- Author, Laura Plitt
- Role, BBC News Mundo
Em contraste com a temporada de verão no Hemisfério Sul, muitas pessoas no Hemisfério Norte sentem, nesta época do ano, o impacto psicológico do inverno: falta de energia, de ânimo e a inquietação causada não necessariamente pelo frio, mas pela escuridão e pela chuva.
O tipo de depressão associado às mudanças de estação é chamado de transtorno afetivo sazonal (SAD, na sigla em inglês). Ele costuma começar e terminar aproximadamente na mesma época todos os anos, tipicamente nos meses de inverno – embora algumas pessoas também o sintam no verão.
O curioso, no entanto, é que os escandinavos registram baixos índices de depressão sazonal, mesmo vivendo em um dos lugares mais frios do planeta.
E, na Escandinávia, muitas pessoas não só deixam de sentir esse tipo de depressão quando chega o inverno, como ainda esperam a chegada da estação fria com surpreendente entusiasmo, segundo a pesquisadora e psicóloga especializada em saúde Kari Leibowitz, doutora pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.
Da praia ao círculo polar
Para pesquisar esse fenômeno, Leibowitz viajou em 2014 para Tromsø, cidade norueguesa que fica a cerca de 300 km ao norte do círculo polar ártico.
Durante os meses mais rigorosos do inverno, o sol não chega sequer a se aproximar do horizonte naquela região.
Existem diversos motivos que levam seus moradores a não cair em depressão, segundo a pesquisadora. Mas, basicamente, eles “tendem a manter uma postura positiva em relação ao inverno”, declarou ela à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
Esta disposição faz com que eles adotem uma série de estratégias que todos nós podemos incorporar para mudar nossa percepção sobre o inverno, se quisermos passar pela estação fria com o maior bem-estar possível.
Leibowitz resume as estratégias dos povos escandinavos em três pontos:
1. Aprecie o inverno
Apreciar o inverno significa colocar seu foco de atenção em tudo o que é possível fazer durante a estação – nas oportunidades que o inverno oferece e não naquilo que ele nos impede de fazer.
“Isso pode nos levar a adaptar nosso comportamento”, destaca Leibowitz. Ou seja, devemos procurar atividades condizentes com a época do ano.
“Podemos ler, tecer, cozinhar, fazer arte”, explica a pesquisadora. “E estas não são coisas que fazemos porque o inverno é entediante, mas porque o mundo natural, de alguma forma, é mais adequado para essas atividades nesta época do ano.”
E, se você estiver cansado, o inverno oferece a “oportunidade de descansar, reduzir o ritmo e dar espaço à introspecção”, recomenda Leibowitz.
2. Faça algo de especial
Esta segunda estratégia está muito relacionada com a primeira. Ela se refere a aproveitar as vantagens trazidas pelo inverno e pode ser resumida em “realizar atividades especiais que são possíveis apenas nesta estação”.
“Tomar medidas deliberadas para abraçar e celebrar o inverno, como mudar seu comportamento alimentar, as formas em que você se reúne com seus amigos ou como você faz exercício”, explica Leibowitz.
Pode ser decorar a casa com velas e acendê-las quando escurecer, transformar o espaço para que se torne aquecido e acolhedor ou fazer uma fogueira ao ar livre, por exemplo.
Você pode também aproveitar que não faz calor e sair para correr por mais tempo e por maiores distâncias, sugere a psicóloga.
3. Saia de casa
Esta última recomendação é fundamental: “saia de casa, independentemente de como esteja o tempo”.
“Na nossa cultura, existe uma grande tradição de sair para a rua o ano inteiro”, explica a psicóloga Ida Solhaug, do Hospital Universitário do Norte da Noruega. “E existe um ditado que diz: ‘não existe mau tempo, existem roupas inadequadas’.”
O hábito de passar tempo ao ar livre e em contato com a natureza durante todo o ano é algo que os escandinavos aprendem a fazer e valorizar desde muito pequenos.
“Pedem com frequência à minha filha, que está em idade escolar, que ela leve um tronco de madeira na mochila”, conta Solhaug. “Eles saem e montam uma fogueira com a lenha levada por cada um deles, sem se importarem com as condições do tempo.”
“Acredito que isso é muito bom e nos ajuda a ficar em contato com a natureza, os elementos e com o ritmo natural das coisas”, acrescenta ela. “Sentir que somos parte da natureza nos ajuda a ter uma perspectiva mais ampla e deixar de pensar apenas em nós mesmos.”
Leibowitz concorda: “sair, conectar-se com a natureza, ficar ao ar livre, mover o corpo, tudo isso funciona como antidepressivos naturais“.
Mudanças de energia
Ainda assim, também é importante aceitar que se trata de um momento do ano em que provavelmente teremos menos energia.
“É normal nos sentirmos um pouco apagados ou cansados nesta época do ano”, destaca Solhaug.
“O que não é natural é sermos produtivos todo o tempo, cumprir com essa exigência cultural de sermos permanentemente fortes e eficientes, rendendo 24 horas por dia, sete dias por semana.”
“Existe certa sabedoria em aceitar que existe um momento do ano no qual iremos nos sentir um pouco mais cansados e respeitar nossas próprias variações naturais e a necessidade de fazer uma pausa.”
“Meu conselho é aceitar isso e receber a estação de braços abertos”, ensina Solhaug.
Mudar é possível
A visão de Leibowitz não é ingênua. Ela reconhece que o contexto favorece a adoção de uma atitude positiva.
“[Esta postura] é facilitada por morar em um local onde a infraestrutura ajuda as pessoas a aceitar o inverno, onde os cafés e restaurantes são quentes e acolhedores, usam velas e têm lugares para pendurar os casacos e onde as ruas são limpas da neve todo o ano.”
“Ou seja, onde se possibilita que o inverno não seja uma estação que cause restrições, mas um momento repleto de oportunidades especiais”, descreve a pesquisadora.
Também é verdade que é mais fácil desfrutar do inverno em países como a Noruega ou a Finlândia, por exemplo, onde o clima é normalmente extremo e todas as experiências são permeadas pela cultura de aproveitar a estação.
“Lugares como a Espanha ou Portugal foram construídos para o verão”, ressalta Leibowitz. Lá pode fazer frio nos espaços internos e “é mais difícil aproveitar o inverno quando você realmente fica incomodado com o frio”.
Mesmo em culturas com tendência de favorecer o verão e onde a temporada de inverno não possua a mesma beleza coroada por flocos de neve e mágicas auroras boreais, Leibowitz garante que é possível aplicar as estratégias descritas para melhorar a experiência nessa época do ano.
“Sim, é possível transformar sua experiência do inverno”, afirma a pesquisadora.
Ela percebeu essa possibilidade no seu consultório e por experiência própria, depois de morar em outros países. Leibowitz foi criada na costa leste dos Estados Unidos, em uma sociedade voltada para o verão e as praias.
“Claro que seria lindo que isso acontecesse em uma sociedade que oferecesse apoio, mas também acredito que os indivíduos podem mudar a cultura. Quando os indivíduos mudam e difundem esses avanços entre seus familiares, amigos e colegas de trabalho, surgem as mudanças culturais.”
E, se não funcionar em nível macro, “pelo menos você pode tomar essas medidas e fazer a diferença na sua própria vida”.
Fonte: BBC
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