- Author, Shawn Yuan
- Role, Da BBC News
Enquanto os líderes africanos se reuniram em Pequim, na China, para a cúpula trienal entre a China e a África no início de setembro, o presidente chinês Xi Jinping teve uma carta na manga para se vangloriar: a TV por satélite.
Quase nove anos atrás, o presidente Xi prometeu aos chefes de Estado presentes no Fórum de Cooperação Sino-Africana (FOCAC, na sigla em inglês) em Joanesburgo, na África do Sul, que a China forneceria acesso à TV digital para mais de 10 mil aldeias remotas, em 23 países africanos.
Destas, mais de 9,6 mil aldeias já receberam a infraestrutura de satélite e o projeto se aproxima da sua conclusão.
O ambicioso compromisso, revelado durante um período de calorosas relações entre a China e o continente africano, foi financiado pelo orçamento de ajuda chinesa. E foi confiado à empresa privada chinesa StarTimes, que opera em diversos países da África.
Com as dificuldades da economia chinesa e o reequilíbrio da estratégia de Pequim na África, a BBC visitou quatro aldeias no Quênia para saber se a iniciativa teve resultados.
A aldeia de Olasiti fica a cerca de três horas de carro a oeste da capital queniana, Nairóbi. Foi lá que Nicholas Nguku reuniu seus amigos e a família para assistir pela televisão aos atletas do Quênia que disputaram as Olimpíadas de Paris, na França.
“Estou muito feliz por assistir aos Jogos Olímpicos, o que não pudemos fazer por muitos anos, até conseguirmos a StarTimes”, declarou ele, em referência à instalação de antenas de satélite pela empresa, cerca de quatro anos atrás.
Ele não foi o único beneficiário da presença da StarTimes na África.
A empresa entrou no continente em 2008 e, agora, é um dos maiores provedores privados de TV digital da África subsaariana, com mais de 16 milhões de assinantes.
Analistas afirmam que, inicialmente, seu baixo preço facilitou a formação de uma base sólida na região.
No Quênia, o custo dos pacotes mensais de TV digital varia de 329 xelins (cerca de R$ 14) a 1.799 xelins (cerca de R$ 79).
Em termos de comparação, um pacote mensal da DStv, de propriedade da MultiChoice – outro provedor importante do mercado africano de TV digital –, custa de 700 a 10,5 mil xelins (cerca de R$ 28 a R$ 451).
A StarTimes depende, em parte, das assinaturas como sua principal fonte de receita, mas o “Projeto 10 Mil Aldeias” é financiado pelo Fundo de Assistência Sul-Sul, mantido pelo Estado chinês.
Todas as antenas de satélite possuem a logomarca da StarTimes, o emblema do Ministério da Informação do Quênia e uma logomarca vermelha “Auxílio Chinês”.
E, durante a instalação das antenas, representantes da StarTimes declararam que aquele era um “presente” da China, como relembram diversos moradores locais.
A acadêmica Angela Lewis escreveu extensamente sobre a StarTimes na África. Segundo ela, o projeto criou o potencial de deixar uma imagem positiva da China entre o público africano.
Os moradores que se beneficiaram do projeto receberam tudo de graça, incluindo a infraestrutura, como a antena de satélite, bateria e instalações, além de uma assinatura do conteúdo da StarTimes.
Foi algo “revolucionário”, segundo Lewis, já que aldeias remotas da África, até então, tinham acesso instável e pouco confiável à TV analógica.
Para muitas pessoas, aquele foi seu primeiro acesso às antenas de satélite, o que mudou a interação dos moradores locais com o mundo exterior, segundo ela.
Para centros comunitários, como hospitais e escolas da aldeia de Ainomoi, no oeste do Quênia, as assinaturas permanecem gratuitas.
Na clínica local, uma TV digital na sala de espera ajuda os pacientes a passar o tempo. E, numa escola primária, os alunos assistem a desenhos animados depois da escola.
“Depois que terminamos os estudos, todos nós assistimos aos desenhos juntos, o que é uma experiência muito agradável e agregadora”, afirma a aluna do oitavo ano da escola, Ruth Chelang’at.
Mas diversas famílias quenianas entrevistadas pela BBC declararam que o período gratuito, inesperadamente, durou apenas um período limitado.
Apesar do custo relativamente baixo, as assinaturas por longo período eram consideradas um encargo financeiro significativo para muitas pessoas. Por isso, o entusiasmo inicial entre alguns beneficiários do projeto desapareceu, o que dificultou os esforços de formação de boa vontade pela China.
“Todos nós ficamos muito felizes quando conseguimos a antena de satélite, mas foi grátis apenas por alguns meses e depois precisávamos pagar”, conta Rose Chepkemoi, da aldeia de Chemori, no condado queniano de Kericho. “Era muito caro e, por isso, deixamos de usar.”
Sem a assinatura, ficam disponíveis apenas certos canais abertos, como a queniana KBC, segundo os usuários que deixaram de assinar os pacotes da StarTimes.
Durante a visita da BBC a quatro aldeias diferentes que receberam antenas da StarTimes entre 2018 e 2020, muitos moradores locais contaram terem deixado de usar o sistema depois do fim do período gratuito.
O chefe da aldeia de Ainamoi declarou que muitas das 25 residências que receberam as antenas na sua aldeia originalmente decidiram não assinar o serviço pago.
A BBC entrou em contato com a StarTimes pedindo comentários sobre os períodos gratuitos, mas não recebeu resposta até o fechamento desta reportagem.
