- Author, Robin Levinson-King, Brandon Livesay e Nada Tawfik
- Role, BBC News
O arranha-céu se ergue sobre o Central Park em Manhattan, em um dos pontos comerciais mais caros do mundo — a Quinta Avenida em Nova York, nos Estados Unidos.
O edifício e seu encanto têm enfrentado altos e baixos. Mas o sobrenome do ex-presidente dos EUA em letras garrafais na sua fachada dourada é um lembrete constante do papel fundamental da torre para definir a marca chamada Trump.
O prédio foi o cenário da sua série de TV de sucesso, O Aprendiz, que elevou sua fama a novos patamares. E é onde ele potencializou essa fama para tomar o elevador dourado que o levou ao sucesso da sua candidatura à presidência dos Estados Unidos.
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Agora, a Trump Tower enfrenta problemas na justiça. O ex-presidente foi indiciado quatro vezes e pode ser proibido de fazer negócios na cidade de Nova York. Com isso, ele poderá ser forçado a entregar o controle do edifício que sedia há décadas a Organização Trump.
Foi em meados dos anos 1970 que Donald Trump colocou os olhos pela primeira vez no antigo edifício da loja de departamentos Bonwit Teller, construído com granito e calcário, na esquina da Quinta Avenida com a Rua 56.
Era uma época de gangues de rua e crimes violentos. Nova York era mais conhecida pelo serial killer David Berkowitz (conhecido como “Son of Sam”, Filho de Sam em inglês) do que pelo seu glamour e estilo.
Mas Trump, filho de um bem-sucedido empreiteiro do Bronx, também em Nova York, estava em ascensão. Ele considerou que a localização do edifício — ao lado da principal loja da joalheria Tiffany’s, na chamada “Rua dos Milionários” — seria uma oportunidade de fazer sua imagem disparar a níveis estratosféricos.
“No ramo imobiliário [americano], temos um termo genérico para a melhor localização, seja ela onde for: a localização Tiffany. E a Trump Tower é literalmente isso — ela olha para baixo e vê a Tiffany’s”, declararia ele posteriormente à revista Architectural Digest.
Trump conta que ligava para os donos da Bonwit Teller duas vezes por dia, tentando chegar a um acordo. Sua persistência trouxe resultados em 1979, quando Trump se precipitou sobre os proprietários assim que descobriu que eles precisavam de dinheiro rápido.
A sua ideia era derrubar o prédio e construir um novo, seguindo o que vinha se tornando seu estilo próprio de fazer negócios.
Trump processou a cidade, pedindo milhões de dólares em isenções fiscais — e conseguiu.
Para economizar US$ 500 mil (cerca de R$ 2,48 milhões, pelo câmbio atual), Trump destruiu duas esculturas em estilo Art Déco que faziam parte da fachada do edifício original, sem doá-las ao Museu Metropolitano de Arte, como havia prometido. A decisão enfureceu os historiadores de Nova York.
Trump comprou ainda os direitos aéreos sobre a Tiffany’s. A lei de zoneamento local estabelece essencialmente que o edifício vizinho nunca poderá ser aumentado de forma a bloquear sua amplitude de visão.
À medida que o arranha-céu de vidro subia, as histórias sobre Trump também aumentavam.
Quando a Trump Tower foi concluída, em 1983, ele alardeou que o prédio tinha 68 andares. Na verdade, eram 58.
No seu primeiro livro, A Arte da Negociação (Ed. Citadel, 2017), Trump descreve seu estilo de negócios: “as pessoas querem acreditar que algo é o maior, o melhor, o mais espetacular. Chamo isso de hipérbole verdadeira.”
Os exageros de Trump serviram para promover sua torre — e o prédio era fundamental para promover Trump.
Um ano antes da abertura, Trump apareceu na primeira lista de pessoas mais ricas da revista Forbes, declarando um patrimônio líquido de US$ 100 milhões (cerca de R$ 497 milhões). E a Trump Tower era o principal motivo da sua inclusão naquela lista.
Mas, na verdade, seu patrimônio era de US$ 5 milhões (cerca de R$ 24,8 milhões).
O escritor e ex-pesquisador da Forbes Jonathan Greenberg contou à BBC que só descobriu que os dados sobre a riqueza de Trump estavam errados muito tempo depois.
Quando Greenberg se reuniu com Trump para decidir sobre sua inclusão na lista, o futuro presidente tentou exagerar os números.
Ele destacou a receita potencial da Trump Tower, mas deixou de mencionar o quanto daquele valor pertencia a um fundo de investimento e não ao próprio Trump.
“Ele dizia, ‘quando isso abrir, sou o dono de tudo e veja como ele é grande'”, relembra Greenberg.
“Nós, da imprensa, estávamos despreparados para alguém que mentia com tanta eficiência e desfaçatez como Donald Trump”, disse Jonathan Greenberg, ex-pesquisador da revista Forbes.
