- Beverley D’Silva
- BBC Culture
Colunas coríntias, esculturas de deusas, construções ensolaradas pintadas de branco, gerânios plantados em latas de azeite de oliva e, claro, gatos se espreguiçando à nossa volta.
Se você está sonhando com tudo que é grego, não está sozinho. Estamos em meio a um renascimento helenístico — uma fascinação com a estética da Grécia Antiga, profundamente abraçada pela geração Z, como mostra a rede social Pinterest.
De acordo com a plataforma, houve um aumento na quantidade de buscas por expressões como joias da Grécia Antiga (até 120%) e papel de parede com visual de Afrodite (até 180%). E a busca por estátuas da arte grega triplicou.
Podemos especular sobre os motivos desta tendência, mas talvez haja um fundo de verdade na ideia de que a fantasia e opulência da Grécia Antiga são muito atraentes em uma era pós-lockdown — da mesma forma que o estilo New Look, do estilista Christian Dior, marcou o retorno à moda mais elegante depois das roupas austeras e práticas usadas na Segunda Guerra Mundial.
Não é novidade que a influência e o impacto da Grécia Antiga estão presentes nos dias de hoje. A Enciclopédia Britânica define a expressão “Grécia Antiga” como a região do nordeste do Mediterrâneo, entre “o fim da civilização micênica (1200 a.C.) e a morte de Alexandre, o Grande (323 d.C.)”.
A região era um dos lugares mais importantes do mundo na época. O povo de Hellas, como eram chamadas as terras dos helenos (as denominações “Grécia” e “gregos” foram criadas mais tarde, pelos romanos) era formado por grandes pensadores, escritores, guerreiros, atores, atletas, artistas e políticos.
Em seu livro de história The Greeks (“Os gregos”, em tradução livre), o professor britânico Roderick Beaton escreve que as civilizações gregas foram “a origem de grande parte das artes, ciências, política e do direito que conhecemos hoje em todo o mundo desenvolvido”.
Pense em Aristóteles e nos seus estudos das plantas, animais e rochas; em Heródoto ao descrever a história; ou em Sócrates e Platão, na filosofia. Os gregos foram pioneiros na democracia; na escrita, usando o alfabeto; nos Jogos Olímpicos; na geometria e nos cálculos matemáticos; nas inovações da saúde (o juramento de Hipócrates é o padrão da ética para os médicos até hoje); na arquitetura imponente, como o Partenon, o Templo de Zeus e a Acrópole; no teatro, com a comédia e a tragédia grega; e na linguagem — estima-se que 150 mil palavras derivadas do grego ainda estejam presentes na língua inglesa, por exemplo.
E ainda não chegamos sequer a falar em religião e em divindades. Considerando apenas seu valor como fantasia, o que poderia ser melhor do que a ideia de uma família com superpoderes — como Zeus, Hera, Afrodite, Atena, Apolo e Poseidon — morando em um palácio nas nuvens no alto do monte Olimpo, com cada um controlando um aspecto diferente da vida?
Para algumas pessoas, como o escritor Eric Weiner, autor do livro The Socrates Express (“O expresso de Sócrates”, em tradução livre — um tratado sobre a filosofia e as viagens dos povos antigos), os antigos gregos têm muito a nos ensinar sobre valores hoje em dia.
Em um ensaio sobre como a tecnologia pode nos iludir, inspirado especificamente no noticiário de guerra, Weiner escreve: “Uma forma de construir um futuro mais brilhante é revisitar o passado. Particularmente, a Grécia Antiga.”
Ele acrescenta: “Os gregos, por mais imperfeitos que fossem, veneravam a beleza, a justiça e a perfeição moral. Por isso, eles cultivavam esses valores. Nós veneramos a velocidade, a conectividade e a portabilidade, e é isso que nós recebemos.”
A primeira grande civilização grega
Se os antigos gregos tiveram tanto sucesso, foi porque eles seguiram os passos de civilizações gigantes do seu passado, como os micênicos, cuja trajetória foi contada por Homero nas histórias épicas de Ilíada e Odisseia.
Mas provavelmente os mais fascinantes e certamente mais misteriosos foram os poderosos minoicos.
Primeira grande civilização grega e primeira alfabetizada da Europa, os minoicos, ou cretenses, moravam em Creta, a maior e mais populosa das ilhas gregas, entre os anos 2200 e 1450 a.C.
Eles foram uma “civilização avançada”, que viveu em uma “terra de prosperidade e plenitude”, segundo Beaton.
A civilização minoica ficou conhecida quando a antiga cidade de Knossos, na ilha de Creta, foi descoberta em 1878 pelo arqueólogo amador Minos Kalokairinos, nativo da ilha.
Mas seria escavada somente em 1900, quando o arqueólogo britânico Arthur Evans comprou o terreno.
Evans e sua equipe trabalharam por 35 anos em dois hectares de ruínas e revelaram o complexo do palácio minoico na cidade mais antiga da Europa.
