- Isabelle Gerretsen
- BBC Future
Quando eu tinha 4 anos de idade, tomei meu primeiro copo de leite no hospital com o gotejador intravenoso nas mãos para administrar medicação de emergência caso ocorresse uma reação alérgica forte.
Os médicos estavam realizando um teste alimentar para ver se eu seria intolerante a leite de vaca.
Desde pequena, fui alérgica a leite. Primeiro, recebi uma gota de leite na língua, seguida por alguns goles e, por fim, um copo cheio.
Esses testes aconteciam regularmente e, muitas vezes, resultavam em irritação e vômitos. Mas, felizmente, nada de mais sério.
Cresci e deixei de ser alérgica a laticínios aos 7 anos. Mas, até hoje, não consigo tomar um copo de leite de vaca sem sentir náuseas, talvez porque a minha mente ainda associe o sabor a essa sensação.
Fui uma criança com diversas alergias, a ovos, nozes e laticínios. Olhando para trás, todos os sinais de advertência de que desenvolveria alergias alimentares estavam presentes.
Tinha não só um histórico de alergias na família, mas também sofri fortes eczemas quando bebê, que os médicos hoje em dia dizem ser um sinal de alerta.
Mas tive sorte e nunca sofri anafilaxia, que ocorre quando os alérgenos fazem com que o sistema imunológico entre em estado de choque, causando sintomas severos e potencialmente mortais, que podem incluir problemas respiratórios, vômitos e pulso arterial fraco.
Sofria com erupções na pele, cólicas estomacais e irritação na garganta se comesse ovos ou laticínios. Apenas uma vez, eu comi por acidente uma pequena quantidade de amendoim, que causou cólicas estomacais e vômitos fortes – mas não precisei ser hospitalizada.
Minhas alergias restringiram muito minha alimentação na infância. Não havia muitas alternativas não lácteas nos anos 1990. Por isso, passei meus oito primeiros anos de vida sem bolo, chocolate e queijo.
Pode parecer um sacrifício pequeno – afinal, muitas pessoas abdicam voluntariamente desses prazeres, seja para reduzir a ingestão de açúcar ou para evitar produtos animais.
Mas as alergias alimentares são diferentes. Elas exigem que fiquemos em alerta constante para possíveis ameaças em cada refeição.
As pessoas que vivem com alergias alimentares provavelmente sabem que elas prejudicam a qualidade de vida e a saúde mental de crianças e adolescentes, além de suas famílias. E, embora as mortes causadas por reações alérgicas a alimentos tenham caído no Reino Unido nos últimos 20 anos, ainda existem casos fatais de anafilaxia.
Tive sorte, e duas das minhas três alergias (ovos e laticínios) desapareceram. Hoje, elas não prejudicam mais minha vida diária. Mas as alergias estão se tornando uma preocupação para um número cada vez maior de pais e filhos, muitas vezes causando estresse e ansiedade.
As orientações médicas passaram por enormes mudanças desde que sofri com alergias alimentares quando criança. Em vez de respeitar sua rigorosa abstenção, médicos estão incentivando os pais de crianças com risco de alergias a introduzir amendoins, ovos, leite e outros possíveis alérgenos na alimentação assim que elas começam a ingerir alimentos sólidos.
Será que isso pode nos ajudar a evitar o risco das alergias alimentares para as gerações futuras – e talvez até reduzir a gravidade dos casos já existentes?
Onda de alergias
As alergias infantis estão crescendo em velocidade alarmante, particularmente nos países industrializados.
“Observamos que a incidência e a prevalência de alergias alimentares estão aumentando em todo o mundo”, diz Kari Nadeau, professora de Medicina Pediátrica e diretora do Centro Sean N. Parker de Pesquisa de Asma e Alergia da Universidade Stanford, nos Estados Unidos.
No seu livro, The End of Food Alergy (“O fim da alergia alimentar”, em tradução livre), ela classifica esse aumento como “epidêmico”.
A alergia é o distúrbio crônico mais comum em crianças no Reino Unido. Afeta 40% – uma das taxas mais altas do mundo. Mas os pesquisadores indicam que a falta de dados precisos sobre a prevalência das alergias e a ampliação do uso desse termo podem dificultar a comparação direta das taxas em diferentes países.
