- Alejandra Martins
- BBC News Mundo
Existem estrelas que andam à deriva no universo “como almas perdidas”, segundo a Nasa. E a luz que elas emitem é tão fraca que a agência espacial americana a descreve como “neblina fantasmagórica”.
Estamos falando de estrelas que, ao contrário das mais conhecidas, não residem em uma galáxia. Elas perambulam há bilhões de anos por aglomerados que reúnem milhares de galáxias, segundo um novo estudo realizado com imagens do telescópio espacial Hubble.
Mas como as estrelas errantes foram arrancadas das suas galáxias de origem?
Estudar essas “almas perdidas” é importante, segundo a astrônoma espanhola Mireia Montes, do Instituto de Astrofísica das Ilhas Canárias.
Montes pesquisa a luz fraca emitida pelas estrelas errantes, chamada de luz intra-aglomerado. Ela explicou à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, que esse brilho suave pode revelar não só a estrutura dos aglomerados de galáxias, mas também a natureza de um dos maiores mistérios do universo: a matéria escura.
O que são as estrelas errantes?
Montes explica que, “nos aglomerados de galáxias, que são as maiores estruturas ligadas pela gravidade, as galáxias – podem ser centenas a milhares delas – encontram-se em um espaço astronomicamente pequeno”.
A cientista afirma que, por estarem tão juntas, as galáxias interagem gravitacionalmente entre si. E, nessas interações, algumas estrelas são arrancadas das suas posições e acabam habitando o espaço intergaláctico.
Montes compara essas interações com as forças da maré entre a Terra e a Lua. “Na Terra, ao sentir a força da maré, não se observa muita coisa, exceto a subida do mar. Mas, no caso das galáxias, que não são sólidas, essas forças vão arrancando as estrelas das galáxias.”
Com o passar do tempo, as interações criam uma luz muito difusa, que chamamos de luz intra-aglomerado.
“Eu comparo, guardadas as proporções, com escrever na lousa com um giz”, explica Montes. “Esse pó vai sendo liberado pouco a pouco, graças à fricção do giz com a lousa.”
A suave luz das estrelas errantes
As estrelas errantes, em sua maioria, são similares ao nosso Sol, segundo Montes. Mas, por estarem tão dispersas, seu brilho é muito suave, representando cerca de 1% ou menos do brilho do céu mais escuro que temos na Terra.
“Se formos a um observatório profissional, como os do Chile ou das Canárias, o céu é mais escuro, pois sempre tentamos evitar qualquer contaminação luminosa”, explica ela. “Imagine então que aquela luz é 1% ou menos deste céu tão escuro!”
O novo estudo com dados do Hubble baseou-se em 10 aglomerados de galáxias situados a quase 10 bilhões de anos-luz da Terra. A pesquisa revelou que a fração de luz intra-aglomerado em relação à luz total do aglomerado manteve-se constante ao longo de bilhões de anos.
Isso significa que “estas estrelas já estavam deslocadas nas primeiras etapas de formação do aglomerado”, segundo James Jee, da Universidade Yonsei em Seul, na Coreia do Sul, que foi um dos autores do estudo.
O que esta luz revela sobre a matéria escura?
Mireia Montes explica que estudar as propriedades da luz intra-aglomerado, bem como a idade das estrelas e a quantidade de metais nelas contidos, fornece informações sobre a história da estrutura.
“O que estudamos no céu é muito estático, só temos fotografias daquele instante sobre o que está acontecendo com o objeto de estudo”, afirma ela. “Já quando estudamos a luz intra-aglomerado, é como ter um documento do passado do aglomerado.”
A luz intra-aglomerado também fornece indicações sobre a misteriosa matéria escura. Estimativas indicam que a matéria escura constitui cerca de 25% de toda a matéria do cosmos, mas ela não pode ser observada diretamente, já que não absorve, não reflete e nem emite luz.
Mas os cientistas sabem que ela existe devido aos efeitos produzidos pela matéria escura sobre objetos que podem ser observados.
Em 1997, uma imagem do Hubble revelou como a luz de um aglomerado de galáxias distante se curva ao passar por outro aglomerado à sua frente. Este efeito é conhecido como lente gravitacional.
Os cientistas estimaram que a massa do aglomerado no primeiro plano da imagem deveria ser 250 vezes maior que a matéria visível, para conseguir curvar a luz daquela forma. Eles acreditam que a matéria escura seja a razão desta massa inexplicável.
No caso das estrelas errantes, Montes e outros pesquisadores demonstraram, em 2019, que a luz dessas estrelas acompanha a distribuição de matéria escura nos aglomerados de galáxias.
“Lembre-se que essas estrelas não estão ligadas a galáxias, que formam uma luz difusa e expandida”, explica a astrônoma. “Além disso, elas estão flutuando de acordo com a gravidade do aglomerado. Nessas estruturas, há cerca de 300 vezes mais massa de matéria escura que de estrelas.”
“Por isso, a luz rastreia tão bem a matéria escura, já que ela vive nas partes do aglomerado onde a matéria escura predomina.” E isso tem repercussões importantes, segundo Montes.
“Sabemos normalmente como a massa se distribui em aglomerados porque são como lentes gravitacionais”, explica a astrônoma. “Ou seja, elas deformam e aumentam o brilho do que há atrás delas. Por isso, costuma-se usá-las para observar o universo distante, já que elas facilitam a observação dessas galáxias tão longínquas.”
“Mas, se quisermos conhecer as reais propriedades desses objetos, precisamos saber como é essa lente, o aglomerado de galáxias, e como ela distorce a imagem real da galáxia distante.”
Para isso, é preciso ter técnicas mais complexas, como a modelagem e a espectroscopia. Mas, usando a luz intra-aglomerado, só é necessário “tirar uma foto” muito profunda desses objetos.
Montes destaca que ainda há muito que não sabemos sobre a luz intra-aglomerado: como ela evolui com o passar do tempo e como a massa do aglomerado se relaciona com a quantidade da luz, por exemplo.
Outra questão, segundo a cientista, é como a distribuição de massa em aglomerados de galáxias está relacionada com a própria natureza da matéria escura.
Espera-se que o telescópio espacial James Webb, cujas primeiras imagens foram divulgadas em julho de 2022, traga grandes avanços para o estudo da luz intra-aglomerado.
“Acreditamos que o James Webb será revolucionário em muitos aspectos da astronomia e, neste caso, na luz intra-aglomerado”, segundo Montes. Ela destaca que o telescópio James Webb é maior que o Hubble e, por isso, é mais eficiente para a observação de objetos mais fracos, já que ele pode coletar mais luz em menos tempo.
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