- Author, David Robson
- Role, BBC Future
O dia é 28 de maio do ano 585 a.C., na atual Anatólia, na Turquia.
Os medos, um povo antigo que vivia onde hoje fica o Irã, e os lídios – um reino no sul da atual Turquia – vêm lutando há seis anos.
O historiador grego Heródoto (485-425 a.C.) conta que a guerra mostrava poucos sinais de estar chegando ao fim e nenhum dos lados fazia progressos significativos.
Seria preciso um eclipse solar para pôr fim ao banho de sangue.
“Quando a batalha começava a esquentar, o dia subitamente se transformou em noite”, escreveu Heródoto. “Quando observaram a mudança, os medos e os lídios pararam de lutar e ficaram ansiosos para definir um acordo de paz.”
Existem poucos eventos que despertem mais o nosso deslumbramento do que a série de coincidências celestiais que nos permite experimentar o eclipse solar total. A Lua precisa estar no tamanho correto, na distância exata da Terra e na órbita certa para passar em frente ao Sol e bloquear totalmente a sua luz por alguns momentos.
Presenciar esse evento surpreendente pode nos inspirar a encontrar mais humildade e cuidado pelos outros, segundo as pesquisas.
“As pessoas podem ser mais cooperativas – elas podem dizer que têm laços sociais mais fortes com os outros e se sentir mais conectadas à sua comunidade”, afirma o psicólogo Sean Goldy, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, que pesquisou os efeitos psicológicos do eclipse de 2017.
O choque da imensidão
Depois de ter sido desprezado por muito tempo no setor de estudos científicos, o deslumbramento está cada vez mais na moda nas últimas duas décadas.
Ele é definido como uma sensação de assombro e admiração, acionada pela percepção de vastidão que nos faz sentir comparativamente pequenos.
“É uma emoção que você sente quando percebe que algo é vasto e desafia sua visão de mundo”, explica a psicóloga Jennifer Stellar, da Universidade de Toronto, no Canadá. “É a sensação que você tem sobre um objeto ou pessoa que é tão extraordinária que está além da compreensão.”
O resultado pode ser revolucionário.
O psicólogo Dacher Keltner, da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, escreve no seu livro Awe (“Deslumbramento”, em tradução livre) que a sensação de deslumbramento pode acalmar a “voz persistente, autocrítica, arrogante e preocupada com o status do nosso eu, ou ego” e nos permite “colaborar, abrir a mente para as maravilhas e observar os padrões profundos da vida”.
É uma grande premissa, mas Keltner e seus colegas acumularam muitas evidências para sustentá-la.
Em um experimento de laboratório típico, os psicólogos podem pedir aos participantes que observem vídeos de fenômenos naturais que inspirem o deslumbramento e, em seguida, preencher questionários e realizar tarefas para medir eventuais alterações da mentalidade e do comportamento.
Vamos tomar como exemplo um estudo de 2018 que examinou os efeitos do deslumbramento sobre a humildade.
A equipe de pesquisa pediu que a metade dos participantes assistisse a um vídeo curto que se afastava lentamente da Terra em direção ao espaço sideral. Os demais assistiram a um clipe relaxante que ensinava a construir uma cerca.
Em seguida, os pesquisadores pediram aos dois grupos que passassem dois minutos escrevendo, em primeiro lugar, sobre suas qualidades e, depois, sobre suas fraquezas.
Confirmando a hipótese inicial, os participantes que haviam assistido ao vídeo espacial estavam mais propensos a sentir admiração e, nas suas declarações pessoais, eles relataram significativamente menos qualidades antes de descreverem suas fraquezas – um sinal de humildade.
Em outro estudo do mesmo documento de pesquisa, os pesquisadores pediram a um terço dos seus participantes que relembrassem um momento em que eles sentiram admiração.
Outro terço relembrou um momento em que eles se divertiram com algo engraçado e os restantes relembraram uma saída corriqueira para fazer compras.
Em seguida, os participantes responderam a uma série de questões para determinar, em escala de 0 a 100%, o quanto diversos fatores haviam colaborado para suas realizações na vida. Estes fatores incluíam seus próprios talentos ou forças externas, como a sorte ou Deus.
Você poderá esperar que alguém mais humilde seria mais propenso a reconhecer essas forças externas – e foi exatamente o que os pesquisadores descobriram para os participantes que foram incentivados a sentir deslumbramento.
“Isso faz sentido se o deslumbramento reduzir sua autoimportância e seu foco em si mesmo”, afirma Stellar, que foi a principal autora do documento.
“O nosso ego orienta nossas percepções e tomada de decisões, mas quando você sente uma emoção transcendente como o deslumbramento, ele diminui o poder que tem sobre você”, segundo ela.
Fronteiras indefinidas
Além de nos tornar mais humildes quanto às nossas habilidades, a redução do ego também pode nos ajudar a observar os demais de outra forma.
