- Rebecca Morelle e Alison Francis
- Da BBC News
Será que uma solução para alimentar um mundo em processo de aquecimento pode estar escondida em uma coleção de museu de 300 anos de idade?
Essa é uma das esperanças de cientistas que estão vasculhando 12 mil espécimes de trigo e seus “parentes” abrigados no arquivo do Museu de História Natural de Londres, no Reino Unido.
As amostras mais promissoras estão tendo seus genomas sequenciados, em um esforço para identificar os segredos genéticos das variedades mais resistentes.
Além das pragas, as mudanças climáticas têm prejudicado colheitas pelo mundo.
As variedades centenárias de trigo estão armazenadas em centenas de antigos arquivos de papelão, organizados em fileiras, nos cofres do museu. Cada um contém folhas secas, talos ou espigas de grãos, e em alguns casos todos os três, de centenas de anos atrás.
Todas variedades foram cuidadosamente rotuladas, detalhando exatamente sua origem — informação essencial para os cientistas.
“A coleção remota aos anos 1700, incluindo um espécime coletado da primeira viagem do capitão (e navegador britânico James) Cook à Austrália”, conta à BBC Larissa Welton, parte da equipe que está digitalizando o arquivo do Museu de História Natural.
A amostra de James Cook é de um trigo selvagem. Parece espichada e semelhante a uma grama — bem diferente das variedades de trigo cultivadas atualmente. E é justamente nessas diferenças que os cientistas têm se concentrado.
“Temos espécimes que são de antes da introdução de várias técnicas agrícolas atuais, então elas podem nos revelar algo a respeito de como o trigo crescia livremente, ou como crescia antes de haver fertilizantes artificiais.”
Por que o trigo importa tanto?
O trigo é um dos cultivos mais importantes do mundo: é usado para produzir de pão a macarrão, de cereais matinais a bolos, e é parte essencial da nossa dieta.
A guerra na Ucrânia, país que é importante exportador de trigo, tem ameaçado o suprimento global.
Mas esse não é o único problema. As mudanças climáticas têm tido um impacto crescente. Cientistas estimam que um aumento de 1°C de temperatura pode causar a redução de até 6,4% da quantidade de trigo cultivada no planeta.
Pragas e doenças também têm reduzido as colheitas globais em cerca de 20% ao ano.
De modo geral, colheitas modernas de trigo têm enfrentado dificuldades. A revolução verde dos anos 1950 e 1960 direcionou os agricultores às variedades capazes de produzir mais grãos, mas a busca por colheitas maiores fez com que outras variedades fossem deixadas de lado — incluindo as capazes de lidar melhor com climas extremos. Ou seja, a diversidade do trigo é menor hoje em dia.
“Queremos descobrir se há, entre aquilo que perdemos, coisas que possamos trazer de volta às variedades modernas”, afirma Matthew Clark, geneticista do Museu de História Natural.
E isso é importante: o mundo precisará de cerca de 60% mais trigo para alimentar uma população crescente até 2050. Daí a busca por variedades que consigam crescer em locais onde hoje não há plantio — ou que consigam suportar ambientes em processo de transformação.
“Por exemplo, ao analisar colheitas que conseguiram sobreviver em áreas mais marginais — locais de clima quente e seco — podemos ajudar mais países desenvolvidos a aumentar sua produção de comida”, diz Clark.
Ele explica que isso pode ser feito por meio da reprodução tradicional, da modificação genética ou da edição genética (técnica em que genes podem ser especificamente adicionados, removidos ou substituídos).
Cientistas no Centro John Innes, em Norwich (Inglaterra), também estão “caçando” amostras de trigo.
O arquivo do centro tem amostras de 100 anos e contém variedades do mundo inteiro. As amostras ficam armazenadas a 4°C, para que as sementes permaneçam viáveis — ou seja, para que possam ser plantadas e consigam crescer.
“O que queremos fazer é procurar variedades genéticas novas e úteis”, explica o cientista Simon Griffiths, enquanto analisa a coleção. A busca, diz ele, é por “resistência a doenças e ao estresse, por mais rendimento e por mais eficiência no uso de fertilizantes”.
A equipe do John Innes está usando variedades mais antigas e cruzando-as com mais modernas. Alguns testes foram bem-sucedidos.
“Há uma doença grave no trigo, que se chama ferrugem amarela. Isso é um problema global cada vez mais difícil de se controlar”, aponta Griffiths.
“Dentro dessa coleção de trigos antigos, há algumas (variedades) que são resistentes a essa doença, e isso está sendo analisado por criadores neste momento para se defender dessa ameaça significativa à produção de trigo.”
A equipe também está interessada em encontrar variedades de trigo mais nutritivas.
“E quanto ao conteúdo nutritivo do trigo? Sabemos que somos capazes de aumentar o conteúdo de fibras e de minerais no trigo”, o cientista agrega.
“Há tanta diversidade que não foi plenamente explorada ainda por criadores modernos de trigo. Achamos que podemos levar isso a eles.”
No futuro, o trigo que a humanidade cultiva precisará mudar. Talvez as respostas para se encontrar a melhor variedade de trigo estejam no passado.
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