- Author, Lucy Williamson
- Role, Da BBC News, sobrevoando a Faixa de Gaza
A mil quilômetros a leste da Faixa Gaza, pacotes enormes de ajuda humanitária estão sendo colocados dentro de um avião de carga militar dos Estados Unidos, enquanto o Sol da manhã ilumina a paisagem desértica em torno da base aérea de Al-Udeid, no Catar.
A tripulação empurra 80 engradados para o interior da aeronave, que mais parece uma caverna — cada volume está envolto em uma lona presa a um estrado de papelão e coberta com um paraquedas.
Alimentar Gaza é hoje uma operação complexa, arriscada e multinacional. A RAF, a força aérea britânica, realizou seus dois primeiros voos de ajuda humanitária na semana passada. França, Alemanha, Jordânia, Egito e Emirados Árabes Unidos também participam do esforço.
Esta foi a 18ª missão realizada pelas forças americanas. Lançar 40 mil refeições prontas na pequena zona de guerra sitiada exige que eles façam uma viagem de ida e volta de seis horas a partir de Doha.
No início da semana passada, acredita-se que 12 pessoas tenham se afogado enquanto tentavam recuperar pacotes de ajuda que caíram no mar. Outras seis teriam sido pisoteadas no corre-corre para alcançá-los.
“Estamos cientes de todas as notícias e estamos tentando limitar as fatalidades”, afirma o Major Boone, comandante da missão, sob uma bandeira americana enorme na entrada da cabine.
“[Estamos fazendo] literalmente tudo o que podemos. Usamos um paraquedas que cai mais lentamente para dar aos habitantes de Gaza mais tempo para ver o paraquedas e sair do caminho.”
“Também temos recursos aéreos que dão autorização para a zona de lançamento, então não lançamos se houver algum grupo de pessoas lá”, explica.
Ele conta que eles mapeiam a rota cuidadosamente, com o objetivo de pousar a ajuda humanitária em espaços abertos e mais seguros ao longo da costa de Gaza, mas lançam os pacotes sobre o mar para que as caixas com paraquedas defeituosos caiam na água, em vez de caírem sobre edifícios ou pessoas.
Nada disso é simples.
Um avião de carga militar pode ser ouvido a quilômetros de distância, o que significa que aglomerações rapidamente se formam para segui-lo.
O desespero leva muita gente a correr riscos enormes em busca de ajuda — e muitos ficam sem nada.
O Hamas teria exigido a suspensão dos lançamentos aéreos à medida que o número de vítimas aumentava, chamando-os de “inúteis” e de “perigo real à vida de civis famintos”.
Os riscos aumentam pela falta de qualquer organização na distribuição da ajuda assim que a mesma chega ao solo.
À medida que descemos sobre Gaza, a rampa do avião se abre, revelando os arredores da devastada capital do território palestino — os arranha-céus que restaram se sobressaem na paisagem.
Os pacotes americanos de comida têm como destino locais onde armas fabricadas nos EUA já deixaram sua marca.
As estradas abaixo de nós ao longo da costa estavam repletas de pessoas e veículos, se movendo rapidamente na mesma direção, aparentemente correndo atrás do avião.
Vimos os paraquedas serem lançados rapidamente para fora, sendo reduzidos a pequenas partículas em segundos. Muitos pairaram sobre a água — mas dois, cujos paraquedas não funcionaram, caíram direto no mar.
“Não é perfeito”, disse o porta-voz da Força Aérea dos EUA, Ryan DeCamp, quando questionado se o lançamento aéreo de ajuda humanitária seria a melhor abordagem para a crise de fome em Gaza.
“Sabemos que há mais de dois milhões de pessoas que precisam de comida em solo — civis inocentes que não pediram este conflito —, e estamos lançando dezenas de milhares de refeições.”
“Parece uma gota no oceano? Talvez, um pouco — mas se você é uma família em terra que recebe parte desta ajuda, pode salvar sua vida.”
Do solo, em Gaza, um jornalista que estava trabalhando para a BBC assistiu à queda dos paraquedas americanos. Ele contou 11 lançamentos aéreos naquele dia. Alguns moradores na região norte passam os dias observando os céus em busca de aviões de ajuda humanitária.
“Tentamos duas vezes nesta manhã, mas em vão”, afirmou Ahmed Tafesh, residente da Cidade de Gaza.
“Se conseguirmos pelo menos uma lata de feijão ou homus para nos sustentar, esperamos poder comer hoje. A fome consumiu a maioria das pessoas, elas não têm mais energia.”
“Se as pessoas estão morrendo de fome, e nós estamos damos comida a elas, isso é o melhor que podemos fazer agora”, afirma Boone.
“Sei que outras pessoas estão tentando [abordagens] que levam mais tempo. Minha equipe de (aeronaves) C17s foi acionada, e chegou aqui em 36 horas, estamos fazendo tudo ao nosso alcance para levar comida às pessoas que precisam.”
Israel rejeitou tanto o alerta de fome do relatório como a ordem judicial do tribunal da ONU, dizendo que as acusações de que está impedindo a entrada de ajuda humanitária são “totalmente infundadas”. E acusou o Hamas de roubar as doações.
Mas a ajuda humanitária para Gaza é uma das questões que divide os EUA e Israel neste momento da guerra.
Os EUA estão construindo um cais temporário em Gaza para entregar mais ajuda rapidamente. O porto de carga mais movimentado de Israel, a 48 quilômetros da Cidade de Gaza, não está aberto para receber ajuda.
O presidente dos EUA, Joe Biden, tem pressionado fortemente o primeiro-ministro israelense para ampliar o acesso aos comboios terrestres — ainda a melhor maneira de obter grandes quantidades de ajuda rapidamente.
Cenas de crianças doentes e desnutridas morrendo em hospitais de Gaza estão mudando a política eleitoral americana, mas até agora Biden não se mostrou disposto a usar o fornecimento de armas dos EUA como trunfo para fazer Israel cumprir a exigência.
Os voos de ajuda humanitária estão se multiplicando entre as nações árabes e ocidentais. Arriscados e ineficientes, eles lançam pequenas quantidades de alimentos para uma população desesperada.
São um último recurso que, sem dúvida, chama a atenção.
Seu valor é medido em duas questões simples: até que ponto aliviam a pressão sobre a população de Gaza e até que ponto aliviam a pressão sobre os governos de outros lugares?
Fonte: BBC
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