- Author, Gordon Corera
- Role, Correspondente de Segurança da BBC
Há anos as agências de espionagem ocidentais têm falado da necessidade de voltar o foco para a China. Esta semana, o chefe da agência de inteligência GCHQ do Reino Unido descreveu esse como um “desafio que define a época”.
Isso acontece após uma série de prisões em todo o Ocidente de pessoas acusadas de espionagem e hackeamento para a China.
Na segunda-feira, o embaixador do país foi convocado pelo Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido após três pessoas serem acusadas de colaborar com os serviços de inteligência de Hong Kong.
Estes são sinais de uma disputa entre o Ocidente e a China, normalmente oculta por poder e influência, explodindo a céu aberto.
O Ocidente – os EUA e seus aliados – estão determinados a combater e a reduzir essa atuação. Mas altos funcionários temem que o Ocidente não tenha levado o desafio da China a sério o suficiente e tenha ficado para trás em termos de inteligência, tornando-se assim mais vulnerável à espionagem de Pequim – e ambos os lados sob o risco de um erro de cálculo que pode ser catastrófico.
O que preocupa autoridades ocidentais é a determinação do presidente chinês Xi Jinping de que Pequim molde uma nova ordem internacional.
“Em última análise, aspira a remover os Estados Unidos do posto de principal poder”, disse o chefe do MI6, Sir Richard Moore, em uma rara entrevista em seu escritório para uma nova série da BBC sobre a China e o Ocidente.
Mas, apesar de emitir alertas por anos, os serviços de inteligência ocidentais tinham dificuldade, até recentemente, de concentrar o foco na atividade chinesa.
Nigel Inkster, número dois no MI6 quando se aposentou em 2006, diz que o surgimento da China como uma grande potência global “ocorreu em um momento em que havia muitas outras preocupações”.
À medida que Pequim ganhou mais espaço no cenário mundial durante a década de 2000, o pensamento dos formuladores de políticas e funcionários de segurança ocidentais – e o foco dos serviços de inteligência – foi dominado pela chamada guerra contra o terror e intervenções militares no Afeganistão e no Iraque.
Mais recentemente, uma Rússia ressurgida e agora a guerra Israel-Gaza parecem desafios mais urgentes, admitem autoridades nos EUA e na Europa.
Ao mesmo tempo, tem havido pressão por parte dos governos e das empresas ocidentais para garantir o acesso ao enorme mercado da China, em vez de focar em enfrentar o risco de segurança que este representa.
Os líderes políticos comumente preferiam que seus chefes de inteligência não chamassem a China pelo nome. E as empresas também preferiram não admitir que seus segredos estavam sendo alvo.
“O pêndulo oscilou muito na direção dos interesses econômicos e comerciais”, diz Nigel Inkster.
A inteligência chinesa já estava envolvida em espionagem industrial na década de 2000, diz ele, mas as empresas ocidentais ficavam quietas.
“Eles não queriam relatar isso por medo de que colocasse em risco sua posição nos mercados da China”, diz ele.
Outro grande desafio tem sido o fato de que a China espia de forma diferente do Ocidente, tornando essa sua atividade mais difícil de reconhecer e enfrentar.
Um ex-espião ocidental diz que uma vez disse a uma espiã chinesa que a China fazia o “tipo errado” de espionagem. O que ele quis dizer foi que os Estados ocidentais preferem se concentrar em reunir o tipo de inteligência que os ajuda a entender seus adversários. Mas as prioridades dos espiões chineses são outras.
Proteger a posição do Partido Comunista é uma questão central. “A estabilidade do regime é o objetivo número um”, explica Roman Rozhavsky, um funcionário de contra-inteligência do FBI.
Isso requer entregar crescimento econômico. E, assim, os espiões da China veem a aquisição da tecnologia ocidental como um dos principais requisitos de segurança nacional.
Espiões ocidentais dizem que seus homólogos de Pequim compartilham informações que coletaram com empresas estatais chinesas, de uma maneira que as agências de inteligência do Ocidente não fazem com as empresas dos seus países.
‘Tratamento especial’
“Minha agência está mais ocupada do que jamais esteve em nossos 74 anos de história”, disse Mike Burgess, o chefe da Organização Australiana de Segurança e Inteligência (Asio).
“Eu raramente nomeio os países porque quando se trata de espionagem direta, fazemos isso com eles”, me disse Burgess. “A espionagem comercial é um assunto completamente diferente, e é por isso que a China está recebendo tratamento especial.”
Ele reconheceu que os aliados ocidentais foram lentos para entender essa ameaça. “Acho que está acontecendo há muito tempo e, de forma coletiva, não acompanhamos”, admite ele.
Estávamos em outubro passado na Califórnia, onde ele participava da primeira aparição pública dos chefes de segurança dos chamados Cinco Olhos – a aliança de compartilhamento de inteligência composta pelos EUA, Reino Unido, Austrália, Canadá e Nova Zelândia.
O encontro sem precedentes foi uma tentativa deliberada de aumentar o volume dos alertas com relação à China devido ao temor de que muitas empresas e organizações ainda não estivessem ouvindo.
A localização no Vale do Silício também foi cuidadosamente escolhida – um foco nas tentativas da China de roubar tecnologia, às vezes através de espionagem cibernética e às vezes através do recrutamento de insiders.
Os recursos da China para isso são de uma escala diferente. Um funcionário da inteligência ocidental estima que a China tenha cerca de 600 mil pessoas trabalhando em inteligência e segurança, mais do que qualquer outro país.