Nos Estados Unidos, estudos indicam que 3,9% a 8% das crianças e adolescentes são afetados por alergias alimentares.
Na Austrália, pesquisadores conduziram um estudo com 2.848 bebês de 1 ano de idade, com base nos resultados de testes alimentares – um método que fornece dados considerados particularmente precisos. Eles concluíram que mais de 10% tinham alergia alimentar comprovada a um dos alimentos alergênicos mais comuns, como ovos crus e amendoins.
A ideia de que as alergias estão aumentando é confirmada por muitas fontes diferentes, desde pesquisas até internações hospitalares.
Entre 1997 e 2011, a prevalência de alergias alimentares em crianças nos Estados Unidos aumentou em 50%. E, entre 2013 e 2019, a Inglaterra teve um aumento de 72% de internações hospitalares causadas por anafilaxia entre crianças.
“A outra grande mudança da epidemiologia é o fato de que cada vez mais pessoas têm diversas alergias alimentares”, afirma Nadeau. “Elas não são alérgicas apenas a leite, ovo ou amendoim. Agora, também têm alergia a trigo, gergelim ou nozes.”
Como as crianças ficam alérgicas?
“As crianças não nascem alérgicas”, afirma George Du Toit, professor de Alergia Pediátrica do King’s College de Londres. Mas a genética pode fazer com que um bebê seja mais propenso a desenvolver alergia em algum momento.
Se os dois pais forem alérgicos, seus filhos têm 60% a 80% de risco de também desenvolver alergias, em comparação com o risco de 5% a 15% entre as crianças sem pais alérgicos.
Embora alguns bebês possam apresentar risco mais alto de desenvolver alergias com mais idade, por causa da características herdadas dos pais, elas não se desenvolvem durante a gravidez.
“Não existe nada que tenhamos observado na gravidez que possa induzir a alergia alimentar”, segundo Nadeau.
Ela acredita que é importante que as mães compreendam essa questão. Muitas mães perguntam “o que eu fiz de errado?”, achando que pode haver relação com a sua alimentação durante a gravidez. Mas Nadeau explica que não existem evidências a este respeito.
É durante as primeiras semanas e meses de vida que os bebês são expostos a alérgenos no seu ambiente e começam a desenvolver anticorpos. Essa exposição acontece através da pele e não do intestino, segundo Nadeau.
“No momento em que um ‘objeto estranho’ atinge nossa pele, mesmo em nível microscópico, esses processos alérgicos começam a ser introduzidos no sistema e começamos a ativar linfócitos B e linfócitos T, que formam reações de memória para toda a vida”, explica ela.
Os linfócitos B e os linfócitos T são dois tipos de linfócitos que desempenham um papel muito importante na nossa reação imunológica. Eles nos permitem reagir à percepção de uma ameaça e recordar essa reação para que ela seja mais rápida e mais forte na próxima vez em que a mesma ameaça aparecer.
Isso significa que uma criança pode ser exposta a amendoins contidos na poeira ou resíduos nas mãos dos seus pais, que podem acionar uma reação imunológica muito antes que ela chegue a ingerir proteína de amendoim. E, quando comer o alimento pela primeira vez, ela pode já ser alérgica.
“Se o corpo for apresentado pela primeira vez e repetidamente a alimentos através da pele, não pela boca e pelo trato gastrointestinal, pode aumentar a probabilidade de formação de sensibilidade àquele alimento e possíveis alergias”, explica Jennifer Bufford, vice-presidente de operações clínicas da organização Food Allergy Research and Education (Pesquisa e Educação em Alergia Alimentar, ou FARE, na sigla em inglês), nos Estados Unidos.
Crianças com eczema, uma inflamação da pele que causa ressecamento, lesões e coceira, são particularmente vulneráveis ao desenvolvimento de alergias alimentares. Isso ocorre porque sua pele tem orifícios microscópicos, que permitem que as partículas entrem no corpo, segundo Nadeau.
“Eczemas fortes e precoces, particularmente se forem distribuídos em áreas expostas, como o rosto, o pescoço, os braços e as pernas, são um sinal vermelho e uma fonte real de exposição”, afirma Du Toit.
Começa na pele
Bebês com eczemas são 6 vezes mais propensos a ter alergia a ovos e 11 vezes mais propensos a ter alergia a amendoim até os 12 meses de vida que os bebês sem eczema, segundo um estudo populacional com crianças de 1 ano de idade realizado na Austrália.
