- Author, Amira Mhadhbi e Stephanie Hegarty
- Role, BBC World Service
Jamal era a criança mais bonita do hospital. Essa é a opinião de Abeer al-Kaferna, mãe do bebê.
Ela se lembra do parto enquanto passa pelas fotos registradas no celular.
“Olha como ele é lindo, meu querido bebê.”
As imagens são tudo o que resta do filho. Jamal morreu em 18 de janeiro.
Ele tinha três meses quando começou a ficar doente.
O conflito entre Israel e o Hamas se prolongava por mais de um mês quando al-Kaferna e toda a família dela haviam sido deslocados diversas vezes. Eles quase morreram após um ataque aéreo israelense no campo onde estavam refugiados.
O recém-nascido foi diagnosticado com uma infecção intestinal e recebeu prescrições de remédios. Mas ele não melhorou.
No início de dezembro, 90% das famílias no norte de Gaza passavam dias inteiros sem acesso à comida, de acordo com o Programa Alimentar Mundial da Organização das Nações Unidas (ONU).
Abeer lutou para conseguir amamentar seu bebê.
Desnutrida e desidratada, ela não produzia leite suficiente — e era difícil encontrar fórmula para bebês.
Em novembro, Jamal pesava 7 quilos (considerado um peso saudável), mas emagreceu rapidamente. Em poucas semanas, ele estava com apenas 3,5 kg.
Em janeiro, Esmahan, a avó do menino, disse que ele parecia “um esqueleto”.
“Não conseguimos encontrar leite para ele”, relata o pai, Mahmoud al-Kaferna. “Tentamos oferecer água, mas até a água estava poluída.”
A família até recebeu receitas de alguns remédios para o bebê, mas não conseguiu encontrá-los.
Finalmente, a criança foi internada num hospital. Mas quando Jamal começou a melhorar, eles tiveram que deixar o local.
“O hospital disse que não tinha mais nada a fazer por ele e que havia outras crianças que necessitavam de cuidados”, lembra o pai.
Na noite de 17 de janeiro, a temperatura corporal de Jamal caiu e ele começou a tossir. Uma substância branca saía do nariz do menino.
“Corremos para o hospital durante a noite, sob bombardeios”, diz Mahmoud.
“Eles [os profissionais da saúde] tentaram resgatá-lo por meia hora, mas não conseguiram. A falta de comida, água e tratamento adequado matou meu filho.”
A Organização Mundial da Saúde (OMS) tenta levar mais ajuda médica ao norte de Gaza.
No entanto, apenas três das 16 missões realizadas pela entidade tiveram acesso liberado pelas Forças de Defesa de Israel (IDF) em janeiro.
Em fevereiro, nenhuma das operações conseguiu a liberação para levar ajuda.
Quando a OMS finalmente chegou ao norte de Gaza, no início de março, a equipe descobriu que 10 crianças tinham morrido por “falta de comida” num hospital.
O Ministério da Saúde administrado pelo Hamas afirma que 27 crianças morreram de desnutrição e desidratação em Gaza desde o início da guerra. Espera-se que esse número aumente.
Acredita-se que cerca de 300 mil palestinos permaneçam no norte de Gaza.
A ONU e outras entidades de ajuda humanitária planejaram 61 missões ao norte de Gaza em Janeiro. As IDF permitiram nove delas.
Depois de um comboio de alimentos da ONU ter sido atingido por bombardeio israelense enquanto aguardava a liberação perto de um posto de controle, a entidade passou a traçar menos incursões pelo território afetado pelo conflito.
Das 24 missões planejadas para fevereiro, a IDF facilitou seis delas.
“A capacidade da ONU de ir ao norte de Gaza é algo que não deveria ser questionado se estivermos dispostos e formos capazes de chegar até lá”, declarou Tess Ingram, representante da área de comunicações da Unicef.
Ele próprio passou uma semana em Gaza no mês de janeiro e tentou acessar a região norte do território palestino em diversas ocasiões.
Israel diz que não existem limites para a quantidade de ajuda que pode ser entregue aos palestinos e culpa as agências da ONU por não conseguirem distribuir os suprimentos.
A falta de ajuda humanitária deixou as pessoas no norte de Gaza com poucos suprimentos.
Khalid está abrigado na cidade de Jabalia com cinco filhos e outros 90 membros da sua família.
Ele disse à BBC que eles têm sobrevivido à base de ervas daninhas e ração animal.
“É como comer pequenas pedrinhas”, diz ele. Depois de ingerir a ração, ele encontrou sangue nas fezes e sofreu episódios de dores estomacais.
