- Author, Myles Burke
- Role, BBC Culture
Um incidente amplamente citado na cultura popular completou 85 anos no último dia 30 de outubro.
A história de histeria coletiva ficou tão entranhada no folclore dos meios de comunicação que passou décadas sem ser contestada.
Mas, nos últimos anos, historiadores como o professor W. Joseph Campbell, da Universidade Americana em Washington D.C., defenderam que o suposto pânico sempre foi exagerado e que a maioria dos ouvintes compreendeu que o programa era uma obra de ficção.
A ideia de uma nação mergulhada na histeria foi impulsionada ativamente pelos jornais da época.
Em 1938, o rádio era um meio de comunicação emergente, mas que já concorria pelas notícias com a imprensa escrita. Por isso, os jornais estavam ávidos para retratar o rádio como um meio irresponsável, que não merecia confiança.
E o próprio Orson Welles promoveu o mito, repetindo a história incontáveis vezes em entrevistas nos anos que se seguiram.
Embora não se saiba ao certo até que ponto realmente chegou o pânico causado pela produção de Orson Welles, alguns fatos permanecem – principalmente, que o programa demonstrou o poder e o potencial do rádio como meio de comunicação.
Welles era diretor e astro da série de radioteatro Mercury Theatre on the Air, transmitida pela rede americana CBS.
Na noite de 30 de outubro de 1938, pouco antes do Dia das Bruxas, ele estava realizando os últimos ensaios do seu novo e inovador programa.
Welles tinha apenas 23 anos de idade e muitos o consideravam um prodígio.
Ele estava trabalhando no seu projeto mais ambicioso até então: uma atualização do romance de ficção científica A Guerra dos Mundos, publicado em 1898 pelo escritor britânico H. G. Wells (1866-1946).
Sua ideia era dar vida à história de Wells, ambientando ela nos dias atuais, e criando um senso de urgência e medo.
Ele mudou o local da Inglaterra para Nova Jersey, nos Estados Unidos, e a história foi reescrita como uma série de boletins jornalísticos realistas, informando sobre uma invasão alienígena incontrolável pelo planeta Marte.
Tudo soava como uma transmissão ao vivo, borrando os limites entre realidade e ficção.
“Nós fizemos aquilo com muito cuidado e reproduzimos exatamente o que teria acontecido. Pensando em como tornar tudo mais eficaz. Mas não tínhamos de ideia do quanto seria eficaz”, contou Welles em 1955, em um episódio de uma série da BBC intitulada Orson Welles’s Sketch Book (“O caderno de rascunhos de Orson Welles”, em tradução livre).
As circunstâncias forneceram o pano de fundo perfeito para a produção radiofônica.
Naquele tempo, o rádio vinha substituindo rapidamente os jornais como a fonte das notícias do dia para a maioria dos americanos.
E havia também a sensação geral de ansiedade com a possibilidade de mais um conflito na Europa.
À medida que se aceleravam os eventos que levariam o mundo para a Segunda Guerra Mundial, o público americano ficava cada vez mais acostumado aos programas de rádio sendo interrompidos com notícias importantes.
Às 20 horas, pelo horário da costa leste dos Estados Unidos, Welles começou o programa apresentando a dramatização e esclarecendo que se tratava de uma obra de ficção.
Mas os ouvintes que sintonizaram o programa mais tarde perderam esse aviso.
E alguns que ouviram, na verdade, não prestaram atenção no que ele estava dizendo ou simplesmente esqueceram à medida que a dramatização se desenvolvia.
Marte ataca!
O que se seguiu foi um programa musical regular, conhecido dos ouvintes, interrompido por uma série de boletins de notícias extraordinárias simuladas e cada vez mais frenéticas.
Os atores interpretavam repórteres e funcionários do governo ofegantes, descrevendo a chegada dos invasores alienígenas. As descrições eram combinadas com efeitos sonoros assustadoramente realistas dos raios de calor mortais dos extraterrestres – e da destruição de cidades inteiras.