No Reino Unido, uma em cada cinco crianças com até 2 anos de idade tem eczema. O número de crianças com eczema e rinite alérgica no Reino Unido atualmente é mais que o triplo que nos anos 1960.
A causa exata não é conhecida, mas Nadeau acredita que o aumento dos níveis de poluição e do uso de detergentes e sabões agressivos possam ser algumas das razões.
Os detergentes que contêm a enzima protease podem prejudicar a barreira da pele e aumentar a sensibilidade a alérgenos, segundo ela. “Os detergentes são muito concentrados e realmente limpam nossas roupas, mas, infelizmente, também prejudicam nossa pele.”
“Nosso ambiente moderno e industrializado provavelmente aumentou nossa susceptibilidade [a eczemas e alergias]”, afirma Bufford. Também se acredita que o fumo e a poluição do ar contribuam para o aumento das alergias.
E desastres ambientais, como incêndios florestais, podem piorar a situação. A exposição de curto prazo à fumaça de incêndios florestais foi relacionada ao aumento de eczemas e coceiras em geral, mesmo entre pessoas sem histórico de problemas da pele, segundo uma pesquisa da Universidade da Califórnia em São Francisco, nos Estados Unidos.
Um estudo realizado por Nadeau e seus colegas de Stanford concluiu que a exposição de crianças a esse tipo de fumaça está relacionado a concentrações significativamente mais baixas de linfócitos T auxiliares do tipo 1 (Th1) – que combatem infecções – e níveis mais altos de linfócitos T auxiliares do tipo 2 (Th2), que ativam os linfócitos envolvidos em inflamações alérgicas.
“O sistema imunológico fica em estado de fluxo constante, com diversos tipos de linfócitos aumentando ou diminuindo, dependendo das substâncias a que o corpo está sendo exposto”, afirmou Mary Prunicki, principal autora do estudo, na época de sua publicação, em 2019.
“Neste estudo, concluímos que havia mais linfócitos [Th2] em crianças que foram expostas à fumaça de incêndios florestais, que representou maior exposição à poluição, afinal.”
Nadeau explica que uma quantidade maior de linfócitos do tipo Th2 aumenta a indução de asma e alergias agudas e crônicas porque eles ativam linfócitos B específicos de alérgenos.
O estudo concluiu ainda que a exposição à poluição do ar produzida pelo trânsito no primeiro ano de vida aumenta o risco de alergias a alimentos, mofo, pragas e animais domésticos.
A proteína de amendoim, encontrada na poeira doméstica, também foi relacionada ao surgimento de alergias alimentares.
Um estudo dos pesquisadores do King’s College de Londres encontrou forte relação entre à exposição no início da vida e alergia a amendoim em crianças com a mutação FLG, associada a eczemas.
Uma exposição três vezes maior à poeira de amendoim durante a infância foi associada a um aumento de três vezes da alergia a amendoim na idade escolar.
“As crianças com essa mutação são muito mais propensas a ter pele seca, e concluímos que, se elas tivessem altos níveis de poeira de amendoim na cama ou na área onde elas brincam, haveria risco significativamente maior de desenvolver alergia em idade escolar”, diz Helen Brough, a principal autora do estudo e consultora em alergia pediátrica do Hospital Infantil Evelina, no Reino Unido.
“Minha principal orientação seria que todos os pais que aplicam cremes sobre a pele dos seus filhos lavem antes as mãos, pois elas podem ter não apenas bactérias, mas também amendoim, ovos ou gergelim”, afirma Brough.
“Quando comprarem esse tipo de pomada, os pais nunca devem colocar suas mãos dentro [do recipiente] para que elas não fiquem contaminadas com bactérias e alimentos”, afirma Brough. Eles devem usar uma espátula limpa para colocar o creme na pele do bebê antes de esfregá-lo com as mãos, segundo ela.
Como evitar alergias a amendoim
Um estudo histórico no Reino Unido causou uma mudança de paradigma sobre o tratamento das alergias alimentares em crianças. Ele demonstrou que as alergias a amendoim podem ser evitadas, se os pais intervierem cedo.
