Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

A maioria das criaturas atinge a maturidade sexual e começa a envelhecer, até que, um dia, morre. Por quê?

Com tantos organismos aquáticos estranhos e maravilhosos movimentando os rios e oceanos, é muito fácil nos esquecermos de um animal muito discreto: a hidra.

A hidra é um parente da água-viva, dos corais e das anêmonas, que vive na água doce. Seu nome vem da serpente da mitologia grega que podia fazer renascer suas cabeças.

Na verdade, não há muito para se ver nela. Ela parece uma semente de dente-de-leão, com um corpo longo e um tufo de tentáculos em uma das extremidades.

Mas a hidra tem uma propriedade marcante que a torna uma curiosidade da biologia: ela pode se regenerar. Se você cortar uma hidra em vários pedaços, cada um deles irá formar um novo indivíduo completo.

Suas propriedades de regeneração atraíram o interesse dos biólogos que buscavam evidências da imortalidade na natureza. Por que essa espécie parece não morrer de causas naturais? Seria a morte mesmo inevitável?

A reprodução e o envelhecimento

O envelhecimento foi descrito em meados do século 20 como uma compensação entre a reprodução e a manutenção celular.

Inicialmente, os corpos dos organismos usam seus recursos para crescer e permanecer saudáveis — para a manutenção das suas células. Na infância e na adolescência, a ênfase é fazer o organismo sobreviver e ficar o mais forte e saudável possível.

Depois da maturidade sexual, a prioridade passa a ser a reprodução. Isso porque a maioria dos organismos têm recursos limitados, de forma que priorizar a geração de filhotes pode ter, como consequência, a queda das condições de saúde.

O salmão, por exemplo, nada contra a corrente dos rios para a desova e morre logo em seguida. Todos os recursos são gastos para dar ao salmão a melhor chance de chegar ao campo de desova. E, assim que chega, ele aproveita a oportunidade da melhor forma possível.

A possibilidade de o salmão nadar de volta para o mar e sobreviver por mais um ano, fazendo a mesma viagem para desovar de novo, é tão remota que a seleção natural nunca favoreceria esses indivíduos. E, de qualquer forma, eles já transmitiram seus genes uma vez, com sucesso.

Mas a compreensão atual de por que os seres vivos morrem é um pouco mais específica. Quando os organismos atingem a maturidade sexual, a força da seleção natural enfraquece e começa o processo de envelhecimento, que leva, por fim, à morte.

O objetivo desse processo não é abrir caminho para a geração seguinte, o que poderia ser “cativante, do ponto de vista do altruísmo”, segundo Alexei Maklakov, professor de Biologia Evolutiva e Biogerontologia da Universidade de East Anglia, no Reino Unido.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Com seu nome inspirado na serpente da mitologia grega, a hidra vive na água doce e tem a notável capacidade de se regenerar

Ao longo da vida, nossos genes colecionam mutações. Algumas são completamente aleatórias, enquanto outras são o resultado da nossa alimentação ou de fatores externos, como a luz ultravioleta. A maioria dessas mutações é inofensiva e muito poucas serão úteis.

Antes da maturidade sexual, “qualquer mutação genética que reduza a probabilidade de um organismo se reproduzir ou que chegue a matar o organismo antes da reprodução, será vigorosamente rejeitada pela seleção natural”, afirma Gabriella Kountourides, bióloga evolutiva do Departamento de Antropologia da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

Mas, depois que o organismo atinge a maturidade sexual, ele é capaz de transmitir seus genes para a geração seguinte. Nesse momento, a força da seleção natural é enfraquecida.

Voltando ao exemplo do salmão, ele faz um trabalho muito bom para chegar à idade adulta e reproduzir-se. Seus filhotes provavelmente também terão a chance de lutar pela desova.