A influência chinesa se estende para o conteúdo transmitido pelos canais da StarTimes, com resultados variados. Até os pacotes mais baratos incluem canais como Kung Fu e Sino Drama, que exibem predominantemente filmes e séries chinesas.
Em 2023, mais de mil filmes e programas de TV chineses foram dublados em idiomas locais, segundo declarou à imprensa local o chefe de relações públicas da StarTimes, Ma Shaoyong.
No caso do Quênia, a empresa lançou em 2014 um canal chamado ST Swahili, dedicado a conteúdo em língua suaíli.
Muitos dos moradores locais que assistiram aos programas chineses declararam que acharam o conteúdo desatualizado, retratando personagens chineses de forma unidimensional e que os programas, muitas vezes, eram centralizados em temas estereotipados.
Uma rápida observação do guia de programação mostra uma variedade de programas românticos ou de encontros, incluindo um reality show popular chamado Hello, Mr. Right.
Nele, os participantes procuram seus pares perfeitos. O formato foi baseado em um programa chinês similar, chamado If You Are the One.
Para alguns, pelo menos, o conteúdo é um motivo para manter a assinatura.
Ariana Nation Ngotiek tem 21 anos e mora na aldeia de Olasiti. Ela é “obcecada” por certos programas, como a série chinesa Eternal Love (2017), dublada em inglês.
“Não vou dormir sem assistir”, ela conta.
Futebol, a principal atração
Mas o futebol permanece a principal atração para o público africano.
Em 2023, por exemplo, a Copa Africana de Nações teve um número recorde de espectadores. Foram cerca de dois bilhões de pessoas em todo o mundo, segundo a Confederação Africana de Futebol.
Sabendo da oportunidade de negócios, a StarTimes investiu muito para garantir os direitos de transmissão dos jogos de futebol, incluindo a Copa Africana de Nações, o campeonato espanhol (La Liga) e a alemã Bundesliga.
“A StarTimes construiu seu nome com as transmissões esportivas”, diz Lewis.
Mas a concorrência é acirrada. A SuperSport, subsidiária da MultiChoice, afirma pagar US$ 200 milhões (cerca de R$ 1,13 bilhão) por ano, pelos direitos de transmissão da cobiçada Premier League inglesa.
E, quando o astro do futebol francês Kylian Mbappé anunciou que iria para o Real Madrid, da Espanha, a StarTimes aproveitou a oportunidade para exibir enormes outdoors na capital do Quênia, Nairóbi.
“Sinta toda a emoção de La Liga”, diz o cartaz, com a logomarca da empresa.
Mas isso não funciona para todos. Um fã de futebol do Quênia disse à BBC que “preferiria sentir a emoção da Premier League”.
“A maior parte dos quenianos não acompanha La Liga, quem traz a audiência é a Premier League inglesa”, afirma o professor Levi Obonyo, da Universidade Daystar, em Nairóbi.
A emissora internacional estatal chinesa CGTN é parte do pacote mais barato da StarTimes. Mas ela não atrai os espectadores, ao contrário da BBC e da CNN.
“Sim, também temos notícias chinesas, mas não assisto”, conta a professora aposentada Lily Ruto, do condado de Kericho. “Como ela se chama? C alguma coisa N? T alguma coisa N?”, riu, encolhendo os ombros.
O professor Dani Madrid-Morales, da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, também avalia que a StarTimes não revolucionou o ambiente jornalístico na África.
A maior parte dos moradores locais afirma que prefere os canais locais de notícias e a StarTimes compreende esta situação. Na verdade, como mais de 95% dos seus 5 mil funcionários africanos são moradores locais, segundo um porta-voz da empresa, ela pretende se apresentar priorizando as vozes africanas.
Um consultor de empresas de comunicação chinesas na África declarou que a StarTimes tenta evitar repetir o que aconteceu com o TikTok e a Huawei. A declarada identidade chinesa destas empresas atraiu altos níveis de escrutínio no Ocidente.
Os estudos de Lewis sobre a cobertura jornalística entre 2015 e 2019 reforçam esta posição. O pesquisador observa que a maioria das matérias mencionando a StarTimes não faz referência à China, nem às relações sino-africanas. A empresa parece ser cuidadosa para não identificar abertamente suas raízes chinesas.
De assunto da cidade a nota de rodapé
Como empresa privada, a StarTimes teve sucesso substancial ao longo dos anos.
O “Projeto 10 Mil Aldeias” levou a empresa para um nível de prestígio superior.
Mas, nesta época em que acontece um novo Fórum de Cooperação Sino-Africana em Pequim, o efeito esperado pela China de construção de uma imagem positiva do país com o projeto não se materializou.
“O governo tentou reequilibrar o fluxo de informações para colocar a China em uma visão positiva, mas isso não aconteceu”, afirma Madrid-Morales. “A quantidade de dinheiro que foi gasta neste projeto, na verdade, não beneficiou tanto o governo chinês.”
Muitos moradores locais que conversaram com a BBC estavam preocupados principalmente com o conteúdo e os custos.
Enquanto muitas das antenas de satélite enferrujavam, o projeto, que era o assunto da cidade, parece ter se relegado a uma nota de rodapé na expansão do soft power chinês.
“Sim, sabemos que vem da China, mas não faz diferença se ninguém estiver usando”, afirma Rose Chepkemoi, que cancelou sua assinatura da StarTimes.
Fonte: BBC
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