Em 2015, o estudo intitulado Aprender Cedo sobre a Alergia a Amendoim (LEAP, na sigla em inglês) revelou que o número de crianças que desenvolvem alergia a amendoim pode ser drasticamente reduzido se elas forem alimentadas com amendoim desde pequenas.
Vale salientar neste ponto que os pais interessados no uso deste método devem sempre discuti-lo primeiro com seus médicos e garantir que ele seja apropriado e seguro para o seu bebê. As conclusões relatadas nesta reportagem têm fins apenas informativos e não devem ser tomadas como aconselhamento médico.
O estudo incluiu 640 bebês com 4 a 11 meses de vida, considerados em alto risco de desenvolver alergia a amendoim porque tinham eczema grave, eram alérgicos a ovos ou sofriam das duas condições até os 5 meses.
As crianças foram divididas em dois grupos: os que recebiam regularmente alimentos com amendoim em pelo menos três refeições por semana e os bebês de famílias que evitavam completamente o consumo de amendoins.
O estudo LEAP concluiu que o consumo regular de amendoins reduziu a incidência de alergia a amendoim em 81% aos 5 anos. Nessa idade, apenas 3,2% do grupo de consumo desenvolveram alergia a amendoim, em comparação com 17,2% no grupo que evitou o alimento.
“A diferença entre os dois grupos foi enorme”, afirma Du Toit, que é um dos autores do estudo LEAP. Segundo ele, essa descoberta científica “revolucionou” o tratamento das alergias infantis.
“A orientação costumava ser ‘se você não chegar perto deste vilão alergênico, você não criará um problema”, explica Du Toit. “Mas tudo o que você faz é chutar a lata rua abaixo e prolongar a oportunidade que a criança tem de adquirir a alergia.”
Nadeau resumiu esse conhecimento científico em duas frases: “As alergias começam na pele; na alimentação, as alergias podem não se manifestar”.
Novas orientações
Depois da publicação do estudo LEAP, a Academia Norte-Americana de Pediatras aprovou a introdução precoce do amendoim na alimentação dos bebês com alto risco de alergia.
Em 2017, o Instituto Nacional da Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos publicou novas orientações para a introdução de alimentos com amendoim na alimentação dos bebês com 4 a 6 meses de vida que tenham eczemas graves ou alergia a ovos e a partir dos 6 meses para crianças com eczema suave a moderado.
Anteriormente, as orientações recomendavam que os pais atrasassem a introdução de certos alimentos de alto risco (como amendoim), o que “pode ter colaborado com o aumento atual de crianças com alergias alimentares”, afirma Bufford.
A Sociedade Britânica de Alergia e Imunologia Clínica também publicou novas orientações de tratamento de alergias a nozes em 2017, recomendando a introdução precoce de amendoins na alimentação de bebês desmamados com alto risco de alergias.
Muitos pais estão “muito nervosos” com a introdução de amendoins e outros alimentos que podem causar alergias na dieta dos seus bebês, principalmente se houver histórico familiar de alergias, segundo Maeve Kelleher, médica do Imperial College de Londres e consultora sobre Alergia Pediátrica do hospital Children’s Health, na Irlanda.
Se for este o caso, Kelleher afirma que pode valer a pena fazer primeiro um exame de pele ou introduzir o alimento em um ambiente hospitalar. Em bebês com menos de 1 ano, a ocorrência de anafilaxia é “muito improvável”, segundo ela, e os sintomas alérgicos mais comuns são erupções da pele e, às vezes, vômitos.
“Quando a criança é mais velha e seu sistema imunológico é mais sofisticado, a probabilidade de anafilaxia aumenta”, explica Brough.
Du Toit afirma que é importante que os pais saibam que existe uma “janela de oportunidade” para determinar a tolerância, que vai de 4 a 11 meses. Ele orienta começar o desmame dos seus filhos com o máximo possível de alimentos diferentes, especialmente se eles tiverem eczema.
“É raro ser alérgico a apenas um alimento, quando você encontra uma alergia alimentar, normalmente encontra outras”, diz Du Toit. “Quando você encontra uma, o relógio começa a andar, e a janela de oportunidade começa a se fechar.”
Quando o bebê completa 12 meses de vida, muitas vezes é tarde demais, porque as alergias já estão estabelecidas, segundo ele.
