- Ana Paula Ramos
- Da Suécia para a BBC News Brasil
Paloma Arakaki estava feliz. Depois de dois anos sem emprego, conseguiu uma vaga em uma distribuidora para mercados de Kawasaki, cidade vizinha de Tóquio, no Japão. O serviço era tranquilo, e o salário era bom, mas, há um mês, houve um imprevisto que provocou sua demissão.
O filho Kouji, de 2 anos, teve febre, e ela precisou faltar um dia para levá-lo ao médico. A brasileira de 28 anos recebeu uma ligação no mesmo dia.
“Meu chefe me disse que não era certo o que eu estava fazendo, faltando e atrapalhando a empresa e que era para eu desistir da vaga. Eu insisti que queria ficar, mas ele disse para eu sair já que tinha que cuidar dos meus filhos”, diz.
Paloma conta que chorou ao desligar o telefone. Por mais que estivesse gostando do trabalho, não podia garantir que algo assim não aconteceria de novo, e, para seus patrões, faltar ao serviço por causa filhos não era justificável.
“Ele perguntou se eu iria trabalhar no dia seguinte, mas meu filho ainda estava com febre, e não pude confirmar. Acabei concordando em sair. Não entendo como eles não compreendem isso, avisei que tinha filhos antes de entrar. Foram dois anos sem emprego, e eu estava bem contente”, desabafa.
A luta de Paloma para cuidar dos filhos e trabalhar no Japão começou em 2020, muito antes deste episódio, quando ficou grávida de Kouji.
Na época, estava há três anos trabalhando no depósito de um mercado, em um serviço leve que envolvia carregar caixas vazias. Mas, quando anunciou a gravidez, ela conta que teve que travar uma batalha para não ser demitida.
“Eles disseram para eu pedir as contas. Insistiam todos os meses quando me entregavam o holerite, falavam que ia receber os benefícios mesmo se saísse. Comecei a pesquisar e vi que, se não trabalhasse até o sétimo ou oitavo mês, não receberia nada.”
Por ter resistido e procurado a ajuda do Ministério do Trabalho, Paloma conseguiu tirar a licença-maternidade, mas depois do estresse e a insistência para desistir da vaga, não voltou ao mesmo emprego. Quando chegou a hora de procurar um novo serviço, os desafios recomeçaram.
O Japão sofre com uma questão social que afeta as mulheres: ter filhos e uma carreira parece ser privilégio para poucas, e a maioria têm de escolher entre um e outro, como aponta o Glass Ceiling Index, ranking anual da revista The Economist sobre os melhores e piores países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para as mulheres trabalharem.
A lista de 29 nações coloca o Japão na 28ª posição, acima apenas da Coreia do Sul. E a justificativa dos pesquisadores é que o país ainda tem um sistema que obriga a mulher a escolher entre filhos e carreira.
“O peso de cuidar dos filhos e da casa costuma recair sobre as mulheres, e é muito difícil conciliar trabalho com a vida doméstica. As empresas preferem quem tem disposição para trabalhar longas horas, e, por isso, muitas mulheres não querem mais ter filhos”, explica Naoko Sasaki, líder da ONG Matahara Net, que ajuda trabalhadoras que são mães a combater abusos no trabalho.
A organização atende mais de cem consultas por ano. São mulheres que sofrem pressões para deixar o emprego, perdem de direitos ou sofrem maus tratos de colegas e chefes por estarem menos dispostas por causa da gestação e disponíveis por conta das necessidade dos seus filhos.
Este ano, a ONG abriu um grupo online de troca de mensagens e tem registrado cerca de dez publicações diárias. Em muitos casos, as mulheres são aconselhadas a procurar ajuda do Escritório de Trabalho da região, um órgão do governo que recebe as denúncias dos trabalhadores e orienta as empresas, o sindicato trabalhista e mesmo um advogado para buscar garantir que a lei que protege mães e gestantes seja cumprida.
As mães brasileiras que são demitidas
Os abusos contra as mães que trabalham afetam também as mulheres japonesas, mas a Matahara Net quase não recebe consultas de gestantes nativas com problemas de demissão.
“É ilegal demitir gestante e depois que a informação foi amplamente divulgada, esses casos se tornaram raros. Nos últimos dois anos, quase não houve consultas de japonesas grávidas que foram demitidas. Por outro lado, há problemas como a pressão para deixar o trabalho depois da licença e tentativas de rebaixar o cargo da funcionária que se tornou mãe”, explica Sasaki.
Mas, na comunidade brasileira, o assunto é recorrente. Nos grupos online, não faltam relatos de trabalhadoras pedindo ajuda por terem sido instruídas a deixar o serviço depois de anunciar a gravidez. Na maioria dos casos, quem tem experiência com isto dá o mesmo conselho: “Não assine nada ou perderá seus direitos”.
