- Author, Daniel Pardo
- Role, BBC News Mundo
No domingo, 28 de julho de 2024, à meia-noite, o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE) anunciou um resultado das eleições presidenciais que não bateu com as contas da oposição.
Menos de uma hora após o anúncio do CNE, a líder da oposição, María Corina Machado, disse que não só calculava um resultado diferente que refletia a vitória de Edmundo González Urrutia, mas que também conseguia comprovar isso.
A oposição venezuelana participou destas eleições presidenciais, apesar de jogar num campo desfavorável, porque tinha uma pequena garantia: 90 mil testemunhas em 30 mil mesas de voto espalhadas pelo país.
Essas testemunhas tinham a tarefa de observar as eleições — e salvaguardar as atas (boletins de urna) que cada mesa emitiu com os resultados.
Nesta quarta-feira (31/07), a oposição afirmou já ter em sua posse 80% das atas, que foram divulgadas. A operação militar que controla o processo eleitoral diz que houve vazamento de informações.
O site onde as atas foram publicadas travou diversas vezes — alguns atribuíram os problemas a ataques cibernéticos.
Enquanto isso, o CNE ainda não respondeu ao pedido de dezenas de países, incluindo os mediadores Brasil e Colômbia, para que as atas originais sejam publicadas.
Muitos preveem que isso poderá terminar numa disputa perante o Supremo Tribunal de Justiça, controlado pelo chavismo.
Maduro, que alega que a oposição está promovendo um “golpe de Estado” contra ele, compareceu na quarta-feira (31/7) à corte para “esclarecer” o que aconteceu no domingo.
A oposição, porém, tem outra leitura dos acontecimentos.
“Eles criaram um sistema paralelo de contagem usando os registros oficiais”, explica Miriam Kornblith, especialista venezuelana em eleições que foi vice-presidente do CNE na década de 1990.
“E isso não aconteceu por acaso”, acrescenta, “mas é o resultado de um processo de anos em que a oposição desenvolveu um conhecimento profundo, técnico e sofisticado do sistema”.
A resposta da oposição aos resultados do CNE não foi, portanto, improvisada.
E talvez sirva de metáfora para compreender a evolução política e técnica de uma coligação heterogênea que sofreu rupturas e golpes, muitos deles relacionados às abstenções na eleição.
Mas o grupo parece ter aprendido a lição.
“O melhor sistema do mundo”
Quando alguns venezuelanos afirmam ter “o melhor sistema eleitoral do mundo”, não disseram em vão.
Na década de 1990, em meio ao surgimento de um movimento político alternativo liderado por Hugo Chávez, o sistema manual de votação foi questionado.
Foi então aprovada uma lei em 1997 que promoveu a automatização da votação.
Chávez foi eleito em 1999 com um sistema que já utilizava leitores ópticos para identificar os eleitores e computadores para registar os votos.
Então, em 2004, o chavismo introduziu a tela sensível ao toque e os sensores de impressão digital.
Nestes 25 anos de governo chavista, os venezuelanos foram às urnas 30 vezes e, segundo Kornblith, “embora tenham sido cometidas fraudes institucionais nas eleições, até agora nunca foi possível provar fraudes eletrônicas, técnicas, em uma eleição presidencial”.
E isso por um motivo simples: é praticamente impossível alterar o sistema automático de contagem total.
Essa é a primeira vez que uma eleição presidencial venezuelana é questionada em relação à totalização dos votos.
Mas há um precedente, lembra Kornblith: as eleições para governador nos Estados de Barinas e Bolívar em 2017 geraram uma controvérsia semelhante em relação às atas.
E então alguns políticos antichavistas — entre eles os dois que dizem ter vencido em Barinas e Bolívar há sete anos — tomaram nota.
Venezuelanos codificando pelo mundo
Embora tenha havido muito debate na oposição sobre a relevância de participar em eleições que favorecem o partido no poder, desta vez houve um consenso de que a via eleitoral era crucial para buscar a transição.
A própria Machado, que antes endossava acusações de fraudes eleitorais, nos últimos anos estudou profundamente o sistema.
“A forma como as atas foram publicadas, uma a uma, todas verificáveis, é um esforço conjunto de programadores, testemunhas, peritos, que mistura o trabalho da CNE e o da oposição e é o resultado de uma aprendizagem que já dura uma década”, diz Eugenio Martínez, renomado especialista eleitoral venezuelano.
A oposição parece ter clonado as bases de dados do registo eleitoral com todos os bilhetes de identidade dos elegíveis para votar (quase 22 milhões de pessoas).
Além disso, criaram um aplicativo para fazer upload das atas, além de um servidor seguro para protegê-las e, mais importante, poder verificá-las online com o número de identificação de qualquer venezuelano.
Existem engenheiros de sistemas em todo o mundo — incluindo venezuelanos — organizando as bases de dados, fortalecendo o sistema, codificando números e letras.
Martínez acrescenta: “Sempre disseram que o sistema automatizado não era o problema, mas que as pessoas ao seu redor eram o problema, porque se você tentasse manipulá-lo seria muito óbvio. E, bem, foi isso que vimos desta vez”.
Quando a CNE anunciou os resultados no domingo (28/7), alguns simpatizantes da oposição reagiram com uma desilusão familiar aos adversários do chavismo. Mas, quando Machado disse que tinham vencido e tinham provas, a esperança entre eles renasceu.
E isso, diz Martínez, tem a ver com o trabalho dessas testemunhas que vêm das bases militantes dos partidos e são apoiadas, como detalhou Machado, por até 600 mil cidadãos que monitoram o sistema.
“É um organograma de implantação humana que tem uma década e por isso estavam tão preparados”, explica Martínez.
Nos protestos atuais, a oposição não se queixa de manobras eleitorais como o fechamento de estradas durante a campanha ou a utilização dos meios de comunicação e recursos públicos a favor do partido no poder: eles estão protestando porque dizem ter os registos de seus votos em mãos, com o QR Code que permitiria verificá-los.
E que são a prova, dizem eles, da derrota de Nicolás Maduro.
Fonte: BBC
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