Os serviços de segurança ocidentais simplesmente não podem investigar todos os casos.
De acordo com a agência de inteligência britânica MI5, apenas no Reino Unido mais de 20 mil pessoas foram abordadas em redes profissionais como LinkedIn por espiões chineses em busca de estabelecer conexões.
“As pessoas podem não saber que estão de fato se correspondendo com um funcionário de inteligência de outro país – mas acabam por perceber que estão passando informações que colocam em risco o futuro de sua própria empresa”, me disse o chefe do MI5, Ken McCallum, no encontro da Califórnia.
Estas campanhas são “épicas”, diz Ken McCallum, e podem ter sérias implicações de segurança nacional, bem como consequências econômicas.
Embora a maior parte do enorme aparato da China esteja focado na vigilância doméstica, o país também usa seus espiões para limitar críticas às suas ações no exterior.
Recentemente, houve relatos de espiões chineses tendo como alvo a política ocidental, com prisões no Reino Unido, Bélgica e Alemanha, além de um inquérito em andamento no Canadá.
Houve relatos de “postos de polícia chinesa no exterior”, na Europa e nos EUA.
Quando se trata de ir atrás de dissidentes chineses no Ocidente, as autoridades de segurança dizem que os oficiais de inteligência de Pequim geralmente agem remotamente em vez de usar espiões em solo – contratando investigadores particulares ou fazendo telefonemas ameaçadores.
Na verdade, os primeiros incidentes cibernéticos direcionados aos sistemas do governo do Reino Unido no início dos anos 2000 não vieram da Rússia, mas da China e visavam coletar informações sobre dissidentes estrangeiros, como grupos tibetanos e uigures.
A Austrália tem estado na vanguarda da preocupação com a interferência política.
A Asio diz que começou a detectar atividades a partir de cerca de 2016, que incluem a promoção de candidatos nas eleições.
“Eles estão tentando empurrar sua agenda, o que eles têm o direito de fazer. Nós simplesmente não queremos que eles empurrem isso por meios secretos”, disse Mike Burgess à BBC.
A Austrália aprovou em 2018 um novo conjunto de leis destinadas a combater esse tipo de atividade.
Em janeiro de 2022, o MI5 no Reino Unido emitiu um alerta de interferência incomum alegando que a advogada Christine Lee, baseada no Reino Unido, fazia doações para uma série de partidos políticos britânicos como parte de uma campanha para promover a agenda de Pequim.
Ela abriu um processo legal contra o MI5, para rebater a acusação. Foi apenas em 2023 que o Reino Unido aprovou uma nova Lei de Segurança Nacional que forneceu novos poderes para lidar com interferências e outras atividades de Estados estrangeiros. Críticos dizem que veio tarde.
O Ocidente está, é claro, espionando a China, assim como a China espiona o Ocidente. Mas coletar inteligência sobre a China é um desafio único para os serviços de inteligência ocidentais como o MI6 e a CIA.
A natureza ampla da vigilância dentro do país, graças ao reconhecimento facial e ao rastreamento digital, torna o modelo tradicional de inteligência humana – encontrar agentes cara a cara – quase impossível.
A China livrou-se de uma grande rede de agentes da CIA há uma década. E também é um alvo tecnicamente difícil para o GCHQ e a Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA), que interceptam comunicações e coletam inteligência digital, em parte porque usa tecnologia própria – em vez de ocidental.
“Nós realmente não sabemos como o politburo (chinês) pensa”, admite um funcionário ocidental.
Essa lacuna de conhecimento pode levar a mal-entendidos, o que gera sérios riscos.
Na Guerra Fria, houve períodos em que o Ocidente não conseguia entender o quão insegura Moscou se sentia – e, como resultado, os dois lados se aproximaram de uma guerra catastrófica que não era o desejo de nenhum dos lados.
Riscos semelhantes de erros de cálculo existem hoje, particularmente com relação ao desejo da China de recuperar o controle sobre Taiwan.
Há também tensões crescentes no Mar do Sul da China, onde uma escalada acidental pode levar ao confronto.
“No mundo bastante perigoso e competitivo em que estamos vivendo, devemos sempre nos preocupar com o conflito e devemos nos preparar para evitá-lo”, disse Sir Richard Moore, chefe do MI6.
“Especialmente quando você tem poderes que talvez nem sempre se entendem tão bem quanto deveriam, é aí que entra o meu serviço.”
O papel do MI6, diz ele, é fornecer a inteligência necessária para navegar pelos riscos potenciais.
“Mal-entendidos são, por definição, sempre perigosos – é sempre melhor quando você tem canais de comunicação abertos e quando tem insights sobre as intenções das pessoas com quem você está competindo”, diz ele.
Isso faz com que garantir que haja canais de comunicação abertos seja uma prioridade. O MI6 tem contato com homólogos chineses sobre ameaças terroristas. E o fato de que alguns contatos entre militares já foram retomados entre os EUA e a China é amplamente bem-vindo.
Mesmo que um maior contato militar e diplomático entre Pequim e Washington tenha reduzido a temperatura nos últimos meses, a trajetória de longo prazo continua ser soar o alerta.
E todas as revelações sobre espionagem correm o risco de alimentar a desconfiança e a apreensão entre o público de ambos os lados, o que, por sua vez, pode limitar a margem de manobra em uma crise.
Encontrar uma maneira de conviver – e entender – um ao outro será vital para evitar que as relações culminem em um conflito mortal.
Fonte: BBC
Você precisa fazer login para comentar.