“Muitas alergias andam juntas porque elas compartilham proteínas comuns, especialmente moluscos”, afirma Nadeau. “Por isso, se você for alérgico a camarão, será mais propenso a ser alérgico a outros animais com exoesqueleto, como a lagosta.”
Por este motivo, é importante apresentar uma ampla variedade de alimentos aos bebês no primeiro ano de vida, segundo ela.
‘Limpo demais’ é realmente um problema?
Um dos temas mais discutidos quando o assunto é alergia é se a limpeza é culpada pelo aumento das alergias.
A hipótese da higiene, que foi postulada pelo epidemiologista David Strachan em 1989, propõe que a exposição a germes e infecções na primeira infância ajuda o sistema imunológico a desenvolver-se e protege contra alergias.
Strachan argumentou que o aumento da asma e das alergias no final do século 20 estava relacionado com a menor exposição das crianças a micróbios, devido à redução do tamanho das famílias, limitada interação com animais e padrões mais altos de limpeza.
Esta teoria é polêmica, e muitos cientistas discordam. Eles argumentam que a boa higiene é fundamental para proteger contra doenças e que não há boas evidências que demonstrem que a limpeza é responsável pelo desenvolvimento de alergias.
Uma interpretação amplamente sustentada dessa hipótese é que a susceptibilidade a alergias não precisa estar relacionada com o grau de limpeza da sua casa, mas sim se seu intestino foi exposto a diferentes tipos de micro-organismos.
Em um estudo de 2021, pesquisadores do University College e da Escola de Higiene e Medicina Tropical, em Londres, indicam que a exposição das crianças às vacinas, ao seu ambiente natural e à microbiota benéfica da mãe fornece todos os micróbios necessários para um sistema imunológico saudável.
O estudo demonstra que limpar a casa “não reduz necessariamente a exposição da criança à mãe ou à natureza, enquanto a microbiota não natural da casa moderna não é útil e pode ser tóxica”, segundo Graham Rook, professor emérito de Microbiologia Médica do UCL e principal autor do estudo.
Embora a limpeza no lar não seja mais considerada um fator de risco para alergias, fatores ambientais podem influenciar o desenvolvimento do seu sistema imunológico e condições alérgicas.
“Crianças que nascem em ambientes rurais são muito menos propensas a ter asma, eczema e alergias”, afirma Brough. “Acredita-se que seja devido, em parte, à sua alimentação e, em parte, à sua exposição às bactérias dos estábulos.”
Um estudo na África do Sul concluiu que a exposição a animais de criação protegeu crianças com 12 a 36 meses de vida contra condições alérgicas. E pesquisas em crianças amish criadas em fazendas no Estado de Indiana, nos Estados Unidos, fornecem um quadro ainda mais detalhado.
Os amish são uma comunidade rural de descendentes de suíços, que moram tipicamente em famílias grandes e seguem um estilo de vida tradicional – evitam o uso de eletricidade, por exemplo, e utilizam carroças puxadas por cavalos em vez de carros. Os pesquisadores compararam as crianças amish com crianças suíças criadas em fazendas e também com crianças suíças que não viviam em fazendas.
Todas essas crianças tinham antecedentes genéticos similares, mas suas taxas de incidência de asma e alergia eram muito diferentes. As crianças amish apresentaram as taxas mais baixas de asma e alergia, enquanto as crianças suíças não criadas em fazendas tinham as mais altas, comparáveis com a incidência geral nos Estados Unidos. Já as crianças suíças criadas em fazendas apresentaram incidência intermediária.
Esses resultados indicam que o estilo de vida, não a genética, tem papel decisivo no desenvolvimento de asma e alergia. E, especialmente, que o contato próximo com animais é benéfico.
A razão da diferença entre as crianças suíças e amish criadas em fazendas não ficou totalmente clara e pode ter relação com o tamanho das famílias, segundo o estudo.
“Nesse ambiente rural, a exposição aos animais da fazenda é o fator de proteção mais forte”, afirmam os pesquisadores. “Nas comunidades urbanas, onde o contato com animais é raro, os fatores de risco incluem o parto por cesariana e fatores protetores incluem o consumo de produtos de leite fermentado.”
O parto e a saúde intestinal
Pesquisas indicam que existe relação entre a forma em que o bebê nasce, suas bactérias intestinais e sua sensibilidade alimentar quando for mais velho.
