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Depois de idas, vindas e longas pausas causadas por pedidos de vista, o Supremo Tribunal Federal (STF) volta a julgar nesta quarta-feira (6/3) a descriminalização do porte de drogas.

Com cinco votos favoráveis e um contrário à descriminalização da posse de drogas para uso próprio, agora é a vez de André Mendonça dar seu parecer após fazer um pedido de vista para analisar melhor o caso. Por enquanto, estão a favor: Gilmar Mendes (relator da ação), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e a ex-ministra Rosa Weber.

Eles argumentaram que o uso da maconha é uma questão de liberdade individual e deve ser combatido com campanhas de informação e atendimento focado na saúde dos usuários.

O julgamento, iniciado em 2015, foi suspenso pela segunda vez no dia 24 de agosto de 2023, após o ministro André Mendonça pedir vista (mais tempo para analisar o caso).

Mas o que esperar da sessão desta quarta? Ela deve encerrar a discussão sobre o porte de cannabis para consumo próprio? Advogados ouvidos pela BBC News Brasil apostam que não.

Na visão deles, André Mendonça vai votar contra a descriminalização, por conta de seus vínculos religiosos e conservadores. Isso levaria o julgamento a um placar de 5 a 2. O próximo a votar será Nunes Marques que, segundo os juristas, deve fazer um novo pedido de vista.

Caso isso ocorra, ele poderá analisar o processo durante mais 90 dias e, só então, o caso poderá ser colocado em pauta novamente pelo presidente da Corte, Luís Roberto Barroso.

O doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Arthur Rollo afirma, em entrevista à BBC News Brasil, que a tendência é que Nunes Marques faça um novo pedido de vista. Além disso, o especialista também espera que o ministro use o tempo máximo de 90 dias para estudar o processo.

Ao ser questionado sobre qual deve ser o voto de Nunes Marques, Rollo diz que é difícil saber porque o ministro pode interpretar o caso de duas maneiras possíveis.

“Se ele votar a favor da descriminalização, os defensores das liberdades vão aplaudir, mas os defensores da família não vão gostar. Independente do voto que ele der, ele vai desagradar uma parte do público dele”, diz.

Para o advogado e professor na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, o ideal seria que o julgamento terminasse ainda nesta quarta para evitar o prolongamento da discussão.

“Esse tema é batido, de domínio público e está sendo tratado no mundo inteiro. Todo mundo já poderia votar nesta quarta e seguir para outro julgamento porque tem muitos temas importantes no Supremo”, diz o advogado.

A professora de direito da FGV Eloísa Machado explica como será a ordem dos ministros a voltarem. Ela diz que o primeiro voto é do relator, no caso o Luis Roberto Barroso, e depois segue do ministro com mais tempo de casa para o mais novo. O presidente é o último a votar.

“Como a composição do tribunal já mudou várias vezes durante o curso do julgamento, há uma particularidade de ministros mais antigos já terem votado. Flávio Dino, recém empossado, não votará porque sucede, no tribunal, a vaga deixada por Rosa Weber, que já votou”, explica.

Machado, no entanto, prefere não dar um palpite de qual será a posição de Nunes Marques.

A professora explica que qualquer ministro pode pedir vistas após o voto de André Mendonça, “seja para estudar mais o tema antes de votar ou alterar o voto já proferido”.

25 gramas e seis plantas fêmea

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Legenda da foto,

O crime de porte para consumo já não é punido com pena de prisão no país desde 2006

Caso o julgamento termine favorável à descriminalização da posse de pequenas quantias de drogas, a Suprema Corte discutirá os parâmetros de quantidade para diferenciar o usuário do traficante. Na visão de defensores dessa medida, pode reduzir o que seriam prisões equivocadas por tráfico no país.

A ação não trata da venda de drogas, que continuará ilegal qualquer que seja o resultado. O crime de porte para consumo já não é punido com pena de prisão no país desde 2006, com a sanção da atual Lei de Drogas.