As descobertas mostraram uma civilização (que Evans batizou com o nome do rei da ilha, Minos) de navegadores bastante sofisticados.
Os minoicos também inventaram sistemas avançados de drenagem, pátios e varandas para protegê-los de intempéries — fabricavam ainda joias requintadas, cerâmicas, esculturas e afrescos em que retratavam animais, como golfinhos e touros.
Quando as notícias sobre os minoicos chegaram à imprensa, houve intenso interesse dos acadêmicos e artistas em todo o mundo. Em 1933, por exemplo, o filósofo Georges Bataille e o artista André Masson — ambos, franceses — lançaram uma revista sobre arte de vanguarda à qual deram o nome de Minotaure.
Animal mitológico, metade touro e metade homem, o minotauro morava em um labirinto projetado por Dédalo e seu filho Ícaro, sob o comando do rei Minos.
A criatura foi retratada na arte de Max Ernst, André Breton e Pablo Picasso, que criou várias obras com o personagem. O poder físico e a energia sexual do minotauro, além de suas relações com o inconsciente, foram aspectos nos quais Picasso teria encontrado uma forte conexão com si mesmo.
A moda também ficou fascinada com a elegância minoica. Em 1912, o designer espanhol de moda e tecidos Mariano Fortuny ganhou fama ao criar uma echarpe de seda chamada Knossos, inspirada nas vestimentas antigas da ilha de Creta.
Já os tecidos do estilista grego Yannis Tseklenis, uma grande marca internacional, eram estampados com vasos gregos antigos e manuscritos bizantinos. Enquanto os ousados desenhos helenísticos do designer de moda italiano Gianni Versace tinham um estilo próprio e viraram sinônimo da decadência da Grécia nos anos 1970 e 1980.
‘Geograficamente circunscrita’
Com toda essa influência minoica sobre os artistas, por que parece que sabemos menos sobre eles do que sobre outras civilizações antigas?
Nicoletta Momigliano, professora de estudos egeus da Universidade de Bristol, no Reino Unido, afirmou à BBC Culture que uma das razões é o fato de que “a civilização minoica era relativamente circunscrita, geograficamente falando, às regiões do mar Egeu e do leste do Mediterrâneo — por isso, eles não tinham a mesma difusão geográfica dos romanos, por exemplo”.
Momigliano acrescenta: “Além disso, os sistemas de escrita dos minoicos (linear A e pictográfico de Creta) não foram totalmente decifrados, e não sabemos muito sobre os idiomas que eles usavam. Temos alguns documentos escritos e conseguimos entender um pouco do seu conteúdo, mas não muito.”
A professora afirma que é difícil decifrar esses textos porque “a menos que você tenha algo como a Pedra de Roseta, você precisa ter muitos documentos — da mesma forma que para decifrar códigos, como foi feito em Bletchley Park [antiga instalação militar secreta britânica onde se concentravam os trabalhos para decifrar os códigos secretos alemães] durante a Segunda Guerra Mundial”.
‘Poder, beleza e trevas’
Mas de todas as descobertas nas ruínas de Knossos, a que causou maior sensação foi a das estatuetas da deusa das serpentes.
Encontrada em 1903, a estátua maior tem uma serpente enrolada em volta do seu corpo e braços; uma estatueta menor mostra a deusa segurando serpentes em cada uma de suas mãos erguidas. Ambas têm seios nus e saias em forma de sino, que acredita-se serem símbolo da fertilidade e da natureza, enquanto as cobras evocam o submundo.
As estátuas da deusa das serpentes ficam em exposição permanente no Museu Arqueológico de Heraklion, capital da ilha de Creta. O museu afirma que “são os objetos culturais mais importantes da coleção do Templo de Knossos”.
E elas também trazem a seguinte questão: será que a antiga ilha de Creta era um matriarcado?
Kelly Macquire, do site Ancient History Encyclopaedia, afirmou em um podcast que “as mulheres eram muito importantes na religião minoica, mais do que em qualquer outra civilização, e sabemos disso devido às estátuas da deusa das serpentes encontradas em contextos minoicos e à proeminência das sacerdotisas na arte minoica”.
Ao comentar sobre os antigos palácios de Creta (o de Knossos era o maior deles), Roderick Beaton escreveu: “É possível que a maior divindade de todas seja a deusa com seios nus e cintura flexível, muitas vezes representada sobre o topo de uma rocha, contemplada por homens ou animais silvestres em adoração”.
Não se sabe ao certo se a ilha era governada por mulheres, mas ele acrescenta: “É notável que os gregos da idade clássica reservassem posições de importância para as mulheres dominantes nas suas histórias, ao mesmo tempo em que excluíam a maioria das mulheres dos cargos públicos ou das posições de autoridade na vida real”.
