- Author, Lillian Stone*
- Role, BBC Worklife
Em um supermercado de Nova York, nos Estados Unidos, a seção de cervejas artesanais exibe em destaque diversos pacotes com quatro latas brilhantes e coloridas, decoradas com padrões geométricos. Elas convidam os consumidores a provar cervejas com notas de frutas.
A aparência das latas pode parecer “feminina”, especialmente considerando o marketing eminentemente masculino das marcas de cerveja à sua volta. Mas esta é exatamente a intenção.
A cervejaria por trás das embalagens de bebidas em nobres tons pastéis é de propriedade de mulheres. Trata-se da Talea Beer Co., com sede no Brooklin (Nova York). Ela foi fundada em 2019 por LeAnn Darland e Tara Hankinson, ambas com 37 anos de idade.
“Nossa premissa ao fundar a Talea foi de que mulheres como nós não eram consideradas consumidoras pelas cervejarias artesanais existentes”, escrevem Darland e Hankinson, por e-mail para a BBC. “Nosso objetivo é tornar a cerveja artesanal mais inclusiva, seja você mulher, membro da comunidade LGBTQIA , parte de uma minoria ou apenas iniciante nas cervejas artesanais.”
As mulheres sempre consumiram cerveja, mas costumam ser relegadas a segundo plano no cenário das bebidas alcoólicas, quando não são totalmente esquecidas pelos padrões sexistas de marketing do setor.
Tanto as grandes marcas de cerveja quanto as cervejarias artesanais consideram os homens seus principais clientes há anos. Mas, quando as cervejarias britânicas começaram a mudar de foco, afastando-se do marketing sexista, as marcas americanas passaram a correr atrás.
Um dos anúncios mais marcantes foi um comercial de televisão de 2019, que mostrava uma mulher tirando os sapatos, pegando uma cerveja gelada da marca americana Coors Light, sentando-se no sofá e abrindo com habilidade o sutiã com uma das mãos para relaxar no fim do dia.
Agora, marcas importantes como a americana Miller Lite e a Corona estão adotando técnicas similares para dirigir seus anúncios às mulheres – e marcas como a Talea produzem cerveja destinada a grupos diversos de consumidores desde a sua fundação.
‘Imperativo econômico’
A jornalista especializada em bebidas alcoólicas Kate Bernot já escreveu extensamente sobre as mudanças demográficas do consumo de cerveja para a coluna Sightlines do site Good Beer Hunting. Ela chama o marketing inclusivo de “imperativo econômico”.
Para ela, “as boas normas culturais de hoje em dia não são mais normas de gênero heteronormativas. Acho que as mulheres – e muitos homens – ficam felizes ao ver uma abordagem mais nova e inteligente. É preciso que as empresas trabalhem um pouco mais.”
Bernot observa uma forte razão para esta mudança, que é o aumento do número de mulheres em posição de comando nas salas de reunião historicamente masculinas das cervejarias.
Um exemplo é a CEO (diretora-executiva) da Heineken norte-americana, Maggie Timoney, que subiu os degraus da companhia até assumir o posto máximo em 2021. E, na Molson Coors (americana), Michelle St. Jacques é a principal diretora comercial desde março deste ano.
Todos esses fatores estão impulsionando a indústria cervejeira para muito além da cultura sexista dos anos 1990 e início dos anos 2000.
“As cervejarias artesanais, especialmente no início do movimento cervejeiro artesanal nos Estados Unidos, tinham um posicionamento muito rebelde”, afirma Bernot. E este pensamento gerou o que ela chama de “tipo de marketing muito agressivo”.
Um exemplo é a cerveja Arrogant Bastard Ale, da cervejaria americana Stone Brewing, que se autodenomina uma celebração da “arrogância líquida“. Seu slogan é: “você não merece”.
O marketing irônico da Stone Brewing não é implicitamente sexista. Na verdade, ele pode até agradar algumas mulheres que desejam questionar a visão masculina estereotipada dos consumidores.
Mas Bernot defende que esse marketing grosseiro pode afastar possíveis consumidoras que já se sentem excluídas do setor.
“Esta atitude afasta muito as mulheres – meio que afasta a todos”, afirma ela. “Você está literalmente ouvindo que ‘isto não é para você’.”
‘As mulheres não querem ser conduzidas’
Não foram só as empresas já existentes que perceberam a necessidade de mudar suas mensagens ao público. Os recém-chegados ao setor também encontram oportunidades comerciais, definindo as mulheres e outros consumidores historicamente esquecidos como seus principais mercados.
Uma forma de atingir esse público é adaptar as embalagens e os nomes das cervejas para evitar a exclusão, além de produzir cervejas com maior variedade de sabores.