A brasileira Juliana Afonso Miyashima, de 27 anos, mora em Shizuoka, na região central do país. Em fevereiro de 2021, descobriu que estava grávida de gêmeos. Na época, trabalhava em uma fábrica de embalagens com um ritmo intenso e muitas horas extras.
“Quando contei e pedi que me mudassem de setor, não deixaram. Continuei o serviço pesado e tive um sangramento. O médico mandou uma carta para me afastar, e eles queriam me desligar”, conta.
Ela não aceitou a proposta. Se tivesse aceito, teria ficado sem licença-maternidade e outros benefícios extras pelo fato da sua gravidez ser de risco.
“Uma amiga passou pelo mesmo e disse para eu pedir ajuda do sindicato. Eles brigaram com a empresa e garantiram que eu recebesse tudo”, diz.
Os relatos ouvidos pela reportagem sugerem que lidar com a tentativa de demissão logo depois de descobrir a gravidez é bastante estressante e confuso para uma estrangeira com pouco conhecimento do idioma local ou das leis do país.
Nos grupos online, algumas mulheres comentam que acabaram acreditando na conversa das empresas, assinaram a demissão e ficaram sem direitos.
Enquanto algumas conseguem forças para correr atrás dos direitos, outras acabam acreditando nas empresas, ficam sem licença-maternidade e só descobrem que foram enganadas quando é tarde demais.
Na região de Shizuoka, um brasileiro que cresceu no país abriu uma empresa para cuidar desses casos. Derick Kameda fundou a Life Support e é associado ao sindicato local.
Dos 160 casos de trabalhadores que atendeu no ano passado, ele conta que de 30 a 40 eram de brasileiras grávidas que estavam sofrendo tentativas de demissão.
Ele costuma acompanhar as clientes nas empreiteiras que contratam e oferecem as vagas nas fábricas. Esse tipo de empresa é responsável pelas contratações de brasileiros no Japão e é onde acontecem as tentativas de demissões ilegais. Derick conta que há muitos funcionários sem o conhecimento das leis, além dos casos de má fé.
“Quando a trabalhadora diz que está grávida, eles contam meias verdades. Falam que ela não trabalhou por um ano e, por isso, não tem direitos, mas não precisa ter trabalhado um ano no mesmo lugar. Vejo casos de desinformação, mas também de má fé, quando dizem que a demissão não é pela gravidez, que não vão renovar e contrato e é isso. A gestante fica confusa, não sabe que é ilegal.”
Maus tratos e pressão na fábrica
Em outro caso, uma brasileira que insistiu para ficar no trabalho conta ter enfrentando pressão e abuso psicológico que prejudicou sua saúde durante a gestação.
Tatiana Conti, de 38 anos, passou por esta situação em outubro de 2020, quando descobriu a gravidez. Ela estava há 11 meses em uma fábrica de ar-condicionado e o serviço era em um galpão aberto e exposto ao frio, onde operários trabalhavam com peças de isopor e lixas.
“Sofro de sinusite crônica e, logo no início, pedi para a chefe me mudar de lugar, porque não queria ficar doente e ter que faltar. Eles se recusaram, e aí precisei faltar por motivo médico e por causa do meu filho mais velho, e ela começou a me passar serviço pesado de propósito”, conta.
A situação foi ficando cada vez pior. Quando estava com cinco meses de gestação e depois de ter ficado doente e faltado, Tatiana conta que foi castigada.
“No dia seguinte, ela me deixou o dia todo fazendo uma peça enorme no galpão. Fiquei com mal jeito nas costas, mal conseguia andar e chorei de tanta dor. As chefes viram que eu estava mal, mas ninguém perguntou por que eu chorava, não pediram para eu parar, não demonstraram nenhuma preocupação.”
A brasileira acredita que isso foi uma forma de pressioná-la a desistir do trabalho, mas ela aguentou firme.
“Chegou ao ponto que todas as peças leves ela passa para outros, menos para mim, ignorando por completo que eu estava grávida.”
Quando faltava um mês para ter direito a licença, Tatiana conta que teve uma gripe forte e se ausentou por cinco dias. Quando voltou, ouviu que estava sendo dispensada e correu atrás dos seus direitos, até conseguir ajuda do sindicato e garantir que a empresa desse entrada na licença-maternidade.
“Fui muito injustiçada. O meu filho nasceu com sete meses, ficou 15 dias na incubadora e teve um problema no coração. Hoje, ele está com 1 ano e 3 meses e está tudo bem, graças a Deus. Consegui meus direitos, mas sei que muitas conterrâneas passam pelo o que eu passei ou coisas piores e ficam sem receber”, lamenta.
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