A família de Khalid teve sorte. Eles encontraram um saco de arroz cheio de terra e pedras nos escombros de um prédio.
Eles também se nutriram com Malva parviflora, uma planta comestível que cresceu no jardim de um prédio bombardeado depois de alguns dias de chuva.
Recentemente, porém, a ração animal, o arroz e até o mato acabaram. Durante uma semana, no início de março, a família de Khalid não teve absolutamente nada para comer.
Os países árabes e ocidentais tentam agora lançar alimentos para Gaza pelo ar. Khalid e sua família tiveram sorte novamente quando pegaram alguns pacotes de arroz e carne durante uma dessas operações.
As agências humanitárias ponderam, no entanto, que esta é uma forma ineficiente e cara de levar alimentos para o território.
Aseel, que também está no norte de Gaza, disse à BBC que a maior parte da ajuda caiu no mar e as pessoas tiveram que lutar para chegar até os pacotes.
O irmão dela chegou a um local de entrega às 6 horas da manhã, mas voltou com apenas uma lata de sardinha. No dia seguinte, ele só conseguiu duas garrafas pequenas de água.
Parte da ajuda também foi lançada em áreas próximas à fronteira israelense, onde as FDI alertaram os residentes para que não se aproximassem.
“Todos correm seguindo a direção do paraquedas, até que no final desistimos e voltamos sem nada”, diz Aseel.
Três pessoas que vivem em Gaza disseram à BBC que a ajuda humanitária beneficiou apenas algumas dezenas dos milhares que tentavam acesso aos alimentos. A maioria das pessoas voltou exausta e de mãos vazias.
A ONU afirma que pelo menos 576 mil palestinos em Gaza — ou um quarto da população total — estão a um passo da fome.
A agência alerta que o tempo está quase se esgotando para as pessoas do norte, que têm pouca comida ou água potável.
Para que uma situação de fome seja declarada, segundo os critérios internacionais, 20% da população deve sofrer uma escassez extrema de alimentos, com 30% das crianças gravemente subnutridas e pelo menos duas mortes diárias por fome, subnutrição ou doenças relacionadas, a cada 10 mil pessoas.
Essa declaração é realizada pelo Quadro Integrado de Classificação da Segurança Alimentar (IPC), um grupo composto por mais de uma dúzia de organismos e grupos de ajuda da ONU.
Segundo um relatório divulgado pelo IPC na segunda-feira (18/3), uma situação de fome é esperada em Gaza entre o as últimas semanas de março e o mês de maio.
De acordo com o texto, o número de pessoas que enfrentam uma “fome catastrófica” aumentou para 1,1 milhão, o que representa cerca de metade da população de Gaza.
Em dezembro, a ONU começou a alertar sobre a fome. Desde então, a quantidade de ajuda que chega a Gaza não melhorou.
Em janeiro, uma média de 150 comboios de ajuda entraram em Gaza todos os dias — uma fração das 500 missões humanitárias que cruzavam a fronteira antes da guerra.
Em fevereiro, a situação foi ainda pior, com 97 comboios por dia, em média.
Mesmo na região sul de Gaza, que tem acesso a mais ajuda humanitária, a maioria das famílias vive com apenas uma refeição por dia. Frutas frescas, vegetais, ovos e carne são difíceis de encontrar e custam até 10 vezes o preço cobrado antes da guerra.
“Preciso de um empréstimo internacional para alimentar a minha família”, diz Muhammad al-Najjar, que foi deslocado de Jabalia para Rafah, ao sul, com 11 membros da sua família.
Quatro latas de feijão, três latas de grão de bico e 11 caixas de biscoitos costumam durar uma semana. Eles sempre complementam o estoque quando podem, apesar do grande custo envolvido.
Nagham Mazid trabalha como médico voluntário no Hospital dos Mártires de Al-Aqsa, no centro de Gaza. Ela tem atendido um número crescente de pacientes que sofrem de desidratação grave e doenças gastrointestinais devido ao consumo excessivo de alimentos enlatados. O especialista também precisou lidar com casos de intoxicação relacionados a alimentos contaminados.
O hospital também registra um aumento acentuado nos casos de hepatite e anemia. A OMS afirma que os casos de diarreia e infecções respiratórias agudas dispararam em Gaza, especialmente entre crianças.
A família que precisou lidar com a perda do bebê Jamal não tem comida neste momento. Os oito primos e os pais da criança estão morrendo de fome.
Eles só esperam ter a sorte de conseguir que parte da ajuda chegue através de lançamentos aéreos, por mar ou por terra.
Fonte: BBC
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