A Talea oferece uma variada linha de cervejas. Diversas delas contêm bases mais suaves ou notas de frutas, que nem sempre são incluídas nas seleções de cervejas escuras ou pesadas, com alto teor alcoólico, de muitas cervejarias.
“Nós pesquisamos os dados de avaliação do [site de avaliação de cervejas] BeerAdvocate e descobrimos que a maioria das 10 principais cervejas consumidas por pessoas identificadas como mulheres eram cervejas azedas, contra cervejas Stout e IPA com alto teor alcoólico, que têm avaliação mais alta entre os homens”, afirma Hankinson.
“Isso inspirou nosso portfólio de cervejas frutadas com baixo amargor”, prossegue ela. “Nossa visão é que as mulheres passam a conhecer a cerveja artesanal com perfis de sabor que elas conhecem e adoram – elas passam então a confiar em nós e, com sorte, experimentam nossas outras cervejas, além das do tipo Sour.”
A estratégia está funcionando. Atualmente, Darland e Hankinson estimam que 70% dos clientes da sua choperia são mulheres.
Mas as fundadoras da cervejaria rapidamente advertem que suas cervejas não são as bebidas “diet” que compõem grande parte do mercado de álcool dirigido às mulheres.
“As mulheres não querem ser conduzidas”, afirmam elas. “Muitos potenciais investidores nos perguntaram a contagem de calorias ou se nós seríamos a ‘Skinnygirl’ [empresa produtora de álcool com baixo teor de calorias] da cerveja. As mulheres não são simples consumidoras de bebidas diet… nossas clientes investem em experiências.”
Averie Swanson, fundadora da Keeping Together – um projeto de fabricação de cerveja em pequenos lotes de Santa Fe, no Novo México (EUA) – é da mesma opinião.
Como uma das poucas mulheres americanas certificadas como Mestre Cicerone (um padrão de certificação superior da indústria cervejeira), Swanson dedica-se a cervejas com “toque mais suave”. Seus produtos recebem nomes como Criaturas de Infinita Contradição e Sonhando com uma Linguagem Comum.
Uma das cervejas de Swanson, chamada Ondulante & Impermanente, possui notas de granola apimentada, maçã vermelha caramelada, cinco-perfumes-chineses e flores de calêndula.
O marketing do produto não é necessariamente dirigido às mulheres, mas a produtora afirma que a cerveja incentiva a curiosidade e o diálogo – uma fuga do posicionamento e dos sabores comuns na indústria cervejeira.
“Quero incentivar as pessoas a oferecer apoio umas às outras, a interagir entre si”, afirma Swanson. E esta abordagem se estende à cervejaria física e ao espaço de choperia da Keeping Together, que ela espera abrir em 2024.
Swanson contratou um arquiteto especializado em criar espaços inclusivos para assessorar em tudo, desde os banheiros de gênero neutro até os assentos acessíveis para cadeiras de rodas. O espaço irá também incluir fileiras de espelhos para permitir que os clientes “se observem” como pessoas que pertencem ao espaço.
‘As mulheres têm o dinheiro e o poder de escolher o que quiserem’
Projetos como estes não estão simplesmente reunindo grupos tradicionalmente excluídos para criar uma experiência de bebida inclusiva. Eles estão promovendo mudanças comerciais inteligentes.
“Se você levar em consideração as preferências das mulheres na indústria cervejeira, você também irá atrair consumidores homens que simplesmente não gostam dos produtos atuais”, afirma Kate Bernot. “Você também irá falar para pessoas que não eram atendidas [pelo seu marketing anterior].”
Averie Swanson concorda e acrescenta que a inclusão do setor não trata necessariamente de essencialismo de gênero. Na verdade, é a resposta natural à onda de mudanças culturais.
“As pessoas, coletivamente, estão apenas mais conscientes sobre o que estão mostrando para o mundo e como estão representando a si próprias e às suas marcas”, segundo ela. “Acho que é o resultado de haver mais mulheres e pessoas não brancas [na indústria] – mais grupos marginalizados estão ficando um pouco mais presentes e representados.”
O fato é que as mulheres gostam de cerveja – e têm dinheiro para gastar com marcas que se importam com elas.
“As mulheres estão ganhando dinheiro, frequentam faculdades e conseguem empregos que são realmente de alto nível profissional e oferecem a elas bons ganhos e muito poder”, destaca Bernot. “Elas estão empoderadas para sair e influenciar o mundo das marcas de bebidas alcoólicas, pois elas têm o poder e o desejo de encontrar produtos que sejam significativos para elas.”
“As mulheres têm o dinheiro e o poder de escolher o que quiserem.”
*Com colaboração de Megan Carnegie.
Fonte: BBC
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