O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes levantou o sigilo de sua decisão que ordena a prisão preventiva de suspeitos de relação com o homicídio em março de 2018 da então vereadora do PSOL no Rio de Janeiro, Marielle Franco, e de seu motorista Anderson Gomes.
Os três foram presos neste domingo (24/3) e ficarão em uma prisão federal em Brasília ao menos até segunda.
O texto mostra o passo a passo das investigações da Polícia Federal sobre o crime e detalham o papel no caso dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão e do ex-chefe de polícia do Estado do Rio Rivaldo Barbosa.
Os Brazão negam qualquer participação no caso. A BBC News Brasil ainda não conseguiu contato com a defesa de Barbosa.
Veja abaixo o que diz os autos da investigação acerca dos objetivos dos suspeitos de envolvimento no crime.
As intenções dos Irmãos Brazão
Domingos Brazão é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do RJ. Pelo cargo, ele só pode ser julgado pelo STF.
É a mesma situação de Chiquinho, deputado federal pelo partido União Brasil, o que dá direito a foro especial.
Os irmãos são apontados pela investigação como responsáveis pela contratação dos executores do crime contra Marielle.
De acordo com a representação da Polícia Federal ao STF, o plano para matar Marielle surgiu após uma “descontrolada reação” do então vereador Chiquinho Brazão à atuação da vereadora do PSOL.
Na época, um projeto de lei municipal — apresentado pelo então vereador Chiquinho — previa a regularização de empreendimentos imobiliários na região da Zona Oeste carioca onde há forte atuação de grupos milicianos, incluindo o comandado pela família Brazão.
De acordo com a investigação, o irmão Domingos era especialmente envolvido com a grilagem de terras na região.
“De maneira geral, grandes extensões de terra eram ocupadas por indivíduos que, depois, buscavam a regularização das áreas, muitas das vezes, mediante o emprego de fraude ou corrupção de agentes públicos.”
“Em seguida, uma vez ‘regularizada’ a área, eles a loteavam para posterior alienação, o que gerou uma vultosa quantidade condomínios de classes média e alta irregulares na região.”
Marielle, também segundo a investigação, teria pedido à população local a não aderir aos loteamentos situados na região.
Conhecida como “Lei do Puxadinho”, o projeto foi aprovado na Câmara do Rio e sancionada pelo ex-prefeito Marcelo Crivella. Foi depois considerada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça do Estado.
De acordo com a Procuradoria-Geral da República, “a vereadora não escondia o seu entendimento de que as iniciativas de regularização fundiária pela caracterização de Áreas de Especial Interesse Social (AEIS) seriam adequadas (…). No entanto, tais instrumentos teriam sido empregados de forma distorcida pelos irmãos Brazão, apenas para viabilizar a exploração econômica de espaços territoriais que, não raro, eram dominados por milicianos”.
“Ficou delineada a divergência no campo político sobre questões de regularização fundiária e defesa do direito à moradia.”
A investigação diz que essa conclusão sobre as motivações veio de comentários de Domingos em negociações com Ronnie Lessa, suspeito de ser executor do crime e que fechou um acordo de delação premiada após confessar sua participação.
“Dessa forma, as afirmações podem abranger apenas uma parte de um contexto mais intrincado e desconhecido pelo algoz da vereadora”, afirma o texto.
A PF apontou ainda o primeiro miliciano contactado para executar o plano de matar a parlamentar, Edmilson Macalé, era próximo a Chiquinho Brazão.
Ainda de acordo com a PF, foi Macalé quem convidou Ronnie Lessa para a execução do plano.
O papel do delegado Rivaldo
O delegado Rivaldo Barbosa de Araújo Júnior é apontado pelo inquérito e na decisão do ministro Alexandre de Moraes como uma das peças fundamentais no planejamento do crime.
Barbosa foi nomeado chefe da Polícia Civil durante a intervenção federal da segurança pública do Rio de Janeiro, decretada pelo então presidente Michel Temer em 2018 após uma explosão de crimes durante o Carnaval.
De acordo com a decisão de Moraes, Rivaldo então Diretor da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro, teria atuado como um dos mentores das execuções ao oferecer “garantia prévia da impunidade” aos acusados de cometer os assassinatos.
Segundo a investigação da PF, o caso Marielle foi “calcado na sabotagem dos trabalhos investigativos pelo aparato responsável pela apuração dos homicídios no Rio de Janeiro”.
Rivaldo, posteriormente alçado à condição de chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, teria chegado a instruir os mandantes e os executores, impondo condições e fazendo exigências sobre o andamento do planejamento e da execução do crime.
Pouco tempo após as mortes de Marielle e Anderson, Rivaldo nomeou o delegado Giniton Lages — “pessoa de sua confiança”, segundo a decisão — para o cargo de diretor da divisão de Homicídios da Polícia Civil. A oficialização de Giniton ocorreu 12 horas após a execução.
Assim, as investigações passaram a ficar sob a responsabilidade de Giniton, algo que, segundo a investigação, operacionalizou a “garantia de impunidade dos autores do delito”.
“Em relação a Rivaldo Barbosa, Ronnie Lessa declarou que aceitou a empreitada homicida, pois os irmãos Brazão expressamente afirmaram que o então chefe da Divisão de Homicídios da PCERJ teria contribuído para preparação do crime, colaborando ativamente na construção do plano de execução e assegurando que não haveria atuação repressiva por parte da Polícia Civil. Ronnie pontuou que Rivaldo exigiu que o M.F. da S. não fosse executada em trajeto de deslocamento de ou para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, pois tal fato destacaria a conotação política do homicídio, levando pressão às forças policiais para uma resposta eficiente.”
Fonte: BBC
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