Crédito, Paulo Whitaker/Reuters

Legenda da foto, Silvio Santos durante desfile da Tradição, no Rio de Janeiro, em 2001

  • Author, Tom Cardoso
  • Role, Para a BBC News Brasil

Dono do SBT, o apresentador e empresário Silvio Santos, morto neste sábado (17/8), aos 93 anos, não deu trabalho apenas para a TV Globo, ao ameaçar por diversas vezes o primeiro lugar de audiência da maior emissora do país.

Em 1989, o comunicador também incomodou – e muito – o líder das pesquisas para a presidência da República, Fernando Collor de Mello.

O jovem e ambicioso governador de Alagoas, a despeito de concorrer com um partido pequeno, o Partido da Renovação Nacional (PRN), contava com o apoio declarado da maioria do empresariado e do todo-poderoso presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho.

“Ele [Collor] é mais assentado, mais ponderado e mais equilibrado, com suas boas ideias privatistas (…) Vou influir o máximo possível a favor dele”, declarou Marinho, numa rara entrevista à Folha de S. Paulo.

A candidatura presidencial de Silvio Santos, oficializada de última hora no dia 31 de outubro de 1989, a duas semanas do primeiro turno, começou a ser gestada a partir de duas disputas, uma política e outra empresarial.

Apesar de surgir como o nome mais forte para derrotar os dois grandes candidatos da esquerda, Lula e Leonel Brizola, Collor não era uma unanimidade entre o establishment político. Sobretudo por se projetar nacionalmente como um crítico feroz dos donos do poder mesmo sendo fruto da elite política alagoana.

Filho do senador Arnon de Mello, um dos cardeais da Arena, partido de sustentação da ditadura militar, Collor elegeu como principal alvo de seus ataques o então presidente José Sarney.

Velha raposa da política brasileira, Sarney decidiu se mexer. Para isso, escalou três cardeais do Partido da Frente Liberal (PFL), Hugo Hugo Napoleão, Edison Lobão e Marcondes Gadelha. O objetivo era tentar convencer Aureliano Chaves, candidato do partido à presidência, com minguados 2% nas pesquisas, a desistir da disputa.

Ele sairia de cena para dar lugar a um candidato muito mais popular e carismático, conhecido de todos os brasileiros, que entraria no pleito com pelo menos 20% das preferências de votos para fazer frente a Fernando Collor: Silvio Santos.

Apesar de nunca ter exercido um cargo político, o animador não era propriamente um outsider. Como proprietário do segundo maior canal de televisão do país, mantinha relação estreita com todos os presidentes da República, o próprio Sarney e também os da ditadura militar.

Foi durante esse período que ele obteve autorização para operar canais de TV no Rio, São Paulo, Porto Alegre e Belém, o que possibilitou ao conglomerado a formação do Sistema Brasileiro de Televisão, o SBT.

Sarney era elogiado frequentemente no programa “Semana do Presidente”. O quadro foi criado em 1981, em pleno mandato do general João Figueiredo, para divulgar os feitos do Planalto, sempre num tom ufanista.

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Silvio Santos com a filha, Patricia Abravanel, em agosto de 2001

Silvio Santos havia recusado inúmeros convites para entrar na política. Mas, em 1989, a ideia lhe pareceu tentadora. Mesmo que ele perdesse o segundo turno para um nome da esquerda, uma vitória já estava assegurada: a implosão do candidato preferido da TV Globo e do Ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães.

ACM era dono de uma afiliada da emissora na Bahia e mantinha laços históricos com Roberto Marinho. Com Collor presidente, o abismo que separava a emissora mais poderosa do país das demais concorrentes aumentaria ainda mais.

Os três escudeiros de Sarney estavam próximos de convencer Aureliano Chaves a ceder a chapa para Silvio Santos – o que só não aconteceu por conta da rápida intervenção do empresário Antônio Ermírio de Moraes.

O dono do grupo do Votorantim, assim como seus colegas da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), temia que a entrada de Silvio Santos na disputa contribuísse para dividir os votos da direita. Com os votos concentrados em Collor, este campo político tinha representação assegurada no segundo turno do pleito.

Ermírio de Moraes prometeu a Aureliano Chaves o que nenhum outro cacique do seu partido havia garantido: dinheiro para a sua campanha. Três dias depois do jantar com o dono da Votorantim, Aureliano voltou atrás e manteve a candidatura pelo PFL. Restou a Silvio Santos tentar a disputa em um partido de pouca expressão.

