- Kamala Thiagarajan
- BBC Future
Purna Parmar estava ansiosa para amamentar seu filho Janav quando ele nasceu, em 2011. Mas, sempre que ele agarrava o seu peito, ela sentia uma dor abrasadora. E, em pouco tempo, seus mamilos estavam vermelhos, feridos e sangrando.
“Eu sentia uma dor torturante”, relembra Parmar, que é executiva de atendimento aos clientes em Mumbai, na Índia. “E, mesmo assim, eu ficava atormentada pela culpa por não poder nem mesmo oferecer esse cuidado básico para o meu filho.”
Todos à sua volta desdenhavam do problema, sugerindo que era natural que as mães de recém-nascidos enfrentassem problemas com a amamentação. O seu pediatra indicou que ela passasse a usar mamadeira, mas ela suportou as dores e manteve a rotina de alimentação da melhor forma possível.
Com o passar do tempo, Parmar percebeu que havia algo de errado.
Nas festas, seu filho nunca conseguia brincar com as outras crianças porque era sempre o último a terminar de comer. E, em casa, a hora da refeição era sempre desgastante. Janav demorava com a comida, levando até duas horas para terminar.
“Primeiro pensei que ele tivesse preguiça de comer”, relembra Parmar. “Até para andar, ele era lento e desequilibrado. E ele simplesmente não conseguia andar de bicicleta.”
Apressá-lo só criava mais tensão. Até que ela começou a liquidificar suas refeições, já que ele não conseguia mastigar e engolir a maior parte dos alimentos. Janav estava sempre cansado.
Somente em 2019, quando Janav tinha oito anos de idade, o mistério foi finalmente resolvido. Ele foi diagnosticado com um caso grave de anquiloglossia, ou língua presa, uma condição genética que agora vem recebendo mais atenção de especialistas médicos e famílias em todo o mundo.
Nos bebês que nascem com língua presa, a fina faixa de tecido que conecta o lado inferior da língua à boca é mais curta que o normal. Com isso, a língua, que normalmente repousa abaixo do céu da boca, fica presa ao assoalho da cavidade bucal, o que pode impedir os bebês de se alimentar corretamente.
Acredita-se que essa condição seja genética. Ela é conhecida há milênios, mas seu diagnóstico pode ser difícil. Nos Estados Unidos, cerca de 8% das crianças com menos de um ano de idade sofrem de língua presa, segundo uma pesquisa publicada em 2020.
Especialistas afirmam que a consciência sobre essa condição vem aumentando em todo o mundo nos últimos anos. Alguns países chegaram a ter um aumento de mais de 10 vezes dos casos diagnosticados — e, nos Estados Unidos, o número de diagnósticos e cirurgias de língua presa disparou. Mas ainda existem famílias como a de Parmar, que sofreu anos de dor e tensão causados pela falta de diagnóstico da língua presa.
Nos países em desenvolvimento, como a Índia, os serviços de saúde podem concentrar-se no combate às ameaças mais imediatas à saúde dos bebês, como infecções. Por isso, a língua presa passa despercebida e não tratada por anos. E, mesmo em países onde a condição é diagnosticada com mais frequência, ela pode ser negligenciada.
Alguns anos atrás, Kate Canavan, mãe de dois filhos residente em Raleigh, na Carolina do Norte (Estados Unidos), observou que a fala da sua filha mais jovem, Anna, não era muito clara. Anna tinha apenas dois anos na época, Canavan não havia enfrentado problemas com a amamentação e seu pediatra disse a ela que não se preocupasse com isso.
Somente quando Anna atingiu os quatro anos de idade, outro pediatra disse que algo poderia estar errado e as encaminhou a um fonoaudiólogo.
“O fonoaudiólogo nos disse que ela tinha lábio e língua presa e, se não fosse tratada, a terapia fonoaudiológica não seria muito eficaz, porque a anatomia da boca estava limitando sua articulação”, segundo Canavan. Isso significa que sua filha não conseguia mover os lábios e a língua com liberdade suficiente para falar com clareza.
Problemas dentro e fora da boca
Os primeiros sinais de língua presa podem ser problemas e dores durante a amamentação, como ocorreu com Parmar e seu bebê.
