- Author, James FitzGerald
- Role, Da BBC News em Paris
Durante a final do salto da ginástica artística na Olimpíada de Paris 2024, na Arena Bercy, no sábado (3/8) — quando a americana Simone Biles conquistou o ouro e a brasileira Rebeca Andrade, a prata — uma ginasta foi flagrada aplaudindo suas rivais: An Chang-ok, da Coreia do Norte.
A ginasta norte-coreana de 21 anos não só dividiu os holofotes com Biles e Rebeca, mas também com Yeo Seo-jung, da Coreia do Sul. As duas Coreias estão em guerra há mais de 70 anos.
An sorriu e acenou para as câmeras de TV e até abraçou uma das outras competidores — um raro sinal de interação com estrangeiros para uma jovem que, além de competir, precisa realizar uma “ginástica diplomática” enquanto é cuidadosamente acompanhada em sua viagem.
A decisão de Pyongyang de enviar atletas para estes Jogos — incluindo dois que posaram para uma selfie com rivais sul-coreanos — gerou esperanças de que o regime secreto poderia estar começando a se reabrir após um longo período de isolamento. Isso ocorre após um período tenso, no qual o Norte enviou mais de 300 balões com lixo para o Sul.
A participação do Norte nos Jogos indicou um retorno “notável” ao cenário internacional, diz Jean H Lee, ex-jornalista da Associated Press que abriu o primeiro escritório da agência de notícias na capital norte-coreana, Pyongyang.
O Norte não enviou atletas para a Olimpíada de Tóquio em 2021, quando o país se isolou ainda mais devido à pandemia de Covid-19.
Em Paris, o Norte está “fazendo um esforço para se reintegrar à comunidade internacional”, diz Lee, “independentemente do que está acontecendo com seu programa nuclear, que é sempre o elefante na sala”. As ambições nucleares do Norte são uma fonte contínua de tensão com o Sul e os EUA.
Essa nova geração de atletas norte-coreanos conquistou duas medalhas de prata em Paris e surpreendeu ocasionalmente os comentaristas esportivos, que não sabiam o que esperar deles. Ganhar medalhas não era o único objetivo do país, segundo o professor Ramon Pacheco Pardo, do King’s College London, que escreveu extensivamente sobre as duas Coreias.
A “diplomacia esportiva” tradicional da Coreia do Norte envolve uma participação limitada em eventos internacionais para mostrar que o país é normal, explica Pacheco Pardo. Atletas são alguns dos “poucos representantes do Norte que não são vistos com desconfiança” pelo mundo.
O contraste no apoio a An e Biles não poderia ser mais evidente. Em uma competição anterior em Paris, Biles foi aplaudida por uma série de celebridades, incluindo Lady Gaga, Ariana Grande, Tom Cruise e Snoop Dogg. Milhares de fãs gritaram seu nome no sábado também.
Por outro lado, An recebeu apenas uma saudação educada dos espectadores neutros. Ela não tinha compatriotas presentes, pois os norte-coreanos comuns são impedidos de sair do país. É improvável que alguém estivesse assistindo em casa, já que os Jogos não estão sendo transmitidos ao vivo na Coreia do Norte, segundo a Radio Free Asia (RFA). A BBC encontrou apenas alguns relatos em texto na mídia controlada pelo governo.
No entanto, “a elite de Pyongyang certamente saberá, de alguma forma, os resultados olímpicos à medida que chegam”, diz John Everard, ex-embaixador do Reino Unido na Coreia do Norte de 2006 a 2008.
An está entre os 16 atletas norte-coreanos que viajaram para uma cidade anfitriã luxuosa, muito diferente do austero aeroporto de Pyongyang, onde foram filmados partindo no mês passado.
Os principais atletas do Norte provavelmente têm algum conhecimento do mundo exterior, mas ainda haveria um “fator de choque”, acrescenta Everard.
Um dos momentos marcantes dos Jogos até agora foi um raro encontro que parecia quebrar barreiras: quando um jogador de tênis de mesa sul-coreano, vencedor do bronze, tirou uma selfie com seu parceiro de duplas mistas ao lado da dupla norte-coreana vencedora da prata.
Será que a liderança em Pyongyang antecipou ou apreciou esse breve símbolo de unidade entre duas nações que ainda estão tecnicamente em guerra?
Concordar com a selfie foi “uma mensagem” do Norte, diz Pacheco Pardo, especulando que a medida teve o consentimento de Pyongyang.
“A Coreia do Norte está indicando que não tem problema com o povo sul-coreano — o problema é com o governo sul-coreano.”
De qualquer forma, o momento não foi totalmente inesperado, após um evento similar em 2016. E dois anos depois, Norte e Sul formaram uma equipe conjunta feminina de hóquei no gelo nos Jogos de Inverno no Sul.
A selfie é uma das poucas interações visíveis do Norte com o mundo exterior durante os Jogos, que também incluiu uma coletiva de imprensa protocolar com os dois jogadores de tênis de mesa.
Fora dos estádios, imagens não verificadas mostraram An segurando uma coleção de pin-badges, que são itens populares trocados por ginastas internacionais.
Após tanta exposição ao mundo ocidental, os atletas provavelmente passarão por um intenso processo de “debriefing” ao retornarem para casa para garantir que mantenham a mensagem, diz Lee.
Contrariando o mito, qualquer atleta considerado “fracassado” provavelmente não será punido, argumentam os analistas.
Mas eles podem enfrentar extenuantes sessões de “autocrítica”.
“O grande impacto de não ganhar uma medalha não é tanto a punição, mas o fato de não obter todos os benefícios possíveis”, diz Everard.
Atletas vitoriosos podem receber status elevado na sociedade e até prêmios como uma nova casa.
Resta saber se essa nova diplomacia esportiva resultará em conversas significativas entre as duas Coreias.
A relativa boa vontade em Paris foi brevemente ameaçada no início por uma polêmica quando os organizadores confundiram os nomes das duas nações na cerimônia de abertura, pelo que se desculparam posteriormente.
Fora da Arena Bercy, após a ginástica de sábado, uma fã de Seul não estava convencida de que a política mudaria muito. No entanto, ela diz que ver atletas compartilhando um palco era, pelo menos, um lembrete de que todos os coreanos estavam unidos por algo “humano”.
Fonte: BBC