- Author, Justin St. P. Walsh e Alice Gorman
- Role, The Conversation*
Novos resultados do primeiro trabalho de campo arqueológico realizado no espaço mostram que a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) é uma paisagem cultural rica, onde a tripulação cria sua própria “gravidade” para substituir a da Terra e adapta os espaços dos módulos para atender às suas necessidades.
Em geral, a arqueologia é vista como o estudo do passado distante, mas é ideal para revelar como as pessoas se adaptam aos voos espaciais de longa duração.
No experimento SQuARE, descrito em nosso novo artigo na PLOS ONE, reinventamos um método arqueológico padrão para uso no espaço e conseguimos que os astronautas o realizassem para nós.
Arqueologia… no… espaço!
A Estação Espacial Internacional é o primeiro assentamento humano permanente no espaço. Cerca de 280 pessoas já a visitaram nos últimos 23 anos.
Nossa equipe estudou exibições de fotos, ícones religiosos e obras de arte feitas por membros da tripulação de diferentes países, observou a carga que é devolvida à Terra e usou o arquivo histórico de fotos da Nasa para examinar as relações entre os membros da tripulação que servem juntos lá.
Também estudamos as tecnologias simples, como velcro e sacos plásticos que podem ser fechados novamente, que os astronautas usam para recriar o efeito terrestre da gravidade no ambiente de microgravidade – como para manter as coisas onde você as deixou, e não saiam flutuando.
Mais recentemente, coletamos dados sobre como a tripulação usava os objetos dentro da ISS adaptando uma das técnicas arqueológicas mais tradicionais, o “poço de teste com pá” (“shovel test pit”, no original em inglês).
Na Terra, depois que um sítio arqueológico é identificado, uma grade de quadrados de um metro é disposta, e alguns deles são escavados como “poços de teste”. Essas amostras dão uma ideia do local como um todo.
Em janeiro de 2022, pedimos à tripulação da ISS que estabelecessem cinco áreas de amostra mais ou menos quadradas. Escolhemos os locais para abranger zonas de trabalho, ciência, exercício e lazer. A tripulação também selecionou uma sexta área com base em sua própria ideia do que poderia ser interessante observar. Nosso estudo foi patrocinado pelo Laboratório Nacional da Estação Espacial Internacional (International Space Station National Laboratory).
Depois, durante 60 dias, a equipe fotografou cada quadrado todos os dias para documentar os objetos dentro de seus limites. Tudo na cultura espacial tem um acrônimo, então chamamos essa atividade de Sampling Quadrangle Assemblages Research Experiment, ou SQuARE.
As fotos resultantes mostram a riqueza da paisagem cultural da Estação Espacial e, ao mesmo tempo, revelam como a vida no espaço está longe das imagens da ficção científica.
A ISS é desordenada e caótica, apertada e suja. Não há limites entre o local onde a tripulação trabalha e onde descansa. Há pouca ou nenhuma privacidade. Não há nem mesmo um chuveiro.
O que vimos nos quadrados
Agora podemos apresentar os resultados da análise dos dois primeiros quadrados. Um deles estava localizado no módulo US Node 2, onde há quatro áreas de trabalho para a tripulação e conexões com os laboratórios europeu e japonês. As naves espaciais visitantes costumam atracar aqui. Nosso alvo era uma parede onde está localizada a Área de Trabalho de Manutenção, ou MWA. Há um painel de metal azul com 40 quadrados de velcro e uma mesa abaixo para consertar equipamentos ou fazer experimentos.
A Nasa pretendia que a área fosse usada para manutenção. No entanto, não vimos quase nenhuma evidência de manutenção ali, e apenas algumas atividades científicas. De fato, em 50 dos 60 dias cobertos por nossa pesquisa, a área foi usada apenas para armazenar itens, que talvez nem tenham sido usados ali.
A quantidade de velcro aqui tornou o local perfeito para armazenamento ad hoc. Quase metade de todos os itens registrados (44%) estava relacionada a segurar outros itens no lugar.
O outro quadrado que concluímos foi no módulo US Node 3, onde há aparelhos de ginástica e o banheiro. É também uma passagem para a parte favorita da tripulação na Estação Espacial, a janela da cúpula, com seus sete lados, e para os módulos de armazenamento.
Essa parede não tinha uma função designada, por isso foi usada para fins ecléticos, como armazenar um laptop, um experimento antibacteriano e sacolas que podem ser fechadas novamente. E por 52 dias durante o SQuARE, também foi o local onde um membro da tripulação guardou seu kit de higiene pessoal.
Faz sentido colocar os produtos de higiene pessoal perto do banheiro e das máquinas de exercício que cada astronauta usa por horas todos os dias. Mas esse é um espaço altamente público, onde outras pessoas estão constantemente passando. A colocação do kit de higiene pessoal mostra como as instalações são inadequadas em termos de higiene e privacidade.
O que isso significa?
Nossa análise dos quadrados 03 e 05 nos ajudou a entender como materiais de contenção, como o velcro, criam um tipo de gravidade transitória.
As contenções usadas para segurar um objeto formam uma área de gravidade ativa, enquanto as que não estão sendo usadas representam a gravidade potencial. A análise do artefato nos mostra quanta gravidade potencial está disponível em cada local.
O foco principal da Estação Espacial é o trabalho científico. Para que isso aconteça, os astronautas precisam usar um grande número de objetos. O Quadrado 03 mostra como eles transformaram uma superfície destinada à manutenção em uma casa de passagem para vários itens em suas perambulações pela estação.
Nossos dados sugerem que os projetistas de futuras estações espaciais, como as comerciais atualmente planejadas para a órbita baixa da Terra, ou a estação Gateway que está sendo construída para a órbita lunar, talvez precisem fazer do armazenamento uma prioridade maior.
O quadrado 05 mostra como um espaço público na parede foi reivindicado para armazenamento pessoal por um membro desconhecido da tripulação. Já sabemos que não há uma provisão ideal para privacidade, mas a persistência da bolsa de higiene pessoal nesse local mostra como a tripulação adapta os espaços para compensar isso.
O que torna nossas conclusões significativas é que elas são baseadas em evidências. A análise dos dois primeiros quadrados sugere que os dados de todos os seis oferecerão mais informações sobre o habitat espacial mais duradouro da Humanidade.
Os autores agradecem o trabalho de nossos colaboradores Shawn Graham, Chantal Brousseau e Salma Abdullah.
* Justin St. P. Walsh é professor de história da arte, arqueologia e estudos espaciais na Universidade Chapman, nos EUA.
Alice Gorman é professora associado de arqueologia e estudos espaciais na Universidade Flinders, na Austrália.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).
Fonte: BBC
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