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Tsai Ing-wen é a primeira mulher presidente de Taiwan

Quando Tsai Ing-wen se tornou líder do Partido Progressista Democrático de Taiwan em 2008, ela era considerada uma dirigente transitória e relativamente frágil. Mas a história mostrou que essa percepção estava errada.

Mais de 15 anos depois, Tsai está na reta final de seu segundo mandato como presidente de Taiwan, cargo para o qual foi reeleita em janeiro de 2016 com mais de 57% dos votos.

A presidente está realizando um giro pelo continente americano para fortalecer a posição internacional de Taiwan em um momento em que as tensões entre Taipei e Pequim atingem níveis inéditos há décadas.

Tsai reuniu-se na quarta-feira (5/4) na Califórnia com o presidente do Congresso dos Estados Unidos, Kevin McCarthy, depois de ter visitado Guatemala e Belize — dois dos últimos aliados de Taipei no continente.

A perspectiva do encontro de Tsai com McCarthy e uma delegação americana bipartidária de 18 parlamentares enfureceu Pequim, que classificou o encontro como “provocação” e alertou sobre “sérias consequências”.

Quando Nancy Pelosi, antecessora de McCarthy no cargo, visitou Taiwan em 2021, a China conduziu exercícios militares em larga escala ao redor da ilha.

Isso reforçou o consenso em Taiwan de que a ilha precisa se preparar para um possível ataque da China. Tsai aproveitou a ocasião para estender o período de recrutamento para serviço militar de quatro meses para um ano.

A presidente — que é conhecida por um estilo “suave, mas firme” — tem cumprido sua agenda política evitando ruídos desnecessários.

Apoio de jovens

Quando venceu a eleição presidencial de Taiwan em 2016, Tsai fez história ao se tornar a primeira mulher a ocupar o cargo.

Ela conseguiu isso ao conquistar o apoio de jovens e eleitores que se mobilizaram no chamado “movimento do girassol” para protestar contra um acordo comercial entre Taipei e Pequim que — na visão dos manifestantes — havia deixado Taiwan em uma situação muito vulnerável.

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O “movimento do girassol” se opôs a um acordo comercial entre China e Taiwan

Entre os eleitores de 20 e 29 anos, 75% votaram em Tsai.

Ela ganhou grande apoio dos jovens por suas ideias, mas também por seu estilo e maneiras amigáveis que a diferenciavam da velha guarda política.

Tsai — que foi descrita por seus colaboradores como erudita e estudiosa — é uma política de certa forma semelhante à ex-chanceler alemã Angela Merkel, a quem a própria presidente taiwanesa considera uma referência.

Em entrevista para a televisão em 2015, Tsai falou sobre Merkel: “Seu apelo junto às massas não é o que as pessoas consideram seu ponto forte, mas sim a sua forma de governar, a sua maneira de pensar, a sua determinação e a sua tomada de decisão”.

“Essas são, de fato, as características típicas que devemos ver no governo de um país moderno”, disse Tsai.

Ambas vêm do meio acadêmico.

Tsai estudou direito na National Taiwan University e fez mestrado na mesma área pela Cornell University, antes de obter doutorado na London School of Economics, onde se especializou em comércio internacional.

No início dos anos 1990, ela se tornou protegida e conselheira comercial do presidente Lee Teng-hui, que liderou a transição de Taiwan para a democracia.

‘Suave e firme’

Foi no campo comercial que Tsai aprendeu a negociar com Pequim.

Em 2000, o partido Kuomintang (KMT) — fundado por nacionalistas chineses que fugiram do continente para Taiwan após serem derrotados pelos comunistas de Mao durante a guerra civil — perdeu a eleição presidencial para o Partido Progressista Democrático (DPP, na sigla em inglês) .

Em seguida, o novo presidente Chen Shui-bian colocou Tsai no comando do Conselho de Assuntos do Continente, órgão responsável pela gestão das relações entre Taipei e Pequim.

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Em 2001, Tsai Ing-wen foi nomeada chefe do órgão responsável pela gestão das relações com Pequim

Em fevereiro de 2001, depois de dar uma palestra para empresários taiwaneses sobre como ela se relacionaria com seus colegas chineses, Tsai foi descrita na imprensa local como “suave, mas firme”.

É um estilo que ela manteve ao longo do tempo.

Vida pessoal

A decisão de Tsai, de 66 anos, de permanecer solteira e sem filhos é frequentemente questionada. Sua vida pessoal foi até usada pela China para criticá-lo.

