- Author, Andy Verity
- Role, Correspondente de economia da BBC
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Um ex-trader do banco britânico Barclays preso por conexão com um escândalo de manipulação de taxas de juros de US$ 9 bilhões afirma que contar o que havia acontecido ao pai foi “o dia mais difícil” da vida dele.
“Comecei a chorar. Senti que tinha decepcionado ele”, diz Peter Johnson à BBC, enquanto tenta se recompor.
Em uma entrevista emocionada, Johnson revelou a devastação que isso gerou não apenas em sua vida, mas também na de sua família.
Um caso que agora é visto por alguns parlamentares como um acobertamento a nível estatal, seguido por uma série de erros judiciais.
Condenado a quatro anos de prisão por “manipular” as taxas de juros, Johnson foi solto em 2018 após cumprir dois anos da pena.
Mais tarde, foi revelado que ele foi uma das pessoas que denunciaram inicialmente o escândalo.
Ao falar pela primeira vez desde sua libertação, ele diz que quando foi afastado pelo Barclays em 2011, entrou em depressão e evitou ser visto nas ruas perto de casa ou contar à família sobre sua situação.
Em 2012, Johnson foi demitido pelo banco após mais de 30 anos de serviço e enfrentou o risco de ser processado pelo Departamento de Justiça americano, o que poderia levar a uma pena de até 30 anos de prisão nos EUA.
“[Quando eu acordava] havia cerca de cinco segundos em que eu pensava que estava tudo bem com o mundo. E então eu percebia que não estava. E eu andava o dia todo com uma espécie de peso apertando meu peito. Esperava dar 18h para começar a me automedicar com álcool. Eu tinha ataques de pânico”, diz ele.
“Passei anos tentando reprimir minhas emoções porque não queria ficar chateado, amargo, desagradável e tudo mais.”
“[Mas] isso é importante demais para esquecer — para varrer para debaixo do tapete. As pessoas precisam saber e, uma vez que estejam a par de todos os fatos, podem julgar se o que as pessoas fizeram foi certo ou errado.”
A pressão psicológica sobre ele era tanta que, quando foi acusado de um crime no Reino Unido, e não nos Estados Unidos, se sentiu aliviado.
“Foi ridículo. Lá estava eu me sentindo aliviado por ser acusado de um crime. E foi bom! Quero dizer, é simplesmente estúpido. Isso só mostra como as coisas estavam insanas para mim na época.”
O advogado de Johnson, Tony Woodcock, agora aposentado, mas na época sócio do renomado escritório de advocacia Stephenson Harwood, especializado em crimes de colarinho branco, vê o processo contra seu ex-cliente como um ultraje.
Parlamentares, incluindo o ex-secretário britânico encarregado do Brexit, David Davis, e o ex-chanceler-sombra (da oposição) John McDonnell, passaram a compartilhar essa visão depois de ler um livro que escrevi revelando o escândalo.
“Em mais de 30 anos de experiência, nunca tive um caso em que me sentisse tão impotente e intimidado e em que o cheiro da política fosse tão rançoso. Espero que todo o mal à espreita na lama seja descoberto”, diz Woodcock.
Uma das razões pelas quais ele acredita nisso fortemente é que Johnson, que trabalhou como trader para o Barclays de 1981 a 2011, foi o denunciante original do escândalo de manipulação de taxas de juros.
Os bancos pagaram quase US$ 9 bilhões em multas, e 37 traders e corretores foram processados por “manipular” as taxas Libor e Euribor, duas referências para empréstimos bancários.
De 2007 a 2009, Johnson alertou repetidamente o Banco Central dos EUA e o Bank of England, o banco central britânico, sobre outros bancos estarem publicando estimativas falsas e baixas das taxas de juros que teriam de pagar para pegar emprestado centenas de milhões de dólares de uma vez — o que é conhecido como “lowballing“.
Ele tentou publicar estimativas mais altas e mais honestas, mas continuou recebendo instruções vindas de cima para não ser mais honesto do que qualquer outro banco.
Gravações de áudio vazadas indicam que a pressão sobre Johnson para mentir veio primeiro do conselho do Barclays, depois do Bank of England e, na sequência, do governo do Reino Unido.
As evidências reveladas no livro indicam que o chefe de política do então primeiro-ministro Gordon Brown, o falecido Jeremy Heywood, era uma figura de destaque no governo que queria que o Barclays reduzisse suas estimativas da taxa Libor para o empréstimo de dólares.
