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Mulher com leque, 1862. Artista: Édouard Manet.

  • Author, Dalia Ventura
  • Role, Da BBC News Mundo

Na noite de Halloween, 31 de outubro de 1871, Emily e Mary, meias-irmãs do escritor, poeta e dramaturgo Oscar Wilde, compareceram a um baile em Drumaconnor House, na Irlanda.

Perto do final da noite, Emily estava dançando uma última valsa com Andrew Nicholl Reid, seu anfitrião, e, em um de seus giros perto de uma lareira, seu vestido roçou nas brasas e pegou fogo.

Reid tentou em vão extinguir as chamas; quando Mary correu para ajudá-la, tudo o que ela fez foi colocar fogo em sua própria roupa também.

Ambas as meninas morreram alguns dias depois.

Seu pai, William, estava tão perturbado que seus “choros podiam ser ouvidos do lado de fora da casa”, contou um amigo. Oscar, que aos 17 anos ainda morava com ele, ouvia o choro mais de perto.

As irmãs Wilde ficaram para a história como duas das milhares de fatalidades de uma das vestimentas mais amadas e ridicularizadas de todos os tempos: a crinolina, que são armações usadas sob as saias.

A crinolina é uma reencarnação da anágua, peça popular e criticada que havia sido usada no século 18 — mas com uma diferença.

Enquanto a estrutura das anáguas era feita de osso de baleia, crina de cavalo, vime, madeira e até borracha inflável, a das crinolinas era feita de metal.

E, com a invenção da máquina de costura na década de 1850, eles puderam ser produzidas em massa.

Tal era sua popularidade que apenas um ano depois que a crinolina com armação de aço foi patenteada em 1856, o Reino Unido importou 40 mil toneladas de aço sueco para produzi-las.

Em uma fábrica de Sheffield, 800 mulheres produziam 8 mil crinolinas por dia, uma taxa que não acompanhava a demanda, de acordo com o livro Crinoline, Fashion’s Most Magnificent Disaster, de Brian May e Denis Pellerin.

A vestimenta era criticada pela mais famosa das enfermeiras da época, Florence Nightingale, que chamou a crinolina de “um traje absurdo e hediondo”. Ela queria que as autoridades revelassem o número de mortes que o traje havia causado.

Era — e ainda é — difícil saber realmente quantas mulheres morreram.

Crédito, Wellcome Collection

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Ilustração de 1860 mostra mulheres em crinolinas

Na imprensa, as notícias sobre essas mortes eram frequentes e muitas vezes apresentadas com manchetes sensacionalistas.

Uma deles, por exemplo, recebeu o título “Outro holocausto por crinolina” (1864). O texto cita o legista londrino e crítico da vestimenta, Edwin Lankester:

“Ao longo de três anos, tantas mulheres perderam suas vidas em Londres para o fogo, principalmente por usar crinolinas, quanto as que foram sacrificadas em Santiago.”

Ele se referia ao trágico incêndio da Iglesia de la Compañía, no Chile, em 1863, no qual morreram cerca de 2 mil mulheres, cujos vestidos volumosos, segundo alguns relatos, dificultaram a fuga.

Mas estatísticas confiáveis ​​são raras: os números mais citados estimam cerca de 3 mil mortes somente no Reino Unido nos dez anos em que a vestimenta esteve mais em voga, a partir do final da década de 1850.

Quando o The New York Times relatou pela primeira vez o fenômeno das mortes relacionadas à crinolina em 1858, o jornal americano observou que o Court Journal de Londres havia registrado “nada menos que 19 mortes por essa causa na Inglaterra entre 1º de janeiro e meados de fevereiro”.

“Certamente uma média de três mortes por semana devido à queima de crinolinas deve assustar a mais imprudente do sexo privilegiado.”

Mas por que, apesar de tudo, as roupas íntimas femininas eram tão populares?

O perigo

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Homem pedindo que o portão do pedágio seja aberto para a mulher passar em um dos Esboços de Crinolina de Read de 1859

Primeiro, vamos contextualizar tudo.

Como conta a historiadora Alison Matthews David em seu livro Vítimas da Moda (2015), essa era uma época em que os chapéus eram feitos com mercúrio e os tecidos tingidos com corantes que continham quantidades assustadoras de arsênico.

Esses venenos, porém, afetavam mais quem fabricava os artigos do que quem os usava.

Além disso, essas mortes não foram tão espetaculares ou rápidas quanto as das mulheres em chamas.

