Legenda da foto, Rachel Oviedo olhando para o que sobrou de uma fábrica fechada

  • Author, John Sudworth
  • Role, Da BBC News em Saginaw (Michigan)

Paul Simon levou quatro dias para pegar uma carona em Saginaw — ou pelo menos é o que ele diz na letra de America, sua icônica balada dos anos 1960, com almas perdidas nas estradas de um país em transformação.

Naquela época, o longo e lento declínio desta cidade já havia começado, à medida que as outrora poderosas fábricas de automóveis do Estado de Michigan fechavam as portas, fustigadas pelos ventos da concorrência estrangeira.

Hoje, a angústia e a solidão da música, de autoria de Simon e Art Garfunkel, são muito maiores.

Encontrei Rachel Oviedo, de 57 anos, sentada em sua varanda, olhando para a paisagem de móveis abandonados na rua e, mais além, para a estrutura de uma fábrica que produzia peças de automóveis para a Chevrolet e a Buick, mas que acabou fechando suas portas em 2014.

“Nós sentamos aqui o dia todo”, ela me disse. “Vemos moradores de rua entrando e saindo de lá, eles precisam derrubar e fazer algo com aquilo.”

“Um supermercado”, ela sugeriu. “Porque não temos supermercados por aqui.”

Eu a conheci no dia anterior ao debate de terça-feira à noite na Filadélfia, quando ela me disse que ainda não tinha certeza de como votaria.

Donald Trump, ela falou, parecia uma aposta conhecida e “um homem de palavra”, enquanto Kamala Harris parecia promissora, mas ainda um tanto desconhecida.

“Eu gosto dela”, ela acrescentou.

“Mas não sabemos o que ela vai fazer.”

A maioria dos Estados americanos pende tão fortemente para os democratas ou para os republicanos que o resultado pode ser antecipado.

E se Michigan é um dos poucos swing states (ou Estados-pêndulo), como são chamados, então Saginaw é um dos poucos lugares em que o voto pode realmente ir para qualquer lado.

Quando forem às urnas, serão os eleitores indecisos como Rachel, em lugares como este, que vão ter literalmente o futuro dos Estados Unidos em suas mãos.

Legenda da foto, Chuck Brenner, assim como Rachel, é um eleitor indeciso

Chuck Brenner, um policial aposentado de Saginaw, é outro exemplo.

O homem de 49 anos, que ainda trabalha meio período como agente de liberdade condicional e administra sua própria agência imobiliária, diz que viu de perto os problemas daqui.

“O pai de quase todo mundo trabalhava na indústria automobilística”, ele conta.

“Naquela época, todo mundo tinha dinheiro e havia empregos disponíveis. Você vê a mudança, as pessoas estão em dificuldade porque estão crescendo pobres, e depois tem as drogas e tudo mais.”

A mensagem de Trump sobre o declínio americano toca Chuck.

“Absolutamente”, ele diz. “Porque você pode ver.”

Mas, embora tenha votado em Trump em 2016, ele optou por Joe Biden em 2020.

“Houve muito drama com Trump”, ele acrescentou. “E os problemas na Justiça. Eu meio que cansei disso.”

Desta vez, ele insistiu que só tomaria uma decisão depois de assistir ao debate — e ouvir o que ambos os candidatos tinham a dizer.

Saginaw, assim como o Estado de Michigan de uma forma mais ampla, já foi fortemente democrata — a lista de candidatos que apoiou ao longo das décadas revelou sua inclinação política: Bill Clinton, Al Gore, John Kerry, Barack Obama e Joe Biden.

A votação de 2016, quando Saginaw — assim como Brenner — escolheram Trump, marcou uma mudança.

Você não precisa passar muito tempo aqui para perceber o quão notável foi essa mudança.

Jeremy Zehnder dirige uma empresa de polimento de caminhões, fazendo o tipo de trabalho do qual os democratas costumavam depender para obter apoio.

Cercado por caminhões e reboques gigantes, a força vital das redes de distribuição da economia americana, ele me diz que não são as performances no debate, mas o custo de vida que vai determinar como ele vai votar.

E a maioria dos eleitores diz nas pesquisas de opinião que confia mais em Trump quando o assunto é economia.

“No caso dos caminhoneiros, todos os que conhecemos estão se inclinando para a direita”, ele afirmou.

“O quê, todos?”, perguntei a ele, um pouco incrédulo.