“As crianças com língua presa não conseguem estender a língua para além da ponta dos seus lábios. Isso resulta em ineficiência para agarrar o peito, sugar e engolir — e todas essas ações são essenciais para a amamentação”, segundo Ju-Lee Oei, neonatologista sênior do Hospital Real para Mulheres de Randwick, na Austrália.
À medida que o bebê tenta mover a língua presa e agarra o peito para tentar mamar, o resultado pode ser extremamente doloroso para a mãe. Em outros casos, como o da filha de Canavan, os problemas surgem mais tarde.
“Muitas crianças com língua presa não terão sintomas”, afirma Amulya K. Saxena, consultor em cirurgia pediátrica do Hospital Infantil de Chelsea, no Reino Unido, da Fundação do Hospital de Chelsea e Westminster e presidente da Associação Europeia de Cirurgiões Pediátricos, em entrevista por e-mail.
A própria fixação da língua pode ser difícil de identificar. O frênulo lingual é uma faixa de tecido que se estende da parte de trás da boca até o sulco mediano da língua. Se esse tecido for curto, a ponta da língua não consegue estender-se para além dos lábios e a língua presa pode ficar bem evidente.
Mas existe um tipo mais oculto de língua presa, na parte mais profunda da boca, que exige um profissional de saúde para detecção e diagnóstico, segundo Saxena.
Crianças que vivem com língua presa podem achar difícil usar sua língua livremente, seja para tocar um instrumento de sopro, lamber os lábios ou um sorvete, ou para ajudar a limpar os dentes ao longo do dia. “Em algumas crianças, podem ocorrer cortes embaixo da língua se o frênulo lingual ficar preso entre os dentes incisivos inferiores”, afirma Saxena.
A posição incômoda da língua e o músculo lingual mais fraco devido à falta de movimento podem causar problemas também fora da boca. “Um dos maiores problemas da língua presa é que ela afeta o equilíbrio da pressão do ar na boca, o que pode causar um distúrbio na respiração que prejudica o sono”, segundo Ankita Shah, dentista pediátrica e diretora do Instituto do Sono e da Língua Presa de Mumbai, na Índia, que diagnosticou o caso do filho de Parmar.
As crianças com língua presa frequentemente respiram com a boca aberta e roncam, segundo ela, o que prejudica a qualidade do sono. Elas acordam frequentemente com nariz congestionado e tendem a apertar ou ranger os dentes durante o sono, gerando rigidez do pescoço e dos ombros, além de dores de cabeça. O desconforto constante, ainda que seja sutil, pode afetar sua postura e bem-estar em geral.
“Nós não percebemos o quanto o alinhamento dos dentes, da língua e da mandíbula pode influenciar toda uma série de funções do corpo”, afirma Shah.
Solução rápida?
Nos casos mais leves, o problema pode resolver-se sozinho, segundo Amulya Saxena. A faixa de conexão é esticada quando o bebê se alimenta e movimenta a língua. Ao longo do tempo, a língua sofre menos restrições.
Para ele, conselhos sobre os métodos corretos de amamentação, massagens do frênulo e exercícios da língua podem ajudar a resolver esses casos leves. Mas, se isso não funcionar ou se a língua presa tornar a amamentação muito difícil, o cirurgião recomenda o procedimento de liberação, que envolve um pequeno corte do frênulo para ajudar a liberar a língua.
Mas todos esses problemas – dificuldades para mamar, comer, respirar, dormir e falar – podem ter outras causas. E, ao mesmo tempo em que pode haver subdiagnóstico em países como a Índia, existem médicos em outros países que consideram o risco do excesso de diagnósticos de língua presa.
“Em 2017, tivemos um enorme aumento dos casos e decidimos investigar”, relata Ju-Lee Oei. O Hospital Real para Mulheres de Randwick, na Austrália, onde ela trabalha, registra em média 4.500 partos por ano. Até aquele ano, havia normalmente apenas 10 pedidos de cirurgia de língua presa por mês. “Fomos de 10 casos por mês para 10 casos por semana”, segundo ela.
