- Auryn Cox
- Da BBC na Escócia
Quando a pandemia de covid-19 forçou empresas a se adaptarem ao trabalho remoto, a britânica Katie Macleod já viajava pelo mundo com seu computador fazendo “home office”.
Ela já trabalhou de hotéis cápsula em Tóquio, no Japão, em meio a tempestades de areia no Saara, no norte da África, e até da Cordilheira do Himalaia, na Ásia Central.
A jovem de 28 anos trabalha como designer gráfica freelancer e já esteve em 78 países.
“E espero visitar 100 países antes dos 30”, acrescenta ela.
Katie faz parte de um número crescente dos chamados “nômades digitais” que desistiram de ter um escritório permanente.
Ela vem documentado suas viagens em seu blog e, desde o início de 2018, viu seu estilo de vida ganhar popularidade.
“Eu pessoalmente atribuiria isso à pandemia; hoje em dia há mais empregos remotos do que nunca no mundo”, diz ela.
Um estudo nos EUA revelou que o número de trabalhadores americanos atuando como nômades digitais mais que dobrou desde o início da pandemia e continua crescendo.
Dave Cassar, chefe global de internacionalização da MBO Partners, empresa que encomendou o relatório, acredita que uma tendência semelhante está acontecendo na Europa.
“Não conseguimos localizar um estudo feito na Europa sobre esse tópico exclusivamente, mas estamos coletando dados e são muito semelhantes aos dos EUA”, diz ele à BBC.
“Na verdade, per capita na Grã-Bretanha, os dados indicam que uma porcentagem maior de pessoas está realmente adotando esse estilo de vida de nomadismo.”
No Brasil, uma pesquisa realizada pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e pela Fundação Instituto de Administração (FIA) indicou recentemente que cresce a intenção dos brasileiros de permanecerem trabalhando em casa após a pandemia, mas muitos relatam ter uma jornada de trabalho muito maior do que a estipulada em contrato.
Segundo o levantamento, 81% dos entrevistados afirmaram que a produtividade, trabalhando de casa, é maior ou igual à da atividade presencial. Sete em cada dez se dizem “satisfeitos” com o home office.
Katie cresceu em Inverness, na Escócia, e estudou design gráfico na capital escocesa, Edimburgo. Após um estágio bem-sucedido, ela começou a trabalhar para uma agência de publicidade com sede em Londres.
Mas ela diz que achava o trabalho monótono, sem graça e sem inspiração.
“A agenda de um dia típico de trabalho sempre era pré-determinada; eu tinha muito pouco tempo para trabalhar em meus objetivos e sonhos pessoais”, diz ela.
“Se soubesse na escola e na universidade que esse estilo de vida existia, teria mais certeza em fazer as escolhas necessárias para realizar o sonho mais cedo”, acrescenta.
“Felizmente, escolhi uma carreira que é muito adequada para o nomadismo digital.”
A pandemia de covid tornou as viagens internacionais mais difíceis, mas Katie se adaptou convertendo uma van em uma “casa móvel” e viajando pelo Reino Unido.
Assim que pôde, Katie voltou a viajar pelo mundo, preferindo ficar em lugares que tenham “espaços de convivência” adaptados especificamente para profissionais que trabalham. Caso contrário, ela se hospeda em Airbnbs ou hotéis que, em sua opinião, estão aprimorando suas estruturas para os viajantes trabalharem remotamente.
Katie reconhece, porém, que estar constantemente em movimento pode ser um desafio.
“Perdi as contas de quantas vezes dormi em chãos de aeroportos “, diz ela.
“Tive que cortar um dobrado para encontrar internet para trabalhar, fui enganada e gastei mais dinheiro porque sou estrangeira e tive mais intoxicação alimentar do que qualquer pessoa comum”.
Segundo uma nova pesquisa da empresa social Flexibility Works, quase um quarto das pessoas que trabalha em escritório na Escócia diz que seu empregador lhe concedeu total liberdade para trabalhar onde quiser.
Catriona Cripps é uma das pessoas que adotou o estilo de vida nômade digital após a pandemia.
Havia 20 anos ela trabalhava como coach de negócios em Stirling, na região central da Escócia, e foi forçada a fazer home office quando o lockdown aconteceu.
Mas ela sempre quis morar na Espanha e viu o trabalho remoto como uma oportunidade para atingir esse objetivo.
Então, em junho, vendeu sua casa e começou a viajar pela Europa, trabalhando online em hotéis e cafés.
“Apenas pensei: ‘se eu não fizer isso agora, quando eu vou fazê-lo?'”, lembra ela.
“Estou na casa dos sessenta anos, tenho menos responsabilidades, não tenho mais pais idosos e meus filhos estão todos crescidos”, diz ela.
Catriona tem gostado da experiência e visitou até agora sete países diferentes. Mas admite que as constantes viagens podem ser “bastante incômodas”.
“É ótimo dizer que fiz 15 cidades e sete países, mas foram muitas viagens que consomem bastante o seu dia”, diz ela.
“Agora reconheço que o que preciso fazer é permanecer em lugares um pouquinho mais, em vez de me deslocar a cada dois ou três dias.”
O outro grande desafio para ela foi encontrar lugares com wi-fi estável o suficiente para poder trabalhar.
“Embora hotéis e Airbnbs digam que têm wi-fi, pode ser um pouco imprevisível, o que não é o ideal quando você está trabalhando online.”
Sem ‘comprovante de residência’
Outro nômade digital, J David Simons, acredita que o maior problema logístico para quem vive esse estilo de vida é não ter endereço fixo.
“Ter um endereço permanente é importante em termos de bancos, impostos, vistos, contratos de aluguel”, assinala.
David, de 68 anos, é um escritor e jornalista de Glasgow (Escócia) que vendeu sua casa em 2017 e estava viajando pelo mundo quando a pandemia começou.
“Tinha uma viagem planejada para o México e Cuba, ótimos apartamentos alugados na Cidade do México e em Havana para trabalhar, e tive que cancelar tudo.”
“Isso me tirou da estrada principalmente nos últimos dois anos, quando estive viajando principalmente entre a Escócia e a Espanha. Mas, é claro, com o Brexit, só posso passar 90 de cada 180 dias na Europa agora.”
David está planejando uma viagem à Espanha no inverno para trabalhar em seu próximo romance.
“Sempre fui meio nômade”, diz ele.
“Quando surgiu a revolução da comunicação digital — banda larga robusta, internet wi-fi gratuita, pude ver a oportunidade de viajar e trabalhar remotamente.”
“Então comecei a me chamar de nômade digital, e até escrevi um conto sobre isso.”
David acredita que os crescentes custos de vida na Escócia e no Reino Unido podem inspirar outros trabalhadores remotos a experimentar o nomadismo digital.
“Não é uma questão de quanto dinheiro você tem; é mais uma questão de saber se você tem um trabalho que pode fazer remotamente”, diz ele.
“Trabalho que pague o suficiente para financiar seu estilo de vida, que em muitos lugares é muito mais barato do que no Reino Unido.”
“Você também precisa de um espírito aventureiro, eu acho, e estar disposto a abraçar mudanças constantes sem ter o que as pessoam chamam de lar.”
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