Caso a descriminalização seja aprovada no STF, a pessoa que portar entorpecentes para consumo próprio não poderá mais ser submetida a outras punições atualmente em vigor, como prestação de serviços à comunidade ou comparecimento a programa ou curso educativo, nem terá um registro na sua ficha criminal.

Apesar disso, estudiosos do tema afirmam que esse julgamento pode ter o impacto de reduzir o número de pessoas presas no país, caso a decisão do STF permita libertar pessoas que estariam, ao seu ver, erroneamente encarceradas por tráfico de drogas.

Para que isso ocorra, dizem, seria necessário que a Corte estabelecesse parâmetros objetivos para diferenciar qual a quantidade de drogas deve ser considerada voltada para consumo e qual deve ser enquadrada como tráfico.

Defensores da medida, como a associação que representa os peritos da Polícia Federal (APCF) e integrantes da Procuradoria-Geral da República, afirmam que a falta de parâmetros objetivos para que policiais, promotores e juízes diferenciem o consumo da venda faz com que muitas pessoas detidas no país com pequenas quantidades de maconha ou cocaína, por exemplo, acabem presas pelo crime de tráfico.

No entanto, há organizações que estão participando do processo que duvidam deste efeito porque discordam da avaliação de que pessoas estejam sendo presas por tráfico equivocadamente.

Barroso e Weber, por exemplo, propuseram 100 gramas de maconha como um corte para diferenciar usuário e traficante. A quantidade segue parâmetros usados em outros países, como Espanha e Holanda.

Já Moraes e Mendes sugeriram 60 gramas, enquanto Zanin defendeu apenas 25 gramas.

Os ministros também discutem fixar uma quantidade máxima de pés de maconha para um usuário cultivar. Luís Roberto Barroso, por exemplo, sugeriu que o usuário possa ter seis plantas fêmeas (aquelas que produzem flores com THC para serem fumadas) em casa.

Os ministros ressaltaram, porém, que eventuais parâmetros a serem adotados serviriam como uma referência básica, podendo o juiz considerar o indivíduo como usuário, mesmo que esteja com quantidade maior, ou ainda enquadrá-lo como traficante, mesmo que tenha quantidade menor. Isso dependerá de outros elementos que corroborem para o crime de tráfico, como apreensão de armas ou balança para pesar drogas, por exemplo.

Fachin, quando votou em 2015, foi contra a adoção de critérios pelo STF, pois considerou que seria função do Congresso definir essa quantidade. Mas ele ainda pode revisar seu voto, como fez Mendes, que também havia ficado contra a fixação de parâmetros no início do julgamento.

Presos por tráfico de maconha

Esse mesmo estudo estimou quantas pessoas condenadas por tráfico de maconha ou cocaína poderiam ter sua pena revista caso fossem fixadas quantidades máximas de porte para consumo dessas drogas.

Foram analisados processos de 5.121 réus por tráfico de drogas julgados na primeira instância judicial no primeiro semestre de 2019, uma amostra representativa do total de pessoas presas por esse crime no país.

A conclusão do estudo do Ipea foi que se o parâmetro proposto por Barroso (25 gramas de maconha) fosse adotado, por exemplo, 27% dos condenados por tráfico de maconha poderiam ter sua pena revista.

Se fosse adotada uma quantidade de 40 gramas de limite para consumo, 33% dos condenados poderiam ser impactados.

Por outro lado, se o parâmetro fosse fixado em 100 gramas, quase metade (48% dos condenados) poderia ter a revisão de pena.

Os cenários testados pelo Ipea levaram em conta três opções de parâmetros propostos em uma nota técnica do Instituto Igarapé, de 2015, que analisou pesquisas sobre uso de drogas no Brasil e experiências internacionais de fixação de quantidades para diferenciar tráfico e consumo.

No caso da cocaína, 31% dos condenados por tráficos poderiam ter sua pena revista caso o STF fixasse um parâmetro de 10 gramas para consumo. Se a quantidade limite fosse de 15 gramas, o percentual subiria para 37%.

“Os cenários acima constituem um exercício interpretativo para projetar o alcance de referidos parâmetros exclusivamente aplicados à quantidade de drogas, mas somente a análise dos casos concretos permitiria a reclassificação da conduta como consumo pessoal”, ressalta o estudo.