E assim, depois de uma rápida negociação, ele tomou o lugar do pastor Armando Corrêa, candidato do nanico Partido da Mobilização Nacional (PMB).

O pedido de registro para a chapa Silvio Santos e Marcondes Gadelha foi feito a apenas 11 dias das eleições. Era época de voto impresso e as cédulas eleitorais já estavam prontas com o nome de Armando Corrêa.

Problema parcialmente resolvido pelo talentoso animador de auditório. Com pouquíssimos segundos no horário eleitoral, Silvio Santos tentou ser o mais didático possível: “No dia das eleições, não haverá Silvio Santos na cédula. Vocês deverão colocar o X e marcar 26. Por favor, não escrevam na cédula porque anularão o voto”, disse. “E podem acreditar: o Silvio Santos vai lutar por vocês, defender os interesses do povo e o desenvolvimento do Brasil. Quem acredita em mim deve votar no 26.”

Com a entrada de Silvio Santos na disputa, o temor da FIESP se confirmou. As pesquisas indicaram que o novo postulante tirava votos de Collor.

A poucos dias do pleito, entraram em cena dois obscuros personagens da política brasileira, ainda desconhecidos dos corredores de Brasília, mas que mais tarde estariam estreitamente ligados a dois processos de impeachment enfrentados por presidentes da República: PC Farias e Eduardo Cunha.

Tesoureiro da campanha de Fernando Collor, PC Farias colocou em campo um de seus mais aguerridos funcionários, responsável pela arrecadação do comitê de campanha no Rio e que já demonstrava um talento raro para circular entre as esferas de poder.

Habilidade que rendeu a Eduardo Cunha, ex-economista da Xerox do Brasil, o apelido – dado por PC – de “papabiru”. Mistura de papagaio (por conta do nariz, proeminente) com gabiru, um tipo de rato esperto e traiçoeiro.

Eduardo Cunha agiu rápido e com enorme eficiência ao descobrir que o partido de aluguel de Silvio Santos, o PMB, não havia promovido convenções em um mínimo de Estados, como mandava a legislação.

No dia 9 de novembro de 1989, a menos de uma semana das eleições, o Tribunal Superior Eleitoral barrou, por 7 votos a 0, a candidatura de Silvio Santos, deixando livre o caminho para Collor. Agradecido, PC Farias conseguiu para Cunha a presidência da Telerj, a estatal de telefones do Rio.

Com Silvio Santos fora da jogada, Collor levou o primeiro turno, com 30% dos votos, quase o dobro de votos do segundo colocado, Lula. No segundo, a disputa com o petista foi mais apertada. O candidato do PRN venceu por 53% a 46% e, assim, se tornou o primeiro presidente eleito por voto direto após a ditadura militar.

Sabotado de novo pelo PFL

Em 1992, três anos depois da frustrada tentativa de chegar à presidência da República, Silvio Santos decidiu entrar novamente para a política.

Lançou-se como pré-candidato à Prefeitura de São Paulo. De novo, assim como em 1989, os diretores do PFL mexeram os pauzinhos para enfraquecer a sua candidatura, com a diferença de que, desta vez, o apresentador estava filiado ao Partido da Frente Liberal.

Durante a convenção para escolher o candidato da sigla, o grupo contrário à sua candidatura trocou sopapos e chutes com seus apoiadores. No fim, o deputado Arnaldo Faria de Sá acabaria sendo o escolhido para concorrer à corrida pela prefeitura paulistana, vencida por Paulo Maluf.

O nome do animador foi cogitado em outras disputas eleitorais. Em 1988, o PFL chegou a ventilar seu nome para concorrer à prefeitura de São Paulo. Dessa vez foi o próprio Silvio Santos que, prevendo novas complicações e boicotes, não se empolgou com a ideia.

Em 2002, com a iminente vitória de Lula ao Planalto, alguns empresários tentaram vendê-lo como o único candidato com chances de derrotar o PT. Silvio animou-se, mas, de novo, não conseguiu criar musculatura partidária para seguir adiante.

Nos bastidores, porém, nunca deixou de exercer imenso poder, mantendo boas relações com todos os presidentes, independente da coloração ideológica.

Lula lamentou a sua morte: “A maior personalidade da história da televisão brasileira”. Com Jair Bolsonaro a proximidade foi muito maior. Em 2020, o então presidente recriou a pasta das Comunicações, extinta quatro anos antes, para entregá-la a Fábio Faria, casada com Patrícia Abravanel, uma das filhas do apresentador.