A mídia estatal chinesa Xinhua certa vez a descreveu como “uma mulher política solteira” que “não carrega o fardo emocional de amor, família ou filhos”.

“É por isso que seu estilo político e suas táticas costumam ser emocionais, pessoais e radicais”, acrescentou a Xinhua.

Após um ataque por esse motivo, desta vez por um oponente do Kuomintang durante a campanha eleitoral de 2019, Tsai foi ao seu Facebook para revidar.

“Alguém disse hoje que nunca dei à luz, então não posso me relacionar com as preocupações dos pais sobre seus filhos. Minha condição de mulher, solteira e sem filhos tornou-se constantemente um problema. Como muitas mulheres no papel público, eu trabalho duas vezes mais para provar o meu valor.”

“Mas os tempos estão mudando e Taiwan está avançando. Ter ou não filhos não afetará nossa devoção em servir a próxima geração”, respondeu ela.

Entre China e EUA

Quando Donald Trump chegou à Casa Branca, Tsai se tornou a primeira presidente taiwanês desde 1979 a ligar para o novo presidente dos EUA para parabenizá-lo por sua eleição.

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Tsai Ing-wen visitou a Guatemala durante um giro internacional

Desde que Washington mudou sua representação diplomática de Taipei para Pequim, raramente o presidente dos EUA e o presidente taiwanês conversavam diretamente.

A China descreveu a ação de Tsai como um “truque sujo”, mas ela — tentando diminuir as tensões — rapidamente deixou claro que não esperava grandes mudanças políticas no futuro próximo “porque todos nós valorizamos a estabilidade da região”.

Essa capacidade de ser firme, evitando confrontos desnecessários, continuou a ser aplicada à China.

Desde que assumiu a presidência, ela se recusou a ceder às exigências de Pequim de descrever Taiwan como parte de uma só China.

Ela sustenta que Taiwan já é um Estado soberano sem a necessidade de declarar independência.

Jiho Tiun, responsável por escrever os discursos da presidente taiwanesa, disse ao jornal The New York Times que aprendeu a evitar incluir qualquer palavra que Pequim possa ver como provocação direta.

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Forças taiwanesas treinam para enfrentar um ataque da China

Mas enquanto faz isso, ela trabalha discretamente para consolidar a soberania e a independência da ilha.

Isso sem deixar de falar com firmeza em alguns momentos.

Foi o que aconteceu em abril de 2019, quando a China enviou navios de guerra e aeronaves de reconhecimento ao redor de Taiwan para “exercícios necessários”.

Ela respondeu: “essas ações servem apenas para fortalecer nossa determinação”.

“Nossas forças militares têm capacidade, determinação e comprometimento para defender Taiwan e não permitir que a coerção dite nosso próprio futuro”, disse ele.

Naquele mesmo ano, quando protestos anti-China tomaram conta de Hong Kong, ela disse aos taiwaneses que “Hong Kong está à beira do caos devido ao fracasso do projeto ‘Um país, dois sistemas’. No entanto, a China ameaça nos impor esse modelo”.

“Quando a liberdade e a democracia são desafiadas e a existência [de Taiwan] é ameaçada, devemos nos levantar e nos defender.”

Assim, com essa estratégia cautelosa e firme, Tsai conseguiu evitar provocar Pequim desnecessariamente e, ao mesmo tempo, cimentar a confiança de Washington, que lhe dá apoio e promete armas para sua defesa.

A atitude cautelosa de Tsai e o apoio que ela recebe de Washington em um momento em que o Ocidente vê a assertividade geopolítica de Pequim com crescente preocupação também levaram Taipei a expandir seus laços não oficiais com outras potências, como o Japão e alguns países europeus.

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Tsai Ing-wen se reuniu na quarta-feira com o presidente do Congresso dos EUA, Kevin McCarthy, e uma delegação bipartidária de 18 parlamentares

Mas se ela é tão cautelosa, por que Tsai está viajando para as Américas e se encontrando com o presidente do Congresso dos EUA?

Segundo analistas, isso se deve à necessidade de Taipei de se manter ativo, fortalecendo seus laços em um contexto em que os avanços geopolíticos da China vêm afastando os aliados de Taiwan.

Na verdade, desde que Tsai assumiu o poder, há menos de oito anos, Taiwan viu a lista de países que reconhecem a ilha como um país independente diminuir de 22 para apenas 13.

A mais recente a mudar seu reconhecimento de Taipei para Pequim foi Honduras, poucos dias antes de Tsai partir para sua jornada.

Um lembrete das limitações de qualquer estratégia que Taiwan adote em sua luta contra a segunda maior potência do mundo.