Greenberg conta que, em outras oportunidades, Trump ligava para ele, fingindo ser “John Barron”, executivo da Organização Trump, para fornecer informações falsas.
“Ele falava em terceira pessoa”, conta Greenberg. “Acho que foi a primeira vez em que ele começou a falar de si próprio em terceira pessoa, o que ele faz até hoje.”
Trump também espalhou o boato de que o então príncipe Charles e Diana, princesa de Gales, estavam comprando um apartamento. Ele disse ao jornal The New York Post que a consulta veio de alguém “muito aristocrático” com sotaque inglês.
Ele pode não ter levado um casal de príncipes para o seu castelo, mas aquilo não impediu Trump de criar uma aura de exclusividade.
Quando os moradores entravam pelas cintilantes portas douradas do edifício, eles eram recebidos por porteiros em uniformes sofisticados, que imitavam os guardas do Palácio de Buckingham. Dentro do lobby, havia um pianista vestindo smoking.
Trump se vangloriava na Architectural Digest de ter “os melhores apartamentos no principal edifício do melhor local da cidade mais atraente do mundo”.
Em entrevista para o programa Hardtalk, da BBC, em 1998, ele declarou: “adoro construir grandes edifícios… Tenho um grande orgulho artístico por um grande edifício como a Trump Tower.”
Ele não havia simplesmente entrado no mercado imobiliário de Manhattan. Ele havia chegado com ostentação.
Quando a torre foi inaugurada, Nova York buscava desesperadamente algo novo e brilhante, após anos de dificuldades econômicas. E coisas brilhantes eram a especialidade de Trump.
Na sua crítica do edifício para o jornal The New York Times publicada em 1983, o crítico de arquitetura Paul Goldberger perguntou quais outros edifícios de Nova York foram “rodeados de tanto alvoroço”.
Sua crítica não foi elogiosa, mas estava longe de ser dura. Goldberger observou que o “ziguezague” do edifício era uma ruptura desejada das “caixas simples” que revestiam as ruas da cidade e que o mármore rosa Breccia Pernice oferecia um ar de “feliz opulência, talvez satisfeita consigo própria”.
Analisando aquela época, Goldberger acredita que pode ter sido menos rigoroso com Trump, em parte porque ele parecia ser um sopro de ar fresco em um momento em que a Big Apple lutava para se revitalizar.
“Acho que todos nós estávamos inclinados a ser um pouco mais positivos do que provavelmente deveríamos ter sido”, declarou ele à BBC.
O estilo do arranha-céu, revestido de vidro espelhado, refletia os anos 1980, quando “era bom ser ganancioso”.
Inicialmente, o edifício atraiu entusiasmo. Existem relatos de que até 100 mil pessoas visitavam o átrio da Trump Tower todos os sábados, durante os feriados.
Marcas de roupas de luxo, como Buccellati e Charles Jourdan, estavam entre seus locatários. Steven Spielberg tinha um apartamento no prédio e Michael Jackson tinha um duplex com um estúdio de dança.
Trump reservou a melhor unidade para ele próprio — uma cobertura de cerca de mil metros quadrados, que ocupa três andares.
Seu palácio urbano, originalmente, tinha paredes envernizadas em tom marrom-escuro e teto decorado com folhas de ouro. Mas, depois de um jantar na cobertura próxima do bilionário saudita Adnan Khashoggi, conta-se que Trump decidiu redecorá-lo.
Foi assim que acabou aquele modernismo de luxo, substituído por cordões de ouro, mármore e cristal — um verdadeiro Palácio de Versalhes nas alturas.
Quando Nova York acordou da sua festa alimentada por cocaína que pareceu durar toda a década de 1980, ficou claro que todo aquele brilho não era ouro, mas simplesmente latão dourado.
As lojas de varejo relutaram em pagar os aluguéis extremamente altos da Trump Tower e saíram. As primeiras celebridades que moraram no prédio — Johnny Carson e Sophia Loren — eram ofuscadas por outros tipos de personagens: “fraudadores do Medicaid [o programa de auxílio à saúde do governo americano], vendedores de cocaína, mafiosos”, segundo o jornalista americano Wayne Barrett, no jornal The Village Voice, em 1991.
Parte do problema é que o edifício não envelheceu bem. A maioria das unidades teve construção barata — paredes brancas simples e cozinhas estreitas.
“Ele realmente não entendia de qualidade, como fingia saber”, segundo Goldberger.
Os apartamentos logo foram superados por unidades maiores e mais luxuosas, em edifícios mais novos. Até que a “Rua dos Milionários” da Quinta Avenida foi superada pela “Rua dos Bilionários” — um conjunto de arranha-céus ultraluxuosos a poucos quarteirões de distância.
Mas Trump e sua torre não seriam esquecidos. Eles ressurgiram na consciência popular nos anos 2000, com o reality show O Aprendiz.
O arranha-céu preto e brilhante foi filmado da rua como se fosse o rei do tabuleiro de xadrez do próprio Trump — um personagem que contava com o mesmo tempo no ar que os participantes.
