- Author, Redação
- Role, BBC News Mundo
O apelido reflete o que, segundo vários analistas consultados pela BBC News Mundo (serviço da BBC em espanhol), tem sido o principal objetivo de Netanyahu desde que chegou ao poder, há quase três décadas: manter Israel em segurança.
Esta imagem sofreu um duro golpe no dia 7 de outubro, quando o grupo armado palestino Hamas, que governa a Faixa de Gaza, realizou um ataque surpresa a cidades israelenses, matando mais de 1.400 pessoas e fazendo cerca de 240 reféns, segundo autoridades locais.
Netanyahu também foi acusado de minar a democracia ao promover uma reforma do judiciário que tira poder da Suprema Corte e continua réu em um processo de corrupção sob acusação de receber presentes luxuosos de empresários como suborno e oferecer favores para tentar obter uma cobertura mais positiva da imprensa. Ele negou as acusações contra ele e chamou-as de “caça às bruxas” política.
Horas depois do início do ataque, Netanyahu anunciou a retaliação.
“Cidadãos de Israel, estamos em guerra e vamos vencê-la”, disse ele.
Desde então, o Ministério da Saúde em Gaza controlado pelo Hamas relatou mais de 11 mil mortes — incluindo mais de 4 mil crianças — como resultado de ataques aéreos e ataques terrestres israelenses, que tiveram início nos últimos dias.
Foi provavelmente um dos meses mais complexos da longa carreira do primeiro-ministro, com um número crescente de vozes internacionais criticando o que chamam de limpeza étnica e uma resposta desproporcional contra os civis palestinos
Neste artigo, a BBC News Mundo (serviço da BBC em espanhol) conta como Netanyahu se tornou a figura política mais dominante das últimas três décadas em Israel.
Entre Israel e os EUA
“Sr. Segurança” não é o único apelido que Netanyahu tem.
Além de “Bibi” – apelido de infância que ainda usa e que é muito popular entre seus seguidores – também chamam ele de “Rei Bibi”, pelo número de eleições que venceu, sendo o único líder israelense a ter governado por seis períodos.
Netanyahu nasceu em Tel Aviv em 1949, um ano após a fundação de Israel (foi o primeiro presidente daquele país nascido após a criação do Estado israelense).
Seu pai era um historiador renomado e, como Bethan McKernan, correspondente do jornal britânico The Guardian em Jerusalém, disse à BBC, “ele cresceu em um ambiente secular, mas socialmente conservador, com ideias muito fortes sobre o sionismo e o que o jovem Estado de Israel estava destinado a ser.”
Irmão do meio de três meninos, Netanyahu cresceu entre Israel e os Estados Unidos, devido à carreira do pai, que lecionava em universidades da Filadélfia e de Nova York.
Até hoje, ele mantém um forte sotaque americano quando fala inglês.
Após ter concluído todo o Ensino Médio na Cheltenham High School, nos arredores da Filadélfia, em 1967, aos 18 anos, viajou para Israel para cumprir cinco anos de serviço militar.
Lá ele se juntou às forças especiais de elite Sayeret Matkal, a unidade antiterrorista de Israel, e participou de inúmeras operações durante a chamada Guerra de Desgaste contra o Egito.
“Tive vários encontros com a morte”, diria ele ao instituto conservador americano Hoover, anos mais tarde, sobre suas experiências com aquela unidade de elite.
“Quase me afoguei num tiroteio no meio do Canal de Suez. Quase morri congelado na Síria. Fui mordido por um escorpião e sobrevivi para contar a história”, relatou.
Após completar o serviço militar (com a patente de capitão), retornou aos Estados Unidos em 1972 para estudar Arquitetura e Administração de Empresas no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), onde se destacou como um dos melhores alunos.
Nesse mesmo ano, casou-se — o primeiro de três casamentos, que resultaram em três filhos e quatro netos.
Apenas um ano depois ele interrompeu seus estudos para retornar a Israel em outubro de 1973 para servir com o Sayeret Matkal na Guerra do Yom Kippur contra as forças egípcias.
Yoni
Um dos líderes do grupo era seu irmão mais velho, Yonatan.
“Yoni”, como todos o chamavam, destacava-se em tudo o que fazia e foi uma das principais influências na vida do primeiro-ministro israelense.
Ao contrário de Benjamin, que regressou aos EUA após a guerra para completar os estudos no MIT e iniciar um doutorado em Ciência Política na Universidade de Harvard, Yoni seguiu a carreira militar e tornou-se comandante do Sayeret Matkal.
Em 1976, a unidade antiterrorista realizou uma ousada operação de resgate quando um avião da Air France foi sequestrado por militantes palestinos e levado para o aeroporto de Entebbe, em Uganda, onde fizeram quase uma centena de cidadãos israelenