- Geeta Pandey
- Da BBC News em Delhi
Uma universidade privada na cidade de Kolkata, no leste da Índia, envolveu-se em uma polêmica nos últimos meses.
Uma ex-professora assistente da Universidade de St. Xavier disse à BBC que foi obrigada a deixar seu emprego por ter compartilhado fotos suas de biquíni no Instagram. A universidade nega que esse tenha sido o motivo da sua demissão.
A mulher, que pediu para não ser identificada, acusou funcionários da universidade de “assédio sexual” e disse que “foi intimidada e submetida à vigilância moral”.
Ela também apresentou uma queixa na polícia e enviou uma notificação legal à instituição, que respondeu acusando-a de difamação e exigindo 990 milhões de rúpias (cerca de R$ 12 milhões) em indenização.
‘Eles me levaram para uma sala de interrogatório’
A professora assistente conta que ingressou no corpo docente em 9 de agosto de 2021 para lecionar inglês em cursos de graduação e pós-graduação.
Dois meses depois, ela foi chamada ao escritório do reitor para uma reunião.
Ela foi “conduzida a uma sala de interrogatório”, onde foi interrogada por um comitê composto pelo vice-reitor Felix Raj, um secretário e cinco mulheres.
Ela foi informada de que havia uma queixa contra ela feita por um pai de um aluno homem do primeiro ano de graduação.
“O reitor disse que esse pai encontrou seu filho olhando minhas fotos no Instagram, onde eu estava apenas de calcinha. Ele disse que as fotos eram sexualmente explícitas e pediu à universidade que preservasse seu filho de tal vulgaridade.”
Os membros do conselho circularam um papel com “cinco ou seis fotos” e pediram que ela confirmasse que eram mesmo dela.
‘Seus pais viram essas fotos?’
As fotos, nas quais ela na verdade vestia um biquíni, eram selfies tiradas em seu quarto, diz ela. Ela as compartilhou como “stories” do Instagram, o que significa que eles desapareceram depois de 24 horas.
O conselho da universidade não aceitou sua explicação: as fotos foram publicadas em 13 de junho de 2021, quase dois meses antes de ela ingressar na universidade e antes de aceitar pedidos de seus alunos para seguir sua conta, que é privada.
“Fiquei chocada. Quando vi as fotos, tive um ataque de pânico. Me pareceu surreal que minhas fotos pessoais fossem compartilhadas sem meu consentimento”, disse a professora.
“Eu não aguentava olhar minhas próprias fotos e a forma como elas me foram apresentadas. A conversa em torno delas me fez pensar que eram vulgares. Percebi que estava sofrendo gaslightning (termo em inglês para um tipo de assédio emocional), comecei a me sentir sabotada.”
“Eles me perguntaram por que eu fiz isso. Se, como mulher, eu não achava que aquilo era questionável. Se, como professora, eu não achava que era meu dever para com a sociedade me comportar adequadamente.”
“Eles me disseram que eu estava trazendo desprestígio e vergonha para a universidade. Eles me perguntaram se meus pais estavam no Instagram e se eles tinham visto aquelas fotos. Eu senti náuseas e fiquei em choque.”
Ela foi orientada a retornar no dia seguinte com um relatório sobre o assunto.
O pedido de desculpas e a ‘demissão forçada’
A professora voltou ao gabinete do reitor no dia seguinte e apresentou um pedido de desculpas “escrito sob conselho de alguns docentes que incluíam a diretora da unidade de gênero”, uma ex-colega e professora assistente que também integrara o comitê.
“Se minhas imagens foram interpretadas de uma forma que poderia manchar a reputação da universidade, então sinto muito”, escreveu ela.
Foi “uma experiência muito desagradável”, disse a professora.
Ela esperava que o assunto terminasse ali, mas o reitor disse que o conselho “recomendara de forma unânime sua demissão”.
“Ele disse que as fotos já haviam viralizado, que a maioria dos alunos as tinha visto, que não me levariam a sério e que os pais iriam reclamar. E que seria melhor se eu me demitisse voluntariamente.”
Caso contrário, o reitor disse que ela “iria para a prisão, porque o pai (do aluno que viu a foto) queria registrar uma queixa na polícia”.
“Me senti encurralada e pedi demissão”, diz ela.
“Mas também fiquei com muita raiva e procurei orientação jurídica. Eles fizeram download das minhas fotos, tiraram prints de tela e compartilharam sem meu consentimento. Meu advogado sugeriu que eu registrasse uma queixa de assédio sexual na polícia de crimes cibernéticos”, disse ela.
‘Não pedimos que você se demita’
O padre Felix Raj, vice-reitor da universidade, se recusou a comentar se o comitê havia recomendado sua demissão, mas negou todas as acusações contra ele e a universidade.
“Somos uma instituição sagrada de aprendizado e conhecimento. Como decano e diretor da universidade, eu disse a ela que ela não deveria ter exposto essas fotos.”
O vice-reitor diz que não a forçou a se demitir e que ela saiu por vontade própria.
“Ela entregou uma carta de desculpas em 8 de outubro de 2021. Nós a aceitamos. Achei um gesto bom. Mas então ela pediu demissão em 25 de outubro.”
Ela acrescenta que “eles não guardam rancor dela” e que na universidade eles eram “muito bons com ela”.
Quando perguntado sobre a alegação da professora de que suas fotos não estavam disponíveis em sua conta do Instagram depois que ela ingressou na universidade e que um integrante do corpo docente a estaria sabotando, o padre Feliz Raj disse não ser “perito em tecnologia”.
‘Uma forma selvagem de vigilância moral’
A ação contra a professora foi criticada por muitos alunos e ex-alunos por ser “retrógada”.
Uma petição no site change.org, iniciada pelo ex-aluno universitário Gaurav Banerjee e dirigida ao Ministro da Educação do Estado de Bengala Ocidental, recebeu mais de 25 mil assinaturas.
Banerjee disse à BBC que quer que a universidade peça desculpas à professora e peça ao governo que tome medidas disciplinares contra o comitê por seu comportamento prepotente.
“Estou feliz que, como eu, muitas pessoas estão horrorizadas que a universidade possa fazer algo assim”, disse ele.
Recentemente, dezenas de estudantes universitários realizaram um protesto silencioso.
“Ficamos sabendo sobre essa forma selvagem de vigilância moral a que uma de nossas professoras foi submetida”, disse um manifestante.
“É completamente inaceitável. Por que alguém deveria se importar com o que estou fazendo em meu espaço privado? Nosso espaço pessoal deve ser inviolável”, disse. “É assustador que os membros do comitê, que incluiu cinco mulheres, não tenham pensado que isso era vigilância moral.”
A professora disse estar “comovida com todo o apoio e agradecida”.
“Depois de meses me sentindo mal, sinto que as pessoas veem como tudo isso foi ridículo.”
O direito à privacidade e à autoexpressão, ela argumenta, é inviolável e concedido pela Constituição indiana e essa “vigilância” se estendeu além do local de trabalho.
“Minha firme convicção é que não fiz nada de errado. Posso não vencer esse caso, mas para mim é uma luta importante”, disse ela.
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