Concluiu-se que bebês que nascem de parto normal e são expostos às bactérias vaginais e intestinais da mãe durante o processo têm contagens de bactérias intestinais mais altas que as que nascem de cesariana.
Um estudo realizado por pesquisadores canadenses determinou que existe relação entre as crianças que nasceram de cesariana e a sensibilidade a amendoim nos bebês. O estudo observou que essas crianças apresentaram níveis constantemente baixos de bacteroides – uma espécie de bactéria fundamental para o desenvolvimento do sistema imunológico – no primeiro ano de vida.
Os bebês com baixos níveis de bacteroides apresentaram três vezes mais risco de desenvolvimento de sensibilidade a amendoim com 3 anos de idade.
“Tudo se resume à flora intestinal”, afirma Helen Brough. “Sabemos que crianças com alergias alimentares possuem microbioma intestinal diferente das outras crianças.”
Muitas mães que deram à luz por cesariana recebem antibióticos após o parto, para evitar que o corte infeccione. Isso é importante para a saúde e a recuperação da mãe, mas Brough afirma que pode ter um efeito colateral negativo: “Sabemos que a exposição a antibióticos nas primeiras duas semanas de vida aumenta o risco de eczema [para o bebê]”.
Isso não significa que os bebês que nasceram de cesariana inevitavelmente desenvolverão alergias. Como demonstra o estudo LEAP, eles podem beneficiar-se de estratégias preventivas. Mas é uma indicação útil sobre as causas das alergias.
Felizmente, minhas alergias a leite e ovos desapareceram com o crescimento, mas ainda não consigo comer castanhas de nenhum tipo.
Isso parece ser comum. Cerca de 80% das crianças perdem suas alergias a leite e ovo com a idade, segundo Maeve Kelleher. “Mas, infelizmente, apenas cerca de 20% se recuperam de uma alergia a castanhas.”
“As alergias a ovos, leite, trigo e soja muitas vezes se resolvem na infância, mas as crianças parecem estar se livrando de algumas dessas alergias mais lentamente do que décadas atrás. Muitas crianças ainda têm alergia com mais de 5 anos de idade”, afirma Jennifer Bufford.
Ela diz que alergias a amendoim, nozes, peixes e moluscos geralmente duram a vida toda.
Mas, mesmo para essas alergias, estão surgindo opções de tratamento. E a imunoterapia, que elimina a sensibilidade do corpo a um alérgeno, é um tratamento particularmente promissor.
Foram descobertos remédios imunoterápicos que induzem a remissão da alergia a amendoim. Em um recente estudo clínico nos Estados Unidos, a imunoterapia oral para amendoins administrada a crianças fortemente alérgicas com 1 a 3 anos de idade – sob rigorosa supervisão médica – eliminou a sensibilidade a amendoim da maioria e induziu a remissão da alergia a amendoim de um quinto delas.
Este tipo de imunoterapia é diferente das etapas preventivas para bebês e é conduzido por especialistas em centros médicos especializados, não pelos próprios pais.
Embora as alergias alimentares estejam crescendo rapidamente em todo o mundo, finalmente estamos começando a compreender como tratá-las de forma eficiente e prevenir o seu aparecimento com intervenções precoces.
Sei exatamente como esses desenvolvimentos científicos podem mudar as vidas das pessoas. Eles significam que gerações futuras de crianças poderão divertir-se livremente quando saírem para brincar e em festas de aniversário, sem o risco de se sentirem incrivelmente mal. E seus pais não serão atormentados pelo receio constante de possíveis alérgenos ocultos.
Atenção: Todo o conteúdo desta reportagem é fornecido apenas como informação geral e não deverá substituir o conselho profissional do seu médico ou de outro profissional de assistência médica. A BBC não é responsável por nenhum diagnóstico, nem por ações tomadas pelos usuários com base no conteúdo deste site. A BBC não é responsável pelo conteúdo de nenhum site de internet externo mencionado, nem recomenda nenhum serviço ou produto comercial mencionado ou comercializado em nenhum desses sites. A BBC recomenda a qualquer pessoa interessada em realizar mudanças alimentares que consulte primeiramente o seu profissional de assistência médica. Consulte sempre o seu médico em caso de qualquer preocupação com a sua saúde ou com a saúde dos seus filhos.
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