Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Manifestante participa de ato na cidade de Santiago de Compostela, na Galícia, em defesa da promoção e preservação do galego

  • Author, Shin Suzuki
  • Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
  • Twitter, @shin70

No livro Assim Nasceu uma Língua, o linguista português Fernando Venâncio argumenta que o idioma português nasceu em um território do qual somente uma parte é atualmente Portugal: o Reino da Galiza, fundado no século 5 d.C., após a dissolução do Império Romano.

Hoje em dia, a parte principal do que foi esse reino é a Galícia, região que pertence à Espanha. O galego é considerado um dos idiomas oficiais pela constituição do Estado espanhol.

Venâncio explica nessa entrevista à BBC News Brasil como essa origem foi apagada por questões da construção da identidade nacional lusitana.

Muitos especialistas costumam apontar que a clássica idealização de “saudade” existir somente no português cai por terra com uma simples consulta a um dicionário de galego.

E um mergulho nas características desse idioma indica que até “marcas registradas” do Brasil têm origem no galego.

O diminutivo -inho, de cafezinho ou Ronaldinho, é frequentemente associado a um traço da afetividade e da cordialidade brasileira.

Mas esse elemento, afirma Venâncio, é uma criação da língua galega, que passou pelo seu processo de formação bem antes dos 1500 da chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil.

“O -inho é uma criação galega, realmente. Não há no resto da Península Ibérica nenhum diminutivo como esse”, afirma Venâncio.

“Para nós portugueses é muito interessante ver como os brasileiros usam muitos diminutivos e são esses diminutivos afetivos que têm muito uso no Brasil. É uma coisa que nós usamos e que os galegos também usam com valor.”

Já a origem da mais famosa expressão nordestina, oxente, “podemos dizer sossegadamente que é de influência galega”, diz o linguista.

Não há um registro definitivo do surgimento de oxente no linguajar nordestino.

Na internet, até se encontra a tese de que é uma derivação da expressão do inglês “oh shit” (“que m…”, em tradução livre), que teria chegado com militares americanos estacionados no Nordeste brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial.

As evidências, no entanto, apontam para o noroeste da Península Ibérica.

Xente” (gente) é uma palavra galega. O fonema do X no lugar dos sons de G e J no português, aliás, é um dos traços mais marcantes da língua galega (José vira Xosé na Galícia, por exemplo).

Não se pode ignorar que o termo “galego” — um povo com a genética norte-europeia dos celtas — seja usado amplamente no Nordeste brasileiro para designar “pessoa loira”. A região, de fato, chegou a receber imigrantes oriundos da Galícia.

E para mostrar que, durante séculos, as línguas portuguesa e a galega foram as mesmas, Venâncio lista em seu livro palavras com igual estrutura, formação e significado que só existem neste dois idiomas.

Confira abaixo palavras que o português e o galego compartilham. Às vezes, há variação na grafia, demarcada entre parênteses sua versão em galego, porque as línguas se distanciaram ao longo dos séculos.

Para comparação, foram colocadas à direita, em itálico, a palavra em castelhano, a língua mais falada na Península Ibérica e que hoje em dia é mais corrente na Galícia do que o próprio galego.

Arrepio (arrepío)escalofrío

Cachoeiracascada

Cão (can)perro

Cheiroolor

Borboleta (bolboreta)mariposa

Desabafodesahogo

Desleixodescuido

Enteadohijastro

Enxurradatorrente

Ervilha (ervella)guisante

Espirroestornudo

Esquecimento (esquecemento)olvido

Escolha (escolla)elección

Furoagujero

Golfinho (golfiño)delfín

Jeitoso (xeitoso)de buena presencia

Lixobasura

Maresia (marusía)olor de mar

Mergulho (mergullo)zambullida

Minhoca (miñoca)lombriz

Namoronoviazgo

Orvalho (orballo)rocío

Pêssego (pexego)melocotón

Rua (rúa)calle

Saudadeañoranza

Trapalhada (trapallada)desastre

Urrorugido

Vadiar holgazanear

Vagalumeluciérnaga