Quando Jan Ehtash acordou, imediatamente entrou em pânico. Deitada de costas, paralisada do pescoço para baixo, ela ficou apavorada com o que estava acontecendo.
“Pensei: ‘Fui sequestrada, estou aqui agora, não consigo me mover, não consigo falar e há todas essas pessoas estranhas andando por aí com grandes coisas, como um capacete'”, diz ela.
Acreditando que seus sequestradores estavam prestes a começar a fazer experimentos com ela, a mulher de 58 anos tentou descobrir como escapar. Mas tudo o que ela podia fazer era ficar imóvel, cercada por uma estranha máquina que continuamente apitava e zumbia.
Foi nesse ponto que ela percebeu que as máquinas tinham sua própria linguagem.
“Eu pensei que as máquinas estavam se comunicando”, diz ela. “Foi muito assustador.”
Mas Jan não havia sido sequestrada nem máquinas conversavam entre si. Na verdade, ela estava na enfermaria de uma UTI (unidade de terapia intensiva) de um hospital em Londres, tendo passado cinco semanas em coma lutando contra a covid-19, que quase a matou.
Era janeiro de 2021. Seus “sequestradores” na verdade eram os médicos e enfermeiras que salvaram sua vida.
Sua paralisia foi apenas temporária e suas alucinações foram causadas por um fenômeno surpreendentemente comum, chamado “delírio de terapia intensiva”, ou delírio de UTI.
‘Perda profunda de controle’
“Para o paciente, ser internado em terapia intensiva é como estar preso”, explica o Larry Mulleague, médico e consultor da UTI que tratou Jan no Hospital St. Helier, em Londres.
“Há uma perda profunda de controle, assim como medo, grande dificuldade em ser compreendido e sofrimento físico e emocional.”
De acordo com Mulleague, o delírio da UTI afeta mais da metade dos pacientes do hospital, mas as experiências raramente são as mesmas.
“Alguns dos mais ‘sortudos’ podem se imaginar como um personagem de um livro como Alice no País das Maravilhas, mas com mais frequência as alucinações são muito assustadoras com temas de sequestro, tortura, afogamento e espionagem”, diz ele.
A jornada de Jan para este mundo estranho começou várias semanas antes, quando ela contraiu o coronavírus.
Lutando para respirar, ela foi internada no Hospital St. Helier levando apenas uma bolsa com ela, convencida de que teria alta no dia seguinte.
Então, um médico disse: “Não podemos prometer que você vai sair dessa”, e pediu para ligar para a família. Era o Boxing Day (feriado comemorado um dia depois do Natal, no Reino Unido).
“Telefonei para meu marido e meus filhos, o que foi horrível”, diz ela. “Minha filha mais nova gritou ao telefone e disse: ‘Mãe, não posso perder você. Você tem que lutar contra isso’.”
Quase dois anos depois, Jan ainda pensa naquele momento. “Como posso dizer para meus filhos que a mãe deles não vai estar por perto? Eu não pude nem dar um abraço neles. Foi um telefonema.”
Jan foi sedada e entubada.
“Ela foi provavelmente uma das pacientes mais graves que tivemos”, explica Jessica Gregory, que trabalha na UTI do Hospital St. Helier. “Estávamos extremamente preocupados se ela sobreviveria.”
Demorou cinco semanas até que Jan acordasse com suas estranhas visões.
Ela acabou recebendo alta do hospital com uma sacola de medicamentos e imagens perturbadoras de seu tempo em coma.
Ela se lembra de uma de suas filhas conversando com ela e outra próxima do seu peito. Ela se lembra de ter sido enrolada em um lençol e virada de bruços enquanto era entubada.
Tudo isso aconteceu, mas era difícil distinguir o que era real.
Ela também achou difícil se ajustar à vida doméstica depois. Por um tempo, Jan só conseguia dormir se assistisse a vídeos das mesmas máquinas de terapia intensiva no YouTube.
“Foi um conforto… Eu precisava ouvir aquelas máquinas por algum motivo”, diz Jan.
Rhyan Fuller, de 40 anos, teve uma experiência semelhante. Ele foi internado pelo mesmo motivo – uma infecção de covid que colocou sua vida em risco.
Ele também não havia percebido o quão perto da morte estava. Mas as alucinações do analista de negócios eram mais prosaicas.
“Foram coisas aleatórias, como falar com as pessoas enquanto eu estava do lado de fora perto do rio. E eu pensei, ‘bem, não há rio em St. Helier'”, diz ele.
Rhyan também acreditava que seu seu laptop havia sido recolhido por funcionários do hospital.
“Esse é um lugar muito estranho para se estar enquanto você está tentando se recuperar”, diz ele.
Segundo a pesquisa, aspectos como doenças, idade, medicamentos, níveis de ruído e insônia contribuem para o delírio de UTI. O estudo também aborda as causas e como o problema pode ser tratado e prevenido.
“Existem ferramentas que oferecemos em nossos hospitais – uma janela e um relógio com mostrador de 24 horas para que os pacientes possam se orientar durante o dia e a noite, além de máquinas mais silenciosas”, explica Larry Mulleague.
“Também oferecemos fisioterapia, informamos aos pacientes onde eles estão, fornecemos óculos e aparelhos auditivos e tocamos a música favorita do paciente. Ouvir uma voz familiar ou sentir o toque de membros da família também ajuda”, diz.
Ele acrescenta sobre a importância de oferecer suporte aos pacientes mesmo após a alta hospitalar, com grupos de apoio e psicólogos especializados à disposição.
“Felizmente, quando os vemos em nossa clínica de acompanhamento, três meses após a alta, a crueza dessas memórias e as emoções que elas provocam já se foram. Mas explicar como esses pensamentos são comuns para os sobreviventes geralmente é a validação de que eles e suas famílias precisam”, diz.
Para ajudar em sua recuperação, Jan e Rhyan fazem parte de um grupo de apoio para aqueles que tiveram delírio na UTI, baseado no Hospital St. Helier.
Em uma pequena sala, os pacientes discutem seus encontros com a morte e suas alucinações.
Uma mulher explica como pensou que estava magnetizada em sua cama. Outra conta que, durante o coma, sonhou que estava saindo com um detetive americano.
A maioria dos participantes se recuperou fisicamente.
Essas sessões visam ajudar na recuperação psicológica dos cuidados intensivos.
“Fui ao primeiro grupo e eles responderam a todas as perguntas que eu tinha”, diz Jan.
“Você pensa: ‘Eu sou normal? Estou ficando louca?’ Mas então você ouve outras pessoas contando experiências parecidas e percebe: ‘Oh meu Deus, não sou só eu’.”
Maria Carroll, enfermeira da UTI, acredita que os pacientes acham o processo “muito benéfico”.
Os médicos podem entender sua jornada até certo ponto, diz ela, “mas não nos colocamos no lugar deles. Não entendemos como eles entendem e eles têm algo em comum que não terão em comum com ninguém”.
Rhyan concorda com os benefícios de aprender com as experiências de outras pessoas.
“Haverá pessoas que podem dizer coisas que tornarão toda essa jornada um pouco mais fácil de digerir”, diz.
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