Quando José Félix Díaz, participante da quinta temporada do programa, entrou pela primeira vez na Trump Tower, ele se sentiu como se “alguém estivesse tentando mostrar como este lugar é importante”, declarou ele à BBC.
Segundo ele, “durante O Aprendiz, acho que não havia nenhuma propriedade que fosse mais valiosa para Donald Trump do que a Trump Tower.”
“As pessoas podem criticar o quanto quiserem… muito poucas pessoas no mundo podem construir um edifício, sabe, daquele porte, daquela magnitude, na Quinta Avenida, na cidade mais importante do mundo” (José Félix Díaz, ex-participante de O Aprendiz).
Durante o programa, Díaz morou na Trump Tower com seus colegas participantes.
Ele conta que a razão do sucesso da série foi “a imprevisibilidade do personagem principal… as pessoas ficavam hipnotizadas por aquela pessoa que não se continha”.
É uma história parecida com a que levou Trump à presidência dos Estados Unidos. Tudo começou no átrio da Trump Tower, onde ele anunciou sua candidatura à Casa Branca em 2015.
Trump se encantou com a multidão.
“Uau! Uau! Este é um grande grupo de pessoas. Milhares.”
Na verdade, espalhados entre os jornalistas, estavam algumas dezenas de espectadores, muitos deles vestidos com roupas mostrando o slogan do então candidato, MAGA — Make America Great Again (ou “Tornar a América grande novamente”).
Mas a popularidade e o público dos seus comícios cresceram até culminar na sua vitória em uma eleição dividida. E, da noite para o dia, a Trump Tower se tornou o escritório real da transição presidencial.
O novo presidente chegou a dizer que gostaria de passar algumas noites por semana na sua cobertura, descartando a Casa Branca como “lixo”.
E Trump continuou a usar sua própria residência ao longo do mandato. Lá, ele chegou a receber o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe para conversas diplomáticas.
Depois que deixou a Casa Branca, em 2021, e dos eventos de 6 de janeiro, a notoriedade de Trump ofuscou grande parte do legado dos seus primeiros anos em Nova York. Em uma cidade onde o atual presidente Joe Biden recebeu 76% dos votos, a marca Trump é prejudicial.
O homem que, um dia, foi sinônimo da cidade hoje não passa muito tempo em Nova York.
No local onde antes ficava uma loja da Cartier, no lobby da Trump Tower, hoje há uma loja de souvenirs que vende bonés com a inscrição MAGA. E também houve prejuízos à lucratividade da torre.
“Você pode constatar claramente, apenas pelos números, os danos causados à marca Trump”, declarou à BBC a corretora de imóveis Wendy Maitland.
Em 2014, ela tinha uma unidade à venda na Trump Tower por US$ 10 milhões (cerca de R$ 49,7 milhões). Mesmo com uma oferta de US$ 9 milhões (R$ 44,7 milhões), o proprietário a retirou do mercado.
Desde então, eles tentaram recolocar o imóvel à venda por diversas oportunidades. A última vez foi em maio de 2023, por US$ 5,995 milhões (cerca de R$ 29,8 milhões), sem grandes resultados.
Maitland conta que a Trump Tower teve um grande número de ofertas retiradas do mercado por longos períodos de tempo porque as pessoas não estão comprando a sua marca.
Poucos edifícios são tão relacionados ao seu proprietário no imaginário popular quanto a Trump Tower.
Na ação de Nova York, o ex-presidente e seus dois filhos adultos foram considerados culpados de inflacionar massivamente o valor dos seus imóveis, para conseguir melhores empréstimos. Uma das provas foi a declaração de que o triplex de cobertura de Trump teria três vezes o seu tamanho real.
Trump negou qualquer contravenção e compareceu para prestar seus argumentos finais na retomada do seu julgamento, no último dia 11 de janeiro. Agora, o juiz precisará decidir quanto a família Trump deve pagar e se os seus negócios em Nova York, incluindo a torre, devem ser vendidos ou mantidos por um terceiro.
Perder a torre seria um capítulo épico da queda de Trump na cidade onde ele construiu seu nome.
Para Goldberger, seria uma “confirmação física do que já aconteceu com a sua reputação” em Nova York.
Mas o incorporador imobiliário Steve Witkoff, amigo de Trump de longa data que testemunhou no julgamento, insiste que o ex-presidente não deixa que nada o abale e irá continuar lutando.
Perder a Trump Tower seria uma desonra, mas Witkoff declarou à BBC que “com sorte, não chegaremos a esse ponto”.
Díaz — o ex-participante de O Aprendiz que, um dia, frequentou a intimidade da Trump Tower — afirma que imaginar um mundo no qual Trump não esteja no controle é “inconcebível”.
“Acredito que a Organização Trump irá lutar até o último suspiro para proteger a Trump Tower.”
Produção de Mike Hills, design de Filipa Silvério e Kate Gaynor, com desenvolvimento de Becky Rush e Marcos Gurgel.
Fonte: BBC
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