- Author, Caryn James
- Role, BBC Culture
A rainha Elizabeth II faz falta de muitas maneiras. Na verdade, o luto mundial pela sua morte em 2022 foi um comovente lembrete sobre a sua importância ao longo dos 70 anos do seu reinado. E na tela, sua presença diminuída nas duas últimas temporadas de The Crown ajuda a responder o que deu errado com a série.
Agora que a famosa ficção de seis temporadas do escritor Peter Morgan terminou, a visão de longo prazo revela que quanto mais a série focava na rainha, melhor era.
Há um amplo consenso de que as duas últimas temporadas da série foram muito mais fracas do que seus gloriosos períodos anteriores. E os episódios mais recentes muitas vezes deixaram a rainha em segundo plano, acenando para Tony Blair ou suspirando para o príncipe Charles.
No entanto, a chave para o sucesso da série sempre foi a inteligência com que ela descortinou e preencheu detalhes emocionais íntimos para sugerir como a rainha poderia ter sido por trás de sua presença pública agradável e enigmática. As maquinações políticas e familiares giravam em torno dela, desde a crise de Suez até lidar com uma irmã que bebia demais, mas seu caráter sempre foi central na trama.
Claire Foy, como a jovem rainha de olhos arregalados, estava cheia de esperança e um pouco de insegurança em fazer jus ao seu título.
Olivia Colman assumiu perfeitamente o papel de rainha de meia-idade, dessa vez solidamente segura de si, mas lutando com dores de cabeça pessoais e políticas, respondendo a uma greve dos mineiros de carvão e preocupada com o fato de Charles ter se apaixonado por uma mulher inadequada, Camilla Shand.
As suas ações foram baseadas em especulações psicologicamente astutas – ela deve ter tido dúvidas e momentos sombrios – que a fizeram ganhar vida como mais do que uma figura de proa.
Imelda Staunton, como a rainha mais velha, estava mais calma e, em uma previsão intrigante, embora menos convincente, falou em particular sobre o futuro da própria monarquia. Se Elizabeth teve menos impacto, é em parte porque Staunton foi muito subutilizada na série.
A fórmula bem-sucedida de Morgan de se aproximar dos fatos conhecidos e preencher o resto de maneira confiável marcou o seu filme inovador The Queen (2006), sobre a lenta resposta pública à morte de Diana, e a sua peça teatral The Audience (2013), sobre as famosas reuniões semanais privadas de Elizabeth com seus primeiros-ministros. Ele carregou a estratégia de forma brilhante para The Crown.
E ele cercou Elizabeth de personagens e atuações bem desenhadas, com um improvável John Lithgow como um gentil, mas astuto Winston Churchill, seu primeiro primeiro-ministro, e Gillian Anderson como a afiada Margaret Thatcher.
A princesa Margaret evoluiu da linda filha selvagem de Vanessa Kirby para a sibarita de Helena Bonham-Carter e a irmã leal e subjugada de Lesley Manville.
E embora houvesse reclamações intermináveis sobre o quão fiel à história era The Crown, a série muitas vezes era tão próxima que os ruídos com a realidade giravam em torno dos detalhes.
O assistente de Churchill que morreu no Grande Nevoeiro de 1952 na primeira temporada pode ter sido fictício, mas milhares morreram durante aquele evento há muito esquecido, um dos muitos que a série restaurou para a cultura atual.
O programa muitas vezes funcionou perfeitamente como uma aula de história envolta em um melodrama familiar.
Mas as duas últimas temporadas deram aos espectadores exatamente o que ninguém precisava: mais Diana e Dodi, Charles e Camilla, Will e Kate; todos os maiores sucessos dos tabloides.
O problema não é simplesmente que a história se aproximava do presente, embora isso também fosse um problema. Há muito menos espaços em branco para preencher depois que o mundo leu as transcrições das conversas telefônicas privadas de Charles e Camilla sobre “quero ser seu absorvente interno”.
Um problema maior é que a especulação que existia se tornou tensa e menos astuta. Parte disso saiu dos trilhos, especialmente na obsessão de Morgan com a abdicação ao trono. Na temporada passada, foi a conversa fictícia de Charles com o primeiro-ministro John Major sobre expulsar a rainha, a cena que causou reação negativa. Uma variação desse momento é retomada no desajeitado episódio final da série.
Morgan estava claramente se esforçando para olhar para o futuro e reconhecer a morte de Elizabeth, embora a cronologia da série termine em 2005.
Em uma edição que reúne muitas coisas, a rainha e o príncipe Philip planejam seus próprios funerais. E em uma verdadeira mentira ficcional (spoiler à frente), o programa sugere que no mesmo dia do casamento de Charles e Camilla, Elizabeth esteva muito perto de anunciar que havia decidido abdicar, algo que muitos relatos sugerem que ela nunca teria feito, salvo houvesse alguma incapacidade real.
A última cena da série pode, involuntariamente, trazer à mente o desenho que se tornou viral após a morte da rainha, em que ela aparece ao lado do Urso Paddington indo embora.
Essa conexão ridícula sugere o quão longe o programa se afastou de seu início magnífico ao perder de vista sua heroína verossímil e real.
A parte dois da sexta temporada de The Crown já está no Netflix.
Fonte: BBC
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