O número de casos em outros hospitais da região também havia aumentado e alguns médicos estavam cobrando altos honorários pelo procedimento. “Percebemos que a cirurgia estava em alta demanda porque era considerada uma forma rápida de correção de problemas de amamentação. Mas cortar o frênulo para liberar a língua não resolve todos os problemas em um passe de mágica”, explica Oei.
Os resultados do seu estudo global, publicado em 2018, indicaram que o diagnóstico de língua presa havia aumentado em mais de 10 vezes em alguns países, apresentava variações consideráveis ao redor do mundo e que eram necessários maiores esforços para padronizar o tratamento.
Desde então, as orientações do hospital foram alteradas, segundo Oei. Todas as crianças com dificuldades de amamentação e suspeita de língua presa agora precisam ser avaliadas por um especialista em amamentação. A cirurgia somente é recomendada depois de tentar solucionar os problemas por duas a quatro semanas, com o apoio do especialista.
Como observa o estudo de Oei e seus colegas, mesmo a cirurgia relativamente simples empregada para língua presa não deverá ser realizada livremente, pois “submeter os bebês a um procedimento cirúrgico, mesmo que pequeno, causa dor, tensão e possíveis danos neurológicos de longo prazo”.
Cirurgia e ‘ioga da língua’
Saxena, o cirurgião pediátrico de Londres, observou que as famílias estão tendo maior conhecimento sobre a língua presa. Segundo ele, “grupos de apoio a pacientes e organizações profissionais agora oferecem informações nas redes sociais”.
Na Índia, Ankita Shah também observou aumento da quantidade de famílias em busca de auxílio, mesmo com crianças maiores. Mas ela também aconselha não recorrer à cirurgia com muita rapidez.
De todos os pacientes recebidos na sua clínica, apenas cerca da metade precisa de cirurgia, segundo Shah. Isso depende da gravidade da língua presa e do seu impacto sobre o corpo, incluindo as vias respiratórias.
“Nós avaliamos os diversos sintomas apresentados pelos pacientes com essa condição e nos perguntamos se o problema se deve apenas à língua presa. E tentamos primeiro corrigir outros problemas associados, antes de optar pela cirurgia”, relata ela.
As crianças mais velhas podem precisar de anestesia geral, mas crianças mais jovens normalmente são tratadas com anestesia local, segundo Shah. No caso de recém-nascidos, não se usa anestesia, pois os riscos superariam os benefícios.
Mas a cirurgia não é o final do tratamento, segundo Carmelle Gentle, parteira independente e consultora em amamentação. Gentle fundou um centro de tratamento de língua presa mantido por doações no sul de Londres e recomenda que os pais ajudem o bebê a usar e fortalecer sua língua depois do corte, por meio de diversos exercícios.
“Nós ajudamos os bebês a usar a língua de uma nova forma”, afirma ela. “É parecido com ioga. Você pode não conseguir tocar os dedos dos pés na primeira sessão, mas a prática suave e regular ajuda você a chegar lá.”
Para algumas pessoas, o aumento do conhecimento e o diagnóstico correto podem representar uma mudança de vida.
Anna, a filha de Kate Canavan, foi auxiliada pela cirurgia. “Como o frênulo dela era muito espesso e muscular e ela era muito jovem, o fonoaudiólogo e um [otorrinolaringologista] recomendaram que o procedimento fosse realizado com uma tesoura cirúrgica e anestesia geral. Assim, eles tomariam os cuidados para não danificar o tecido vizinho durante a liberação da língua”, relatou Canavan por e-mail.
Depois do procedimento de 15 minutos, Anna não precisou de analgésicos e conseguiu comer e beber sem problemas. Ela chegou até a ir à escola no dia seguinte. Um mês após a cirurgia, sua fala já havia melhorado sensivelmente.
Purna Parmar, em Mumbai, cujo filho sofreu de língua presa por tantos anos, desabou em lágrimas quando seu médico contou a ela sobre a condição da criança. “Fiquei muito aliviada porque havia um nome para o que estávamos sofrendo.”
Ela então levou dois anos para convencer sua família de que a operação era necessária, mas conta que valeu a pena. Ele fez a cirurgia e o procedimento ajudou. Hoje, Janav gosta de experimentar comidas diferentes, consegue terminar sua refeição em 20 minutos – e fica logo liberado para andar de bicicleta.
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