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A revolucionária série policial ‘Família Soprano’ estreou nos Estados Unidos 25 anos atrás

  • Author, Myles Burke
  • Role, BBC Culture

“Você precisa escrever sobre sua mãe. Sua mãe é dinheiro no banco.”

Foi assim que o roteirista e produtor de Família Soprano, David Chase, contou qual foi a inspiração tão improvável por trás da sua revolucionária série policial, durante uma extensa entrevista para a BBC em 2006.

Ele relembra que sua esposa Denise havia se convencido há muito tempo que a mãe dele era uma valiosa fonte de comédia – e que outras pessoas teriam a mesma opinião.

Ela não era a única a pensar dessa forma. Seus colegas, dos programas de televisão em que ele trabalhava, diziam a mesma coisa quando ouviam suas histórias sobre ela. Mas Chase não sabia como levar essas histórias para a tela da TV.

“Pensei, ‘por que alguém iria querer ver isso?'”, ele conta. “Um produtor de TV com uma espécie de mãe maluca e autoritária?”

“Nunca parei para pensar muito nisso. Até que algo me fez imaginar que poderia ser engraçado fazer uma história sobre um cara que fosse muito mais enérgico que eu. Muito mais másculo, inflexível, bárbaro, tudo isso, com uma mãe como aquela.”

“Achei que talvez fosse interessante se o cara fosse um mafioso, que coloca a mãe em uma casa de repouso e ela quisesse matá-lo por isso”, prossegue Chase.

“E, com terapia, ele percebe que seu inimigo real na máfia, não apenas na vida, mas na sua dinâmica interna, é a sua mãe. Esta seria uma boa comédia.”

Assim nasceu uma das mais aclamadas séries dramáticas da TV de todos os tempos. Família Soprano não foi apenas uma série policial. Foi um fenômeno cultural.

A complexa história da vida turbulenta do chefe da máfia Tony Soprano ilustra um homem que sofre perturbadores ataques de pânico ao enfrentar os compromissos familiares diários, os demônios da sua infância perturbada e a realidade do seu trabalho brutal e perigoso, até que ele vai em busca de terapia com a psiquiatra Jennifer Melfi.

David Chase fez terapia. “Acho que eu era muito ansioso. Minha mãe fazia todos ficarem ansiosos”, ele conta.

Embora nunca tenha planejado um atentado contra o próprio filho – como fez Livia, a mãe de Tony Soprano na série –, a mãe de Chase costumava sofrer violentas alterações de humor durante a infância do filho, que ficava frequentemente assustado.

Ele relembra que, certa vez, não pôde ir à escola porque estava nevando. Ele ficou então se queixando à sua mãe por não ter um órgão elétrico para tocar.

“Até que ela saiu da cozinha com uma faca e disse, ‘gostaria de arrancar seu olho fora!'”, ele conta. “E ela parecia falar sério. Então, eu disse ‘oh! OK!’ Não que ela teria realmente feito aquilo.”

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A inesperada origem da série ‘Família Soprano’: ‘sua mãe é dinheiro no banco’

Em Família Soprano, Chase usou a terapia como pano de fundo para explorar seu anti-herói, com suas profundas falhas e sério comprometimento moral – e permitir que o público sentisse empatia por ele.

Interpretado pelo ator James Gandolfini (1961-2013), Tony Soprano aparece na série não apenas como um mafioso implacável, mas como um marido e pai vulnerável, em meio a uma crise existencial tão aguda que, às vezes, fazia com que ele perdesse a consciência.

Esse retrato atenuado se estendia a todos os personagens. Os atores não estavam apenas interpretando personagens comuns – uma esposa, uma mãe ou um braço-direito da máfia, apenas para prosseguir com o roteiro. Eram seres humanos com personalidades desenvolvidas, com suas próprias lutas, motivações e problemas internos.

O destaque ao subconsciente de Tony e à psique dos personagens permitiu que a série contasse a história de forma não linear, usando flashbacks, alucinações e sequências de sonhos para examinar sua turbulência interna, questionando as convenções da televisão tradicional da época.

Essa dinâmica permitiu que a série abordasse temas mais amplos de saúde mental, identidade, família e poder, com um nível de realismo e profundidade raramente observado nas séries de TV americanas.

Sua forma diferenciada de contar a história fez com que Família Soprano não fosse apenas um drama policial, mas uma reflexão sobre a sociedade americana e as complexidades da condição humana.

A recusa da série em oferecer respostas fáceis ou resoluções morais, desafiando os espectadores a confrontar suas próprias concepções errôneas e preconceitos, aumentou a identificação do público.

Sua produção cinematográfica e estrutura narrativa atraíram a audiência e abalaram suas expectativas. A série foi um imenso sucesso comercial e de crítica, ganhando 22 prêmios Emmy e cinco Globos de Ouro.

‘Minha mãe é assim!’

Nas duas primeiras temporadas, a mãe de Tony Soprano, Livia – interpretada por Nancy Marchand (1928-2000) –, foi fundamental. Sua semelhança com a mãe de David Chase foi confirmada pelo restante da família.

“Todos os meus parentes perceberam imediatamente… assim que viram a série, eles disseram, ‘meu Deus, é a tia Norma'”, ele conta.

Às vezes, Família Soprano é um retrato brutal de uma mãe diabólica – engraçada, mas cruel e imprevisível.

A culpa é um tema que permeia a série, mas o roteirista afirma que não se sentiu mal ao mostrar sua mãe sob esse ângulo.

“Apresentei esse tipo de visão cômica da minha mãe”, ele conta. “Eu a levei ao ar e ela se tornou esse personagem adorado. Por isso, nunca me senti culpado. Todos amavam Livia. Eles a adoraram, exatamente como previu minha esposa.”

“Ela era engraçada, ela era revoltante, ela dizia qualquer coisa ridícula que lhe viesse à cabeça e não sei dizer quantas pessoas, milhares de pessoas, disseram: ‘Meu Deus! Minha tia Mary é assim!’, ‘Minha mãe é assim!’, ‘Minha avó é assim!’, ‘Nunca vi nada assim, você pegou minha tia!’, ‘Você pegou minha mãe!'”

“Por isso, nunca me senti culpado”, conclui Chase, “porque claramente toquei em um ponto específico sobre um certo tipo de mulher.”