No entanto, como a revista satírica Anti-Teapot Review apontou em 1864, o problema não começou com crinolinas.

“As anáguas antigas (…) eram imóveis se pegassem fogo. E elas pegaram fogo com mais frequência do que muitos imaginam, só que naqueles dias não havia dezenas de jornais de Londres, famintos para relatar acidentes domésticos nas épocas de falta de notícia.”

Mas, mesmo assim, é difícil entender por que tantas mulheres iriam querer usar algo tão obviamente pouco prático, que quando não pegava fogo, se enroscava em tudo pelo caminho, atrapalhava espaços estreitos, causava quedas em rajadas de vento vento.

E, como mostram essas fotos, eram extremamente difíceis de vestir.

Crédito, National Museums Scotland

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Fotos da Coleção Howarth-Loomes dos Museus Nacionais da Escócia mostram mulher vestindo crinolina

Eis o erro

Apesar das imagens, e do fato de no seu pico as crinolinas atingirem quase dois metros de circunferência, a verdade é que o seu tamanho não costumava ser tão exagerado.

Muitas das fotos e charges que chegaram até nós faziam parte de uma campanha implacável da opinião pública majoritariamente masculina que ridicularizava as vestimentas.

E enquanto para alguns era uma vestimenta que, como disse a historiadora Helene Roberts, “ajudou a moldar o comportamento feminino no papel de ‘escrava primorosa'” e “literalmente transformou as mulheres em pássaros enjaulados cercados por aros de aço”, curiosamente, as escritoras da época descreviam a crinolina como libertadora.

As saias estilo Império que eram usadas no início daquele século eram tão estreitas que era difícil andar.

“Eram calças com apenas uma perna em vez de duas”, observou uma escritora do The Examiner semanalmente em 1863.

Nas décadas seguintes, mais e mais anáguas foram adicionadas para alargá-las, até que se tornaram pesadas, imanejáveis e anti-higiênicas.

É por isso que quando a crinolina chegou, ela foi aplaudida como um avanço tecnológico bem-vindo e prático: todas aquelas camadas que ancoravam as mulheres ao chão foram substituídas por uma única infraestrutura.

“A crinolina é outra palavra para liberdade”, disse a mesma escritora.

Isso as camponesas já haviam descoberto há muitos séculos, quando foram criadas as primeiras versões de armações que levantavam as saias e deixavam as pernas livres.

E essa era também a opinião de muitas sufragistas anos depois, para surpresa de Florence Nightingale, que achava “alarmantemente peculiar” que aquelas que defendiam a utilidade geral das mulheres para o mundo se vestissem de uma maneira que as tornasse inúteis para qualquer tarefa.

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“A Splendid Spread”, sátira de uma versão inicial inflável (com tubo de ar) da crinolina, por George Cruikshank, do The Comic Almanack, 1850

Mas essa opinião de Nightingale era contrário à percepção de muitas em seu tempo.

“Para os próprios vitorianos, a crinolina tinha pouco a ver com submissão, parecendo mais uma trama monstruosa para aumentar o tamanho das mulheres e fazer os homens parecerem insignificantes”, observou a historiadora da moda Christina Walkley.

Essas saias ocupavam “mais espaço público do que uma mulher tinha direito”, comentou a especialista em ilustração vitoriana Lorraine Janzen Kooistra.

“A ansiedade masculina da época diante da agitação pelos direitos das mulheres foi capturada na imprensa popular na imagem visual da crinolina.”

Isso explica a veemência e tenacidade da oposição a essa vestimenta.

Além de melhor mobilidade, ventilação e espaço, a crinolina deu às mulheres um lugar que elas poderiam controlar, evitando avanços físicos indesejados e permitindo que elas escolhessem o que revelar e o que esconder.

Ela tinha potencial para guardar segredos, desde amantes proibidos até gravidez e contrabando.

Tudo isso sem esquecer que, para desgosto de alguns, a crinolina era usada por mulheres de todas as classes sociais, até mesmo por ex-escravas recém-libertas, que, ao usá-las, demonstravam fisicamente a luta pela igualdade social.

Em 1869, quando a tendência continuava, mas a forma e o tamanho dessas roupas começaram a mudar, surgiu um artigo intitulado “Quem matou a crinolina?”.

“Alguns dizem que a crinolina foi varrida por um grande maremoto de bom senso.”

E talvez eles estivessem certos. Mas por mais complicado e perigoso que fosse, aquela controversa roupa íntima feminina foi um prenúncio de ousadas mudanças culturais, apesar de sua aparente frivolidade.