Os efeitos foram poderosos e aterrorizaram os ouvintes.
O estilo de documentário e o diálogo natural da dramatização fizeram com que alguns chegassem a confundir o programa com uma transmissão jornalística de verdade.
Os jornais relataram posteriormente que ouvintes ansiosos, acreditando que o fim do mundo era iminente, tentaram fugir de suas casas, enquanto outros juntavam armas e se preparavam para se defender contra os alienígenas.
As linhas telefônicas ficaram congestionadas com ouvintes tentando ligar para a polícia e jornais em busca de informações ou de confirmações.
O fluxo de chamadas pode ter convencido muitos jornalistas de que o programa estaria causando um pânico nacional.
A polícia logo apareceu no estúdio da CBS onde acontecia a dramatização e começou uma discussão entre policiais e executivos da rádio, que tentavam desesperadamente evitar que eles invadissem e interrompessem o programa.
Welles estava em meio à transmissão da peça e só percebeu seus efeitos “porque, na metade do programa, enquanto dávamos seguimento ao roteiro à nossa frente, nós víamos que, na sala de controle, havia muitos policiais, cada vez mais. Eu não fazia ideia que havia me tornado, de repente, uma espécie de evento nacional”.
“Imediatamente depois que nosso programa saiu do ar, Walter Winchell [jornalista americano, 1897-1972] estava em uma rede concorrente e ficou sabendo que nossas linhas telefônicas estavam congestionadas”, contou Welles.
“No seu programa de comentários sobre as notícias, ele disse: ‘Sr. e Sra. América, não há razão para alarme. A América não caiu. Repito, a América não caiu’.”
Nos dias que se seguiram, Orson Welles e sua equipe enfrentaram fortes reações negativas da imprensa e do governo.
O programa dominou as manchetes dos jornais do dia seguinte e muitos jornalistas extrapolaram os relatos individuais para afirmar que os americanos entraram em pânico de forma generalizada. Isso ajudou a solidificar a impressão de que o programa de Welles teria criado histeria coletiva.
Houve ameaças de ações na Justiça e pedidos de censura e regulação do conteúdo transmitido pelo rádio.
A CBS convocou apressadamente uma entrevista coletiva, na qual Welles negou repetidamente que houvesse tentado enganar as pessoas.
Por fim, a Comissão Federal de Comunicações dos Estados Unidos (FCC, na sigla em inglês) investigou o incidente e concluiu que nenhuma lei foi desrespeitada, mas as redes precisaram concordar que seriam mais cautelosas com sua programação no futuro.
A gravação da BBC revela que, questionado sobre a transmissão posteriormente, Welles – sempre um contador de histórias – fazia grandes afirmações sobre o impacto permanente do seu programa sobre a opinião pública.
“Eu estava no meio de um hino de louvor aos campos de milho americanos ou algo do tipo”, ele conta, “quando, de repente, um senhor entrou no estúdio da rádio, levantou a mão e disse: ‘Interrompemos este programa para trazer um anúncio: Pearl Harbor acaba de ser atacada’.”
“E, é claro, ninguém acreditou naquela notícia terrível e muito séria”, prossegue Welles. “Ninguém na América acreditou por horas, porque todos diziam ‘bem, lá vem ele de novo, realmente de muito mau gosto, foi engraçado uma vez, mas não novamente’.”
Nos anos que se seguiram, surgiram muitos debates sobre o real nível de pânico causado pelo programa e se ele realmente foi superestimado, ou quantas pessoas ouviram de fato a dramatização, contrariando o que indicam as reportagens dos jornais da época.
Mas, independentemente disso, A Guerra dos Mundos de Orson Welles permanece sendo um marco na história do rádio e um testemunho do poder da arte de contar histórias para capturar a imaginação do público.
Fonte: BBC
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