anos 1950 e 60.
Eles incluem spandex na camada de ajuste do traje, para refrigeração com líquidos; Mylar, para isolamento; Kevlar, utilizado em roupas à prova de balas; Nomex, que é resistente a chamas e usado por pilotos de corrida; e nylon revestido com uretano, que pode ter costuras soldadas e é tipicamente utilizado para a “bolha” hermética interna do traje sob pressão.
“Os trajes de hoje em dia utilizam compostos avançados”, explica Ayrey, “e outros materiais para fornecer resistência estrutural e permitir ajustes de tamanho, fornecendo maior conforto e maior tempo de vida útil dos componentes do traje”.
Os tamanhos são importantes. Em 2019, a Nasa precisou postergar sua primeira caminhada espacial só de mulheres porque a Estação Espacial Internacional não tinha trajes espaciais em quantidade suficiente, nos tamanhos certos.
Melhorias necessárias
A Nasa já havia começado a trabalhar no novo traje antes de entregá-lo para a indústria, de forma que a Axiom não precisou começar do zero.
“Começamos fazendo alterações onde os designs não estavam fechados ou completos, ou onde a nossa equipe especializada sabia que podíamos fazer melhorias”, segundo Greeley.
“Existem alguns componentes, como o tronco superior rígido e a bolha do capacete, que tinham design bastante avançado, mas redesenhamos todo o sistema de pressão da roupa”, ele conta. “Também reduzimos a massa [do traje] – uma grande alteração, já retiramos 9 kg do traje – e aumentamos a mobilidade.”
O ângulo do capacete do traje da Axiom não lembra mais o tradicional aquário de peixinhos dourados de cabeça para baixo da Apollo. Ele é inclinado, oferecendo maior visão abaixo do horizonte. “Nos trajes espaciais lunares, os astronautas ficam olhando para baixo a maior parte do tempo”, explica Greeley.
A Lua tem um sexto da gravidade da Terra, o que também influencia o design do traje.
“Os trajes espaciais lunares precisam ser leves, pois são usados em um ambiente com gravidade”, explica Ayrey. “E os trajes lunares e planetários também precisam fornecer excelente mobilidade na parte inferior do tronco, pois você está andando em um ambiente com gravidade e não simplesmente flutuando no espaço.”
A ex-astronauta da Nasa Peggy Whitson descreveu o protótipo como “um grande exemplo do que a inovação pode fazer. Este será um traje muito mais flexível”. E ela sabe do que está falando.
Whitson detém o recorde mundial de tempo passado no espaço, com um total acumulado de 665 dias.
E, como chefe de voos espaciais tripulados da Axiom, ela deve ampliar ainda mais esse recorde a partir do dia 8 de maio, como comandante da segunda missão privada da empresa para a Estação Espacial Internacional, a Ax-2.
Whitson e vários outros astronautas deram sugestões sobre o novo traje. “Acho que o comentário mais comum dos astronautas foi para mantê-lo simples”, segundo Greeley.
Para as luvas, a recomendação é garantir que “elas ofereçam a destreza correta e mantenham as mãos quentes ou frias, dependendo do ambiente”, segundo ele. “Depois de trabalhar em diversos programas, eu diria que as nossas luvas provavelmente são as melhores que já vimos.”
As temperaturas na superfície lunar atingem níveis extremos. Ao contrário da Terra, a Lua tem um ciclo de cerca de 14 dias de luz e 14 dias de sombra. No escuro, as temperaturas podem cair para -253° C e, de dia, subir até 120° C.
Os astronautas da Apollo precisavam daquela energia solar, da mesma forma que precisarão os tripulantes da Artemis. E os trajes da Apollo eram brancos para refletir o calor, evitando que a temperatura do corpo atingisse níveis perigosamente altos.
Durante as missões Apollo, a poeira lunar ultrafina – o regolito – interferia com os instrumentos, causando superaquecimento dos radiadores e danos aos trajes espaciais.
“Será fundamental garantir que a poeira lunar não consiga penetrar nas camadas internas, nos rolamentos metálicos e em outros componentes”, afirma Ayrey.
Quando estiver completo, o novo traje espacial lunar Unidade de Mobilidade Extraveicular da Axiom (AxEMU, na sigla em inglês) precisará ser testado em um ambiente similar ao espaço.
Um porta-voz da Nasa descreveu o que é necessário “um teste análogo pode consistir em um ambiente subaquático, usando alívio do peso, uma câmara térmica a vácuo ou outros métodos aprovados pela Nasa”.
Mas o teste final, é claro, será na Lua. E, lá, falhas têm de estar fora de cogitação.
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