“Achava que eles estavam errados”, diz Johnson. “Mas senti que não tinha escolha a não ser concordar com eles. O governo do Reino Unido e a instituição financeira suprema do país estão pedindo a você para fazer algo. É muito, muito difícil dizer: ‘Não!'”
No entanto, quatro anos depois, em 27 de junho de 2012, a raiva reprimida contra os bancos pela falta de responsabilização pela crise bancária de 2008 explodiu na mídia. O Barclays foi multado em £ 290 milhões (cerca de R$ 1,7 bilhão) pelos órgãos reguladores dos EUA e do Reino Unido por manipular as taxas de juros.
Tanto os parlamentares trabalhistas quanto os conservadores condenaram veementemente 14 traders não identificados — entre eles, Johnson.
“Quando algo assim acontece com uma grande corporação, geralmente tem um bode expiatório. E eu meio que senti que talvez pudesse ser eu.”
“Com razão, o público ficou indignado com o que considerava excessos no setor bancário. E eles queriam cabeças em uma bandeja. Me tornei uma das cabeças”, diz ele.
“Acho que eles poderiam ter escolhido outras melhores.”
Autoridades criminais de ambos os lados do Atlântico, em cooperação com advogados que trabalham para o Barclays, fizeram com que ele fosse processado.
Ele não foi processado por lowballing, mas por manipular taxas em uma escala muito menor, aceitando pedidos de traders entre 2005 e 2007.
Em 2014, Johnson se tornou o primeiro bancário a se declarar culpado de manipular taxas de juros. Mas só porque sentiu que estava em uma posição desfavorável e não tinha escolha. O Barclays havia cortado qualquer apoio financeiro em relação aos honorários advocatícios.
Devido ao custo muito alto para se defender, ele temia perder sua casa, suas economias e, assim, sua capacidade de sustentar os filhos e netos, mesmo que fosse declarado inocente.
“Não sentia que tivesse feito nada de errado. Mas eu podia ver como a coisa toda estava caminhando e não parecia bom para o meu lado.”
Johnson, de 68 anos, foi condenado em 2016 a quatro anos de prisão — e foi preso junto a outros três traders do Barclays.
A primeira prisão para onde foi levado foi a HMP Wandsworth, que ele descreve como “bastante básica, bastante horrível”.
“Havia falta de guardas… e houve momentos em que não nos deixaram sair de nossas celas, exceto por 10 minutos para pegar nossas refeições, por 54 horas seguidas.”
Mais tarde, ele foi transferido para a prisão aberta de Ford, onde decidiu melhorar sua forma física caminhando ao redor do perímetro da prisão, percorrendo 10.000 quilômetros e arrecadando £ 3 mil (aproximadamente R$ 19 mil) para caridade.
Nos EUA, todas as 19 condenações por manipulação de taxas de juros estão sendo anuladas a pedido do Departamento de Justiça — o mesmo órgão que originalmente declarou condutas como a de Johnson como ilegais —, após uma decisão do tribunal de apelação dos EUA de que o processo foi mal concebido.
As solicitações de trader pelas quais Johnson foi preso não eram ilegais — e nem violavam nenhuma regra. Muitas dessas condenações surgiram de confissões de culpa, feitas sob a ameaça de processo nos EUA, que o Departamento de Justiça já não considera válidas.
O Reino Unido é agora o único país em que fazer ou aceitar as solicitações é visto como algo criminoso. David Davis, John McDonnell e outros parlamentares, colegas e advogados escreveram ao Times dizendo que os casos devem ser devolvidos aos tribunais.
“Na minha visão mais otimista, eu gostaria que minha confissão de culpa fosse revogada. Gostaria basicamente de ter minha reputação restaurada. E gostaria que os altos funcionários fossem responsabilizados”, diz Johnson.
Questionado sobre quem são, sua resposta é simples: “O conselho do Barclays Bank, o Bank of England e o governo do Reino Unido”.
O Barclays se recusou a comentar este artigo.
Um porta-voz do Serious Fraud Office, organismo de combate a fraudes no Reino Unido, que processou Johnson, disse que seus casos foram baseados em evidências. Ele disse que nove traders bancários manipularam conscientemente as taxas para seu próprio benefício. “Júris distintos e o Tribunal de Apelação concordaram que eles cometeram um crime.”
Um porta-voz do Bank of England afirmou: “O Banco cooperou totalmente com a investigação do Serious Fraud Office sobre a manipulação da Libor, respondendo a todos os pedidos de informações e documentos.”
O Tesouro disse em um comunicado: “O governo não procurou influenciar as propostas individuais da (taxa) Libor dos bancos”.
Fonte: BBC
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