Se ocorresse uma mutação genética no salmão depois da desova que aumentasse aleatoriamente seu período de vida, significando que ele sobreviveria por mais um ano (mesmo que isso fosse extremamente improvável), esses filhotes não teriam nenhuma vantagem particularmente significativa sobre seus irmãos. O salmão já tem uma geração (sem a mutação) espalhada por aí.

Do ponto de vista da seleção natural, o benefício de continuar os esforços necessários para permanecer saudável depois da reprodução é pequeno. Por isso, os genes que oferecem essa possibilidade não estão sujeitos às pressões da seleção para que se tornassem mais comuns.

“O indivíduo gostaria de ficar vivo. Mas, neste ponto, a seleção natural não se dedica tanto, já que não há nada mais para oferecer à geração seguinte”, explica Kountourides.

É claro que nem todos os organismos são tão radicais quanto o salmão, que desova uma vez na vida. Alguns sobrevivem um pouco mais, para ter mais filhotes.

Acúmulo de mutações

A maioria das mutações do DNA terá consequências negativas ou não terá nenhum efeito. Os nossos corpos são capazes de reparar parte dessas lesões do DNA, mas nossa capacidade de reparação deteriora-se com a idade, devido à escassa força da seleção natural.

Por isso, o envelhecimento e a morte acontecem de duas formas: o acúmulo de mutações negativas devido à fraca seleção natural e as mutações que podem ter sido vantajosas para a reprodução, mas que se tornam negativas à medida que a idade avança.

A mutação genética do câncer de mama (BRCA) pode ser um exemplo. Sabemos que ela aumenta significativamente o risco de câncer de mama e do ovário, mas ela também foi relacionada ao aumento da fertilidade das mulheres que possuem as mutações.

Por isso, talvez a mutação genética BRCA ofereça uma vantagem reprodutiva no início da vida, seguida por maiores riscos à saúde posteriormente. Mas, como a seleção natural enfraquece após a maturidade sexual, a vantagem reprodutiva supera a desvantagem.

“O que quer que aconteça no início da vida supera o que acontecer após a idade reprodutiva, pois o potencial reprodutivo é o que realmente interessa”, segundo Kaitlin McHugh, bióloga da Universidade do Estado de Oregon, nos Estados Unidos.

A senescência celular, quando as células param de dividir-se, pode ser outro exemplo de uma vantagem no início da vida que traz uma desvantagem com mais idade. A senescência nos protege contra o câncer porque pode evitar a multiplicação de células com lesões do DNA. Mas, ao longo dos anos, as células senescentes podem acumular-se nos tecidos, causando lesões e inflamações, e são precursoras de doenças relativas à idade avançada.

Embora a maior parte das espécies realmente envelheça, existem exceções. Muitas plantas, por exemplo, exibem “senescência desprezível”, e sabe-se que algumas espécies vivem por milhares de anos.

Um exemplo particularmente curioso é a árvore chamada Pando, na Floresta Nacional Fishlake, em Utah, nos Estados Unidos.

Pando é, na verdade, uma colônia de álamos-trêmulos machos, geneticamente idênticos, unidos por um único sistema de raízes. Ela cobre uma área de mais de 400 mil m2, e estima-se que pese mais de 6 mil toneladas. Estimativas indicam que ela pode ter mais de 10 mil anos de idade.

Já um parente da hidra — a imortal água-viva — tem uma forma criativa de garantir a longevidade. Ela é capaz de voltar do seu estágio adulto para o estado de pólipo em caso de ferimento, doença ou estresse.

“Mas você precisa se perguntar se [ainda] é o mesmo indivíduo ou algo diferente?”, questiona McHugh.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

O envelhecimento foi descrito em meados do século 20 como um transição entre reprodução e manutenção celular

Existe também a indicação de que algumas espécies ficam mais bem sucedidas com a idade — o que é conhecido como “senescência negativa”. Mas suas evidências são vagas, segundo Maklakov.

