- Author, Jeremy Bowen
- Role, Editor, BBC News
Talvez Antony Blinken, o secretário de Estado dos EUA, tenha sentido um certo cansaço quando o seu jato se aproximou novamente do Oriente Médio, na sua mais recente viagem à região.
O plano de negociar o fim da guerra em Gaza e a troca de reféns israelenses por prisioneiros palestinos já era difícil.
Mas o quadro complicou ainda mais depois que o líder da oposição israelense, Benny Gantz, demitiu-se do gabinete de guerra do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, juntamente com Gadi Eisenkot.
Gantz e Eisenkot são generais reformados que já lideraram as Forças de Defesa de Israel (FDI) como chefes do Estado-Maior.
Sem Benny Gantz, os americanos perderam o seu contato favorito no gabinete.
Agora que está de volta à oposição, Gantz quer novas eleições.
Ele é o favorito para ser o próximo primeiro-ministro, segundo pesquisas, mas Netanyahu está seguro desde que consiga preservar a coligação que lhe dá 64 votos no parlamento de 120 membros.
Isso depende de manter o apoio dos líderes de duas facções ultranacionalistas: Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional, e Bezalel Smotrich, ministro das Finanças.
É neste ponto que a missão do secretário americano Antony Blinken colide com a política israelense.
O presidente dos EUA, Joe Biden, acredita que chegou a hora de acabar com a guerra em Gaza.
Então, a função de Blinken é tentar fazer com que isso aconteça.
Mas Ben-Gvir e Smotrich ameaçaram derrubar o governo de Netanyahu se ele concordar com qualquer cessar-fogo até que estejam convencidos de que o Hamas foi eliminado.
São nacionalistas judeus extremistas que querem que a guerra continue até que não reste nenhum vestígio do Hamas.
Eles acreditam que Gaza, como todo o território entre o Mar Mediterrâneo e o Rio Jordão, é terra judaica e que deveria ser colonizada por judeus.
Os palestinos, argumentam, poderiam ser encorajados a deixar Gaza “voluntariamente”.
Antony Blinken está no Oriente Médio para tentar impedir que o último plano de cessar-fogo siga o mesmo caminho de todos os outros.
Três resoluções de cessar-fogo no Conselho de Segurança das Nações Unidas foram vetadas pelos EUA, mas agora Joe Biden está pronto para um acordo.
Em 31 de maio, o presidente americano fez um discurso instando o Hamas a aceitar o que ele disse ser uma nova proposta israelense para acabar com a guerra em Gaza.
É um acordo de três partes que passou a ser apoiado por uma resolução da ONU.
Ele começaria com um cessar-fogo de seis semanas, uma “onda” de ajuda humanitária a Gaza e a troca de alguns reféns israelenses por prisioneiros palestinos.
O acordo progrediria para a libertação de todos os reféns, uma “cessação permanente das hostilidades” e, em última instância, o enorme trabalho de reconstrução de Gaza.
Os israelenses já não deveriam temer o Hamas, disse Biden, porque o grupo já não seria capaz de repetir o 7 de outubro.
O presidente americano e os seus conselheiros sabiam que haveria problemas pela frente. O Hamas insiste que só concordará com um cessar-fogo que garanta a retirada israelense de Gaza e o fim da guerra.
As autoridades de saúde dirigidas pelo Hamas em Gaza afirmam que 274 pessoas foram mortas durante o ataque. As forças israelenses, por sua vez, dizem que o número é inferior a 100.
Biden reconheceu que algumas forças poderosas em Israel se oporiam à sua proposta.
“Instei a liderança em Israel a apoiar este acordo”, disse ele no discurso. “Independentemente de qualquer pressão que venha.”
A pressão veio rapidamente por parte de Ben Gvir e Smotrich.
Ministros seniores do governo, eles se opõem visceralmente ao acordo apresentado por Biden.
Não fez diferença para eles que o acordo tenha sido aprovado pelo gabinete de guerra, uma vez que não são membros desse comitê.
Como esperado, ambos ameaçaram derrubar a coligação de Netanyahu se o primeiro-ministro israelnse concordasse com o acordo.
Nem o Hamas nem Israel se comprometeram publicamente com a proposta apresentada por Biden.
O presidente americano concordou que algumas partes do acordo ainda precisam ser aperfeiçoadas.
A ambiguidade em partes da proposta poderá, em outros conflitos, permitir espaço para a manobra diplomática. Mas isso exigiria uma compreensão partilhada de que chegou o momento de fazer um acordo, de que mais guerra não traria qualquer benefício.
Não há sinais de que o líder do Hamas em Gaza, Yahya Sinwar, esteja nesse ponto. Ele parece determinado a manter o rumo que vem seguindo desde 7 de outubro.
Segundo relatos vindos de Gaza, palestinos nas ruínas do campo de Nuseirat xingavam o Hamas e também Israel por desconsiderarem as suas vidas.
A BBC não pode confirmar esses relatos pois, como acontece com outros veículos da imprensa internacional, não tem permissão de Israel e do Egito para entrar em Gaza — exceto em raras viagens, altamente supervisionadas por militares israelenses.
Parece claro, porém, que o grande número de palestinos mortos fortaleceu, e não enfraqueceu, o Hamas.
Para eles, a sobrevivência do grupo e dos seus líderes equivale à vitória.
As mortes de mais de 37 mil palestinos, na sua maioria civis, segundo o Ministério da Saúde em Gaza, trouxe profundo descrédito a Israel.
Com a saída do gabinete de guerra de Gantz e Eisenkot, que queriam uma pausa no conflito, Netanyahu está mais exposto às forças políticas de linha-dura.
Talvez Antony Blinken o pressione para firmar o acordo e satisfazer milhões de israelenses que querem os reféns de volta, antes que mais deles sejam mortos.
Netanyahu poderá então não ter outra escolha senão arriscar o seu governo apostando numa eleição.
A derrota traria investigações que analisariam a responsabilidade dele pelas fragilidades políticas, militares e de inteligência que permitiram o Hamas invadir Israel há oito meses.
Ou Benjamin Netanyahu poderá recorrer às técnicas de procrastinação e propaganda que aperfeiçoou ao longo de todos os seus anos como o primeiro-ministro mais antigo de Israel: em caso de dúvida, ganhe tempo e rebata as críticas com mais força do que nunca.
Em 24 de julho, ele retornará a um dos seus púlpitos favoritos, quando deve discursar numa sessão conjunta do Congresso dos EUA.
Algo melhor para ele pode surgir.
Fonte: BBC
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