Beaton lista os mitos “repletos de mulheres exuberantes e poderosas”, como Clitemnestra, Electra, Medeia, Medusa e a “insaciável rainha Pasífae”, esposa do rei Minos. E ressalta que algumas delas tinham lados monstruosos.
As esculturas da deusa das serpentes seduziram artistas, incluindo Judy Chicago, artista feminista americana. Sua obra intitulada O Jantar (1974-79) é conceitual, na forma de uma mesa em formato triangular, com quase 15 metros de cada lado e 39 lugares, cada um deles representando uma mulher mítica, lendária ou histórica. Um dos lugares é uma homenagem à deusa das serpentes, com o pano de mesa com seu nome bordado.
O Jantar encontra-se em exposição permanente no Museu do Brooklyn, em Nova York, nos Estados Unidos. O site do museu indica que o desenho e as cores do prato, dos talheres e do cálice são “baseados, em grande parte, nas estátuas da deusa das serpentes da ilha de Creta”.
Nos últimos anos, a estilista grega Mary Katrantzou incluiu imagens das deusas minoicas em seu trabalho, enquanto a designer de moda e joias grega Sophia Kokosalaki abordou o enigma da deusa das serpentes e da cultura minoica de forma mais genérica.
Descrita pela revista Vogue como “a designer que deu ânimo e vigor à moda”, Kokosalaki morreu em outubro de 2019, aos 47 anos. Ela nasceu em Atenas e estudou na faculdade de artes e design Central Saint Martins, em Londres, onde criou sua marca de roupas e joias de luxo com grande sucesso.
Ela sempre manteve sua paixão pelo país natal e pela ilha de Creta, onde seus pais nasceram. E contava que o enigma da deusa das serpentes era o seu “favorito”, desde que a viu pela primeira vez com seis ou sete anos de idade.
A designer afirmou à edição britânica da revista Vogue que a deusa, com seus “seios expostos e cintura fina”, representava “o poder, a beleza e também um elemento de trevas [que] moldaram minha estética logo cedo”.
O nome de Kokosalaki como designer ficou conhecido mundialmente com os modelos que ela desenhou para a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Atenas em 2004. Eles conquistaram admiradores importantes, como as atrizes Keira Knightley e Kate Hudson.
Antony Baker, viúvo e sócio de Kokosalaki, é agora diretor da empresa que eles fundaram juntos em 1999 — e assumiu também a função de designer.
Criar ele mesmo os designs foi mais fácil do que contratar um designer, diz ele à BBC Culture:
“Conheço com tanta clareza o que ela gostava… antes de morrer, Sophia me disse que queria que eu mantivesse a marca ativa para nossa filha, Stelli.”
A nova coleção (outono/inverno 2022/2023) deixa claro que Baker dá continuidade à visão da esposa falecida. Suas peças deslumbrantes, compostas de ouro, prata e pérolas, apareceram recentemente na Vogue.
As joias da coleção são inspiradas em artefatos marítimos, como âncoras, cordas e velas de navios, associados à Guerra de Troia e à viagem de volta para casa de Odisseu, contada em Odisseia.
“Observei o barco que desce ao Hades, como os barcos eram feitos e suas belas associações”, conta Baker.
O mistério e a arte
Quem também compartilha a mesma paixão pelas coisas da ilha de Creta é Katerina Frentzou, que mora em Atenas e é fundadora da organização Branding Heritage, uma vitrine para os artesãos e designers gregos contemporâneos, incluindo as tecelãs tradicionais cretenses.
A primeira exibição da Branding Heritage, intitulada Minoicos Contemporâneos, mostrou os ecos da arte daquela civilização, com seus padrões geométricos e labirínticos, flores de lótus e símbolos apícolas, ressoam nos dias de hoje.
A coleção da Branding Heritage será lançada na forma de museu virtual em 3D em setembro de 2022.
Entre seus designs, estão um colar de Sophia Kokosalaki com facas de prata; um conjunto de jaqueta drapeada com top e saia do designer Ergon Mykonos, usando tecido estampado com o emblema da deusa das serpentes; e os tecidos artesanais de Maria Sigma, inspirados em Astério, o Minotauro.
Tudo isso, sem falar em um vaso de argila decorado com um polvo gigante. Inspirada em um vaso minoico, a peça foi criada pela ceramista Lilah Clarke, neta do arquiteto Theodore Fyfe, da equipe do arqueólogo Arthur Evans. A artista combina a cultura antiga e a sensibilidade moderna.
E, no fim das contas, não é isso que estes artesãos e designers estão fazendo agora? Eles refletem uma cultura com um mistério sedutor que será mantido enquanto não encontrarmos uma forma de decifrar seus textos escritos.
Até que isso aconteça, podemos continuar a sonhar e criar, o que talvez não seja ruim. Como disse Einstein, “a experiência mais bela que podemos ter é o mistério. Ele é a fonte da verdadeira arte e da ciência.”
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