- Mariana Alvim
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Organizações da sociedade civil têm manifestado preocupação acerca do possível comportamento de setores das forças de segurança nos dias de votação, já que agentes das polícias e das Forças Armadas estão escalados para garantir a ordem e a segurança das eleições a partir deste domingo (02/10), quando ocorre o primeiro turno.
São eles que deverão fazer, entre outras atividades, a guarda das urnas eletrônicas e agir em caso da recusa de eleitores a seguirem regras como não levar celulares até as cabines de votação.
Em uma reunião no fim de agosto, organizações brasileiras manifestaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) preocupação com a possibilidade de que as preferências políticas de agentes desviem sua conduta durante as eleições.
Embora seja difícil encontrar dados que quantifiquem essa associação, há uma percepção amplamente disseminada de que boa parte dos policiais e militares brasileiros apoiam o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição que em diversas ocasiões fez declarações violentas sobre opositores e atacou o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas.
“Não há garantias em relação ao comportamento das forças de segurança porque muitos de seus membros estão cooptados pelo bolsonarismo”, disse Claudia Maria Dadico, da Associação dos Juízes pela Democracia (AJD), em reunião com a presidente do CIDH, Julissa Mantilla.
Também participando da reunião, a constitucionalista Estefânia Barboza, do grupo Demos – Observatório para Monitoramento dos Riscos Eleitorais no Brasil, pediu proteção a mesários e a juízes eleitorais.
“Nós temos a preocupação de que mesários possam sofrer algum tipo de violência em zonas eleitorais, e nós não sabemos se as forças policiais e as Forças Armadas se colocarão ao lado da democracia ou ao lado do discurso de fraude, caso o presidente Bolsonaro perca a eleição”, afirmou Barboza.
Nesta quinta-feira (29/9), o Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro (RJ) conduziu uma reunião com representantes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar e Guarda Municipal pedindo que orientem seus agentes sobre o papel das polícias no processo eleitoral.
Um documento do MPF no Estado diz que a iniciativa pretende “prevenir condutas de agentes estatais, especialmente in sito, que por desconhecimento, deficiência instrutória específica, e mesmo negligência causem, ainda que involuntariamente, danos ou ameaças ao regime democrático por práticas ou omissões que atentem contra a ordem e a paz eleitoral”.
A defesa do regime democrático “não é uma opção para os agentes públicos encarregados da segurança pública e da persecução: é um dever e um compromisso de posse”, continua o documento.
O MPF no RJ anunciou ainda que, neste fim de semana de votação, seu Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial estará de prontidão para reagir a eventuais ocorrências envolvendo agentes de segurança. As medidas foram anunciadas depois que as organizações Pacto pela Democracia, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Human Rights Watch, Rede Liberdade e Transparência Internacional Brasil pediram à Procuradoria Regional Eleitoral medidas para garantir que as forças de seguranças vão prevenir e coibir eventuais abusos por parte dos agentes.
Em caso de condutas irregulares de agentes, os cidadãos podem procurar instituições que estarão de plantão no domingo, como os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) ou o próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — cujo aplicativo “Pardal” permite o envio de denúncias. Os ministérios públicos e algumas representações estaduais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também terão plantões.
Procurado pela reportagem, o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp) e secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Júlio Danilo, afirmou por meio de nota que tais preocupações não chegaram a ser discutidas pela entidade, que reúne secretários de segurança de todo o país.
Já o Ministério da Defesa não respondeu às perguntas da BBC News Brasil sobre como se posiciona em relação às inquietações de representantes da sociedade civil e como responderia a eventuais condutas inadequadas de militares trabalhando nas eleições.
A assessoria de imprensa da pasta enviou uma nota afirmando apenas que “durante as eleições, tradicionalmente, as Forças Armadas atuam no apoio logístico e no transporte de urnas eletrônicas, pessoas e materiais para locais de difícil acesso”, além de garantirem que “os processos de votação e de apuração, realizados pela Justiça Eleitoral, ocorram dentro da normalidade”.
No último dia 21, em reunião com o presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes, servidores da Justiça Eleitoral também disseram estar preocupados com a atuação dos agentes de segurança nos dias de votação.
Presente na reunião com Moraes, Fernanda Lauria, coordenadora da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe), diz que individualmente todo agente de segurança tem direito a ter sua opinião política, mas teme a postura violenta que tem sido demonstrada por parte dos apoiadores de Bolsonaro.
Para Lauria, um dos cenários que mais preocupam é relativo à restrição de armas nos locais de votação. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu o porte de armas no perímetro de 100 metros dos locais de votação nas 48 horas que antecedem e nas 24 horas que sucedem o pleito — com exceção, claro, dos agentes de segurança em serviço.
“Para que seja cumprida essa determinação (proibição a armas), obrigatoriamente a polícia vai ter que atuar, e aí a gente realmente depende dela. Como uma pessoa sem arma ficaria em falar com uma pessoa armada que ela não pode entrar naquele local?”, diz Lauria, apontando para a vulnerabilidade dos presidentes de mesa e mesários que trabalharão nos locais de votação.
