- Author, Sophia Smith Galer
- Role, BBC
O hímen – ou a coroa vaginal, como alguns acreditam que devemos chamá-lo hoje em dia – tem sido um centro de polêmica e ansiedade há séculos. Como podemos acabar com os mitos em torno dele?
“Eu sou virgem?” perguntou uma desconhecida pela internet, direto ao ponto, em e-mail recebido por Abir Sarras. Sarras não tinha certeza de como responder. Era a primeira vez que recebia o que descreve como uma “selfie de vagina”.
Na época, Sarras era administradora da página Love Matters Arabic do Facebook, que oferece educação sexual e sobre relacionamentos em árabe nas redes sociais.
“Ela disse que teve um relacionamento e agora estava ficando noiva e queria ter certeza de que era virgem”, explica Sarras. E faz uma pausa e faz uma careta: “Eu odeio essa palavra: maftuuha – ela perguntou se estava isso, ela perguntou se estava ‘aberta’.”
O que a desconhecida estava realmente perguntando era se Sarras podia ver seu hímen pela foto – e dizer se estava “intacto” -, uma consequência da pressão em sua comunidade para que mulheres casem-se virgens, e para que seu marido pudesse comprovar, na forma de sangue.
Essa crença de que o hímen fornece “prova” física do histórico sexual é a premissa do teste de virgindade, uma prática condenada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2018 como uma violação dos direitos humanos.
Tais testes são feitos de diferentes formas; desde exames físicos de medição de um hímen ou frouxidão vaginal até rituais de noite de núpcias, onde se espera que um lençol ensanguentado apareça e até mesmo seja mostrado às famílias dos noivos.
Apesar de não haver base científica – e apesar da própria virgindade ser uma construção social sem realidade biológica – milhões em todo o mundo seguem acreditando que o histórico sexual de uma mulher está de alguma forma escrita em sua anatomia, e que todas as mulheres cisgênero sangram ao fazerem sexo pela primeira vez. Nenhum dos dois, claro, é verdade – mas tais crenças são encontradas em idiomas, religiões e comunidades ao redor mundo.
No meu livro Losing It, tentei construir uma espécie de cartografia do mito do hímen – mapeando as perguntas que pessoas como Sarras fazem sobre ele, onde e por quem essas crenças são endossadas e se o que está por trás do seu poder persistente é uma escassez de pesquisa científica.
Encontrei muitas pesquisas científicas desfazendo o mito. Mas também descobri um mundo em que médicos endossam a ideia, vários órgãos legislativos a validam e onde muitas vezes há um completo desinteresse por uma educação sexual com informações corretas sobre o hímen em todo o mundo.
O hímen é um tecido pequeno e membranoso que pode ser encontrado perto da abertura da vagina. É realmente incrível que um pequeno pedaço de tecido aparentemente sem função tenha sido conectado a um propósito tão impreciso.
Há algum debate entre a comunidade científica sobre o motivo de o hímen existir em primeiro lugar. Seria uma sobra de quando nossas formas de mamíferos pré-históricos foram da água para a terra? Estaria lá para prevenir que bactérias fecais deslizem para a vagina na infância? Ninguém sabe.
O tecido parece fazer mais sentido em outras espécies – os hímens dos porquinhos-da-índia se dissolvem quando a fêmea está em idade reprodutiva e depois voltam a crescer, por exemplo. Algo que os nossos não fazem.
Para aqueles de nós com vaginas, os hímens podem variar muito. Poucas de nós terá crescido tendo visto esse tipo de diagrama, que mostra como eles podem ser.
Muitas pessoas acreditam erroneamente que o hímen sela a vagina, não percebendo que isso significaria que uma mulher não seria capaz de menstruar (uma minoria, na verdade, tem essa condição e é possível fazer uma himenectomia para ajudar a abrir o canal).