“Se a ecologia da espécie for tal que a reprodução, por alguma razão, é geralmente baixa ou se o indivíduo não puder se reproduzir no início da vida, isso altera a forma de operação da seleção”, afirma.

Exemplos podem ser encontrados em animais que se acasalam em haréns, como as morsas e os cervos.

Um macho pode controlar todo um grupo de fêmeas. O tamanho do grupo e, portanto, o número de filhotes podem aumentar com o tamanho e a idade. Com isso, seu potencial reprodutivo continua aumentando.

Embora seja verdade que algumas espécies podem manter sua destreza reprodutiva com a idade, elas não são exemplos reais de senescência negativa. Os estudos que afirmaram o contrário provavelmente estão errados, segundo Maklakov. E, por fim, uma morsa não conseguirá manter o controle do harém indefinidamente.

Quantidade de filhos x tempo de vida

O sexo pode desempenhar um papel curioso na forma como envelhecemos.

Mulheres que têm sexo regularmente começam a menopausa mais tarde, segundo um estudo de Megan Arnot e Ruth Mace, do University College de Londres. Elas sugerem que este é um exemplo de compensação — a energia gasta na ovulação pode ser mais bem usada pelo resto do corpo se não houver chance de gravidez.

Mas, no restante do mundo animal, ser mais fértil parece acelerar o envelhecimento. Morcegos que têm mais filhotes vivem por menos tempo que aqueles com ninhadas menores, por exemplo. Pode ocorrer que eles invistam tudo o que têm quando têm a oportunidade de reproduzir-se.

“Existe essa compensação de tempo, em que os organismos que se reproduzem muito cedo na vida não têm o mesmo desempenho na idade avançada”, explica McHugh.

Mais uma vez, a hidra é uma exceção a esta regra. Suas taxas de fertilidade aparentemente não diminuem ao longo da vida.

E existem também as espécies com grandes diferenças de tempo de vida entre os sexos. Tipicamente, formigas, abelhas e cupins têm um rei ou rainha que pode ser altamente fértil e ter vida longa, em comparação com seus trabalhadores estéreis.

Neste caso, por que o custo da reprodução não reduz seu tempo de vida? A resposta pode estar no fato de que o rei ou rainha é protegido de muitas das ameaças enfrentadas pelos trabalhadores. A diferença de estilo de vida entre eles é tão grande que as teorias de envelhecimento não se aplicam da mesma forma.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

A árdua jornada rio acima do oceano cobra um preço tão alto para os salmões que eles morrem logo após a desova

A importância das avós humanas

Se a reprodução tem tanta influência sobre o nosso tempo de vida, por que os seres humanos vivem por tanto tempo depois que muitos de nós paramos de ter filhos?

A hipótese da avó sugere que é importante que os parentes mais idosos permaneçam vivos, porque a reprodução é uma atividade cara e perigosa.

Uma avó pode garantir a sobrevivência de alguns dos seus próprios genes investindo nos seus netos. Por isso, sua vida mais longa pode trazer vantagens do ponto de vista da seleção natural.

“Famílias que têm as avós à sua volta têm aptidão reprodutiva muito mais alta, talvez porque a mãe pode concentrar-se em ter mais filhos enquanto as avós ajudam a criar os que já nasceram”, afirma Kountourides.

Mas, como os netos recebem apenas 25% dos genes de cada avó, elas têm com os netos o mesmo parentesco que têm com seus sobrinhos.

“Pode simplesmente ser que, no passado, não houvesse mulheres suficientes que sobrevivessem até poder reproduzir-se com 50 anos de idade. Por isso, a seleção do que acontece com a reprodução humana aos 50 anos foi muito, muito lenta”, segundo Maklakov — retornando ao princípio central do envelhecimento, de que a seleção natural enfraquece após a reprodução.

Muito do que acontece conosco em idade avançada pode não ser agradável, mas não existe uma força intensa na evolução para ajudar a nos proteger.

Este texto (em português )foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-62562118

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!