“Quando reduzo o foco em mim mesmo, a linha que me separa de você pode se diluir. Eu posso ver a nós dois como parte da teia da humanidade”, explica Stellar.
Nessa linha, os pesquisadores pediram aos participantes que ilustrassem o quanto eles se sentiam próximos da sua comunidade.
Eles receberam pares de círculos. Um dos círculos representava a eles próprios e o outro representava as pessoas à sua volta.
As imagens pareciam um pouco como o diagrama de Venn, em que a quantidade de sobreposição representa a força da conexão à comunidade e sua importância na identidade geral.
Este método pode soar um tanto misterioso, mas é uma medida padrão da conexão social. E, depois de assistir a um vídeo inspirador da admiração, os participantes escolhiam círculos com sobreposição consideravelmente maior.
Nós podemos observar efeitos similares em um estudo da psicóloga S. Katherine Nelson-Coffey, da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, e seus colegas. Ela pediu a um grupo de 47 participantes que realizasse uma caminhada espacial em realidade virtual, acompanhada por um clip de áudio narrando um texto adaptado do livro Pálido Ponto Azul, de Carl Sagan (Ed. Cia. das Letras, 2019).
Estes participantes tinham propensão consideravelmente maior a concordar com declarações como “eu me sinto mais próximo dos demais e de toda a humanidade” do que qualquer outro grupo de pessoas, que haviam observado um pequeno modelo da Terra e de Plutão.
Induzir o deslumbramento pode até levar as pessoas a praticarem comportamentos mais altruístas.
O professor de psicologia Paul Piff, da Universidade da Califórnia em Irvine, nos Estados Unidos, e seus colegas pediram a algumas pessoas que assistissem a um clip da série Planeta Terra, da BBC.
Após o vídeo, eles ficaram mais propensos a compartilhar bilhetes de uma rifa de US$ 100 (cerca de R$ 506) do que pessoas que haviam assistido a cenas da comédia Walk on the Wild Side, também da BBC.
O ‘eu’ eclipsado
Por mais fascinantes que possam ser estes experimentos, eles podem não refletir necessariamente as reações espontâneas das pessoas aos fenômenos naturais fora do laboratório. É uma preocupação de Sean Goldy enquanto ele preparava seu PhD.
“Eu procurava uma forma de estudar as pessoas que sentiam algo realmente momentoso”, ele conta.
O eclipse solar total de 2017 nos Estados Unidos forneceu uma resposta. O raro alinhamento da Lua e do Sol, resultando em uma coroa espetacular, pareceu altamente provável para acionar sentimentos de admiração. E, o que é ainda melhor, o evento muito provavelmente inspiraria postagens nas redes sociais, o que poderia oferecer a oportunidade perfeita para medir as reações imediatas ao evento.
Para coletar seus dados, Goldy recorreu ao X, a rede social antes conhecida como Twitter. Extraindo detalhes de localização dos perfis dos usuários, Goldy conseguiu determinar quais twitteiros teriam presenciado o eclipse total e quais perderam o espetáculo.
Ele realizou então análises linguísticas do texto das próprias postagens. Palavras como “incrível” e “estonteante”, por exemplo, foram consideradas representando deslumbramento, enquanto o uso de linguagem cautelosa – “talvez” e “pode ser” – representou humildade.
Já comportamentos pró-socialização foram codificados com palavras como “cuidado” ou “voluntário”, além de termos de gratidão e amor.
Os resultados foram suficientemente elegantes para inspirar deslumbramento.
As pessoas no caminho do eclipse eram cerca de duas vezes mais propensas a expressar admiração nos seus tuítes. E, como previsto, isso foi associado a maior humildade e comportamento pró-socialização.
Os efeitos também puderam ser observados nos pronomes usados pelas pessoas: aquelas que conseguiram presenciar o eclipse foram mais propensas a usar o plural majestático (“nós”), o que reflete experiência coletiva, em comparação com as pessoas fora da trajetória do eclipse.
Goldy destaca que os efeitos foram relativamente curtos. “Duraram apenas 24 horas.”
Mas mesmo rápidos momentos de maior conexão devem ser um alívio bem-vindo das tensões das interações do nosso dia a dia.
Nesta era de polarização e divisão social, podemos pelo menos encontrar pontos em comum no nosso deslumbramento pelo Universo à nossa volta.
* David Robson é um escritor de ciências premiado. Seu próximo livro (em inglês) chama-se As Leis da Conexão: 13 Estratégias Sociais que Transformarão Sua Vida, a ser publicado em junho de 2024 pela editora Canongate (no Reino Unido) e pela Pegasus Books (nos Estados Unidos e no Canadá). Sua conta no X (antigo Twitter) é @d_a_robson. Ele também pode ser encontrado com o nome @davidarobson no Instagram e no Threads.
Fonte: BBC
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