“A gente tem receio de que, numa hora dessas, um policial militar que seja bolsonarista não atue como deveria. Mas é uma sensação, o ministro garantiu que isso não aconteceria, porque muitas reuniões com as forças de segurança têm sido feitas”, continua a servidora, referindo-se às polícias militares pois elas estarão trabalhando com “contingente máximo” neste fim de semana e são as principais responsáveis pelo policiamento ostensivo.
Em 24 de agosto, os ministros Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski, do TSE, se reuniram com comandantes-gerais das polícias militares de todo o Brasil. No encontro, o coronel Paulo Coutinho, à frente da Polícia Militar da Bahia e presidente do Conselho Nacional de Comandantes-Gerais (CNCG), garantiu que as PMs estão preparadas para atuar “na garantia do exercício da cidadania e do estado democrático de direito”.
No dia em que o TSE decidiu que eleitores não poderão levar celulares às cabines de votação, em agosto, o ministro Ricardo Lewandowski disse que os policiais devem garantir que a regra seja cumprida.
“Se alguém fraudar essa determinação legal, portando eventualmente um segundo celular ou insistindo em ingressar na cabine indevassável com o celular, ele estará cometendo ilícito eleitoral e deverá ser reprimido pelo mesário, pelo presidente que está, enfim, presidindo os trabalhos da sessão, e se necessário, com auxílio da força policial”, afirmou o ministro.
Como mostrou a BBC News Brasil mês passado, os TREs contam fortemente com as polícias e as Forças Armadas no planejamento e na realização das eleições localmente. O TRE do Paraná, por exemplo, afirmou que fez diversas “visitas aos batalhões da Polícia Militar em todo o estado para demonstrar a segurança e a transparência do processo de votação”. O TRE de Santa Catarina afirmou que haverá um policial ou uma viatura em todos os 3.400 locais de votação, e no RJ, o TRE prevê policiamento “em todos os quase 5 mil locais de votação no Estado”.
O RJ será o Estado com mais municípios recebendo apoio das Forças Armadas: 167 cidades. Em todo o país, 11 Estados que pediram reforço receberão militares — um tipo de apoio que está previsto na legislação desde 1965.
Antecedentes que geram desconfiança
Membro do grupo Demos – Observatório para Monitoramento dos Riscos Eleitorais no Brasil, assim como Estefânia Barboza, o professor de direito constitucional Emílio Peluso avalia que, nas últimas semanas, o cenário de uma ruptura institucional e orquestrada na democracia brasileira tem se mostrado mais improvável.
Entretanto, Peluso teme que haja distúrbios antidemocráticos “pulverizados” pelo país e afirma que estes são mais prováveis em Estados onde os governadores não têm controle firme de suas polícias.
“Controla-se muito as polícias nos Estados por meio da forma com que o governador consegue temperar eventuais demandas sobre questões fundamentais para polícias de todos os Estados: as questões salariais”, exemplifica, lembrando como caso preocupante um motim de policiais no Ceará em fevereiro de 2020.
“Em não havendo essa situação, a gente pode ver alguns cenários bem conturbados sobre o que pode acontecer eleitoralmente.”
As Forças Armadas tampouco têm dado bons exemplos para seus quadros, diz o constitucionalista, dando como uma amostra disso a decisão do Exército de arquivar um processo acerca da participação do general Eduardo Pazuello em uma manifestação no Rio de Janeiro ao lado de Bolsonaro, de quem foi ministro da Saúde.
“Em geral, vamos ter situações de agressão a esses princípios de hierarquia e disciplina que depois são respondidas com anistias ou conciliações que, ao final, acabam por mostrar que não se confia tanto nesses valores.”
“Ainda que se veja militares de baixa patente tentando agir em conformidade e sendo responsabilizados através de processos administrativos, você tem exemplos muitos ruins de alta patente agindo em plena desconformidade com o que determina a legislação e o que determinaria princípios básicos de hierarquia e disciplina. Ao longo do governo Bolsonaro, esses exemplos não faltaram”, afirma Peluso.
“A gente ter uma estrutura na qual o presidente destina 6 mil militares para atuarem em funções que seriam destinadas principalmente à administração pública civil já demonstra que há um certo descolamento ao que se espera das forças.”
Já Vidal Serrano Nunes Júnior, subprocurador-geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que tem conduzido reuniões sobre as eleições com representantes de órgãos de segurança do Estado, diz não acreditar que haverá “algo sistêmico” no comportamento indevido de agentes — ao menos do que tem observado em São Paulo.
“Se houver algum tipo de conduta de um policial que quebre o seu dever de imparcialidade e de impessoalidade, isso evidentemente vai ser apurado e punido, mas não acredito em algo sistêmico”, afirma Nunes Júnior. “As polícias fizeram uma programação grande em relação ao tema e medidas de precaução estão sendo tomadas pela própria secretaria de segurança.”
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