As conclusões desse estudo, no entanto, não permitem calcular o potencial de presos que poderiam ser soltos caso o STF adote parâmetros para diferenciar tráfico e consumo, pois nem todos os réus processados por tráfico de drogas são condenados a regime fechado ou semiaberto, explicou a BBC News Brasil a coordenadora da pesquisa, Milena Karla Soares.

“Estamos fazendo um novo estudo para analisar especificamente qual seria o impacto no sistema prisional”, disse.

Soares ressalta que um elemento que dificulta essas análises é a falta de padronização do registro das quantidades apreendidas nos processos criminais.

Para identificar as quantidades apreendida com cada réu, a equipe do Ipea pesquisou diversos documentos processuais, como laudos periciais, denúncias do Ministério Pública e as sentenças dos juízes. Foi selecionada, então, “a melhor informação disponível” nesses vários documentos, em cada caso, para realizar o estudo.

Por isso, uma das recomendações da pesquisa é “o estabelecimento de um protocolo nacional para padronização das informações de natureza e de quantidade de drogas nos processos criminais”.

Presos não serão soltos automaticamente

Há mais de 180 mil pessoas presas hoje no país por tráfico de drogas. A quantidade de presos que seria eventualmente beneficiada por uma decisão neste julgamento dependerá de a maioria do STF concordar com a fixação de parâmetros que diferenciem consumo e tráfico e de quais seriam os parâmetros adotados.

No entanto, nenhuma decisão do Supremo levaria a uma liberação automática de presos, explica a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen à BBC News Brasil.

Cada pessoa detida pelo crime de tráfico de drogas e potencialmente impactada pelo julgamento, ressalta, teria que apresentar um recurso à Justiça solicitando a revisão de sua pena.

“Se o Supremo decidir que até determinada quantidade não é tráfico de drogas, o que vai acontecer é que, nos casos em que houver pequena quantidade (de droga apreendida), as defesas vão arguir que aquilo não seria crime. E isso vai ser analisado caso a caso. Então, será um impacto de médio prazo”, afirma.

“O efeito mais imediato é que pessoas com pequenas quantidades não seriam mais presas e processadas, se não estiverem presentes outros elementos que denotem tráfico, como por exemplo, anotações de contabilidade (da venda de drogas), a balança (usada para pesar a droga vendida), o dinheiro, a arma, a munição”, acrescenta.

Uma fixação de parâmetros nas condições propostas por Barroso é apoiada também pela associação que representa os peritos da Polícia Federal (APCF).

A instituição não se posiciona a favor ou contra a descriminalização do porte para consumo, mas defende que, independentemente do que for decidido nesse ponto, o Supremo estabeleça parâmetros para diferenciar o usuário do traficante.

Segundo Davi Ory, advogado que representa a associação, a APCF avalia que “o principal fator para o aumento do encarceramento foi a adoção de critérios subjetivos demasiadamente amplos e que transferiram à estrutura do Poder Judiciário o ônus de definição de quem seria usuário e traficante tendo por base ‘as circunstâncias sociais e pessoais’, bem como o ‘local e condições em que se desenvolveu a ação’”.

Isso, ressalta, estaria gerando prisões indevidas, principalmente, de pessoas negras e pobres.

Já o advogado Cid Vieira, que representa a Federação Amor Exigente no julgamento do STF, questiona o impacto do julgamento na redução dos presos.

A organização, que atua como apoio e orientação aos familiares de dependentes químicos, foi uma das instituições aceitas pelo Supremo para atuar no julgamento como amicus curiae (colaborador da Justiça que detém algum interesse social no caso mas não está vinculado diretamente ao resultado).

“Eu não tenho notícia que dependente químico esteja preso. O artigo 28 da atual legislação de drogas não prevê a prisão daqueles que sejam surpreendidos com posse de droga para consumo pessoal. É uma colocação que não existe. Não é sob esse aspecto que as prisões vão estar mais lotadas ou não”, afirmou Vieira, que conversou em maio com a BBC News Brasil.