“Não conheço nenhum que não esteja”, ele respondeu. “Quero dizer, recebemos centenas de caminhões todos os anos. E todos (os caminhoneiros) querem falar sobre isso, todo mundo fala sobre isso.”

Legenda da foto, Joe Losier, do sindicato UAW, apoia Harris

Em um evento do sindicato de trabalhadores do setor automotivo (UAW, na sigla em inglês), onde os membros assistiram ao debate, conheci um dos organizadores do sindicato, Joe Losier.

O UAW prometeu apoiar Kamala Harris — e grande parte da multidão no recinto gritava e aplaudia a cada crítica que ela fazia a Trump.

Mas se analisarmos um pouco mais fundo, as divisões do cenário político dos EUA também podem ser encontradas aqui.

“Meu pai e todos os meus tios, de ambos os lados da minha família, que são todos do UAW, se tornaram republicanos”, diz Losier, incapaz de esconder a incredulidade em sua própria voz.

“São imigrantes de segunda geração que vieram para cá, e começaram a trabalhar na indústria automobilística na Primeira Guerra Mundial, e me espanta que muitos dos meus familiares sejam comerciantes que estão apoiando Donald Trump.”

Ele não tem nem certeza de como seus dois filhos adultos vão votar.

A hora do jantar é “terrível”, ele diz.

Com os trabalhadores temendo mais cortes de turnos e demissões, o sindicato se vê cada vez mais fora de sintonia com seus membros.

Há um grande apoio aqui à promessa de Trump de impor tarifas rígidas sobre as importações — e uma discordância em relação ao argumento de Kamala Harris no debate de que a política simplesmente aumentaria os preços.

Após o debate, liguei para Chuck Brenner para saber o que ele havia achado. Ele tinha boas notícias para os democratas.

“Acredito que Kamala foi a grande estrela”, ele me disse. “E a conclusão é que ela ganhou meu voto. Fiquei impressionado com o que ela tinha a dizer, com sua apresentação.”

“No caso do Trump”, ele continuou, “foi mais ou menos o que eu esperava. Não houve surpresas. É mais ou menos a mesma coisa. Mais do mesmo.”

Mas Rachel Oviedo ainda estava indecisa, ela me disse, só que agora mais inclinada para Trump.

“Acho que ele vai fazer mais por nós aqui”, ela afirmou.

“Sabe como é, ele fez coisas que não deveria ter feito”, acrescentou. “Mas você precisa perdoar as pessoas.”

Já Jeremy Zehnder, da empresa de polimento de caminhões, admitiu ter ficado um pouco surpreso com o desempenho de Harris.

“Ela se saiu muito melhor do que eu imaginava”, ele disse. “Acho que ela ganhou (o debate).”

Mas ele está fechado com Trump. É sobre política, ele afirmou. Os impostos, a fronteira e o custo de vida.

Legenda da foto, Esta fábrica que produzia peças para automóveis da Chevrolet e da Buick fechou em 2014

Nas ruas de Saginaw, Kathleen Skelcy batia de porta em porta, fazendo campanha para Harris.

Ela me disse que acha difícil ver qualquer lógica por trás das motivações políticas de seus oponentes.

“É assustador tentar entender essas pessoas e seu pensamento”, ela completou.

“Acho simplesmente que elas não receberam educação, ou dormiram na escola ou algo do tipo.”

É fácil ver isso como paternalismo, outro sinal de que alguns democratas consideram o apelo de Trump meramente ilusório.

Está claro, no entanto, que a confiança e a compreensão podem ser escassas em ambos os lados.

Enquanto conversamos, um apoiador de Trump, sai gritando de sua casa, em tom agressivo e ameaçador, e segue Kathleen pela rua.

“Harris é uma palhaça”, ele grita, acrescentando alguns palavrões.

E na porta de casa, um eleitor democrata recusou a oferta para colocar um cartaz de Harris no jardim, com medo de sofrer abuso semelhante.

Em algumas semanas, Saginaw vai às urnas.

Antes disso, é praticamente certo que muitos outros jornalistas vão passar por este distrito-chave que é um termômetro da campanha, todos em busca dos Estados Unidos, como diz a canção.

Ele está aqui, em todo seu afinco e luta, e em uma história vivenciada hoje em meio a uma divisão política gritante.

Um debate precisa de meio termo. E resta muito pouco disso.