Em vez disso, a maioria dos hímens tem uma forma anular ou de lua crescente e pode assumir diversas espessuras. Poucas de nós teriam sido informadas de que ele pode mudar com a idade, que algumas de nós não nascem com um, ou que pode desaparecer totalmente quando entramos na maturidade sexual de qualquer maneira. Ou que uma grande variedade de atividades pode esticá-lo ou rasgá-lo, desde exercícios até masturbação e, sim, sexo penetrante.
Mas isso não significa que a ideia de que você pode verificar a ocorrência de atividade sexual com um exame de hímen seja válida. Um pequeno estudo com 36 adolescentes grávidas publicado em 2004, por exemplo, descobriu que a equipe médica só conseguiu fazer “achados definitivos de penetração” em dois casos.
Outro estudo de 2004 descobriu que 52% das adolescentes sexualmente ativas entrevistadas “não tinham alterações identificáveis no tecido himenal”. Assim, uma ideia binária de que, ou somos sexualmente ativos e não temos hímen visível, ou não somos sexualmente ativos e temos um, simplesmente não é precisa.
O sangue no lençol, um tipo de teste de virgindade usado em todo o mundo, também é baseado em falsidades. Alguns hímens podem sangrar quando esticados pela primeira vez se o ato for abrupto ou se você não estiver relaxada, mas qualquer sangue é realmente muito mais provável de vir de lacerações na parede vaginal devido a força ou falta de lubrificação.
Sangramento na primeira relação sexual pode ou não acontecer, assim como o sangramento após o sexo depois da primeira vez pode ou não acontecer.
As razões para o sangramento durante o sexo incluem ansiedade, não estar totalmente excitada ou estar experimentando o agravamento, por exemplo, de alguma infecção. Quando uma obstetra pesquisou 41 de suas colegas, perguntando se elas sangraram na primeira vez que tiveram uma relação sexual ou não, 63% delas disseram que não.
Mas em países que continuam a valorizar a virgindade e policiam a sexualidade feminina, há pouco espaço para essa nuance biológica. Um estudo de 2011 na Universidade Dicle, na Turquia, descobriu que 72,1% das estudantes do sexo feminino e 74,2% dos homens acreditavam que o hímen simbolizava a virgindade; e 30,1% dos homens afirmaram que “o lençol manchado de sangue” deveria ser exibido à família no dia do casamento.
Isso pode ter um impacto profundo na capacidade das mulheres de acessar a saúde sexual positiva, impedindo-as de explorar sua identidade sexual e gerando ansiedade em torno do sexo.
Um estudo social em Gizé, Egito, descobriu que a maioria das mulheres entrevistadas sentiu ansiedade e medo antes da noite de núpcias e dor e pânico durante e depois, por causa de ideias em torno da virgindade e do hímen.
Em uma pesquisa libanesa com estudantes universitárias de 2013, quase 43% das mulheres entrevistadas disseram que não fariam sexo antes do casamento por medo de não sangrar na noite de núpcias.
Outro estudo do Líbano, este de 2017, descobriu que de 416 mulheres entrevistadas, cerca de 40% delas relataram ter feito sexo anal ou oral para preservar seu hímen para o casamento.
Na minha pesquisa, encontrei inúmeras postagens online de mulheres aterrorizadas que a masturbação tivesse feito com que perdessem seus hímens – ou tinham claramente tanto medo de se tocar que simplesmente nunca o tinham feito.
O mito do hímen não afeta apenas o bem-estar sexual das mulheres e, de fato, a igualdade – pode impedir o acesso delas à justiça. O Paquistão só proibiu recentemente os testes de virgindade em sobreviventes de estupro para processos judiciais; vários países, especialmente na Ásia, no Oriente Médio e norte e sul da África, ainda os realizam.
E muitos médicos em todo o mundo oferecem uma cirurgia altamente lucractiva de reparo de hímen para mulheres que fizeram sexo pré-antes do casamento e temem as consequências caso sejam descobertas.
Quando escrevia meu livro – um ano antes de políticos decidirem proibir o procedimento no Reino Unido, em janeiro de 2022 – enviei um e-mail para um cirurgião de Londres sobre testes de virgindade.
Seu assistente me disse que eu seria capaz de obter um atestado médico confirmando que eu tinha um hímen intacto após uma consulta de £ 300 (US$ 390), se eu tivesse um. Se eu não o tizesse, uma cirurgia de reparo de hímen de £ 5.400 (US$ 7.000) me aguardava – após a qual eu receberia o mesmo atestado médico.
Enquanto a lei que proibirá o reparo de hímens no Reino Unido tramita pelo Parlamento, é claro que alguns cirurgiões estão aproveitando até o último momento para oferecer seus serviços no Reino Unido. Um cirurgião de Londres segue afirmando, online, que o reparo do hímen pode ser “benéfico para mulheres que possam ter sofrido danos vaginais devido a relações sexuais ou atividades físicas extenuantes”. (Mas se um hímen não serve a nenhum propósito biológico, o que é benéfico sobre a cirurgia invasiva na área?)
Mentiras também florescem nos sites de clínicas pelo mundo todo. “A himenoplastia é realizada para devolver a virgindade de uma paciente”, diz um cirurgião libanês. “A himenoplastia é a restauração do hímen ao seu estado original de ‘virgem'”, diz outro em Nova York.
Então, como acabar com o mito do hímen? Chamar a atenção para algumas dessas pesquisas seria um começo, assim como mudar as práticas legais que endossam os testes de virgindade e impedir que os profissionais de saúde enganem as pessoas.
A questão é que muitas dessas ideias não são apenas introduzidas ao longo das gerações; elas são apoiadas por ideias que não necessariamente reconhecem ou necessitam de apoio no que a ciência diz. Se você acredita na cultura de virgindade e apoia a desigualdade de gênero por trás dela, uma mudança social sísmica pode ter que ocorrer para fazer você pensar diferente.
Alguns acreditam que uma maneira de acabar com o mito de uma vez por todas é mudar completamente o nome do hímen. Dado que tantos idiomas literalmente a nomeiam de “membrana da virgindade” – incluindo árabe e tcheco – isso parece uma boa ideia.
De fato, pesquisas descobriram que renomear o hímen pode realmente funcionar na mudança de percepções. Em 2009, a Associação Sueca de Educação Sexual decidiu transformar a palavra mödomshinna, “membrana da virgindade”, em mödomshinna, “coroa vaginal”. Começaram a usá-la em todos os lugares: panfletos de serviços de saúde sexual, jornais, o órgão oficial de planejamento de idiomas da Suécia e em todas as comunicações futuras da associação.
Quase 10 anos depois, a pesquisadora Karin Milles descobriu que 86% dos profissionais de saúde pesquisados usaram a palavra “coroa vaginal” em suas clínicas e visitas. E enquanto apenas 22% dos jovens tinham sequer ouvido falar, um número menor deles mostrava sinais de ver o hímen de uma forma tradicionalmente patriarcal.
Muitos que não necessariamente usaram a nova palavra ainda estavam repetindo a fraseologia positiva para o sexo dos panfletos da associação. Entre os poucos que conheciam a nova palavra, a maioria descreveu mödomshinna como “um mito”. Outros disseram simplesmente que “não existe”. E muitos apontaram que a ideia era antiga ou algo em acreditavam antes, na infância ou até alguém dizer que era mentira.
Uma mudança na linguagem não acontece da noite para o dia, mas é um começo. Nos países de língua inglesa, há muitos educadores sexuais que acreditam que devemos adotar coroa vaginal também. Nossa palavra vem do antigo deus grego, Hymen – que, não surpreende, era o deus do casamento -, e os mitos em torno da membrana mancharam indelevelmente a própria palavra que usamos para ela.
Mas o sucesso dos suecos está em não apenas mudarem a palavra, mas também explicarem, para jovens e profissionais médicos, o porquê de o terem feito.
Como os governos de todo o mundo parecem ter um interesse crescente em proibir práticas como testes de virgindade e reparo de hímen, seria esperto considerarem que as razões por trás das proibições são levadas para salas de aula e salas de palestra. Dessa forma, podemos nunca mais deixar esses mitos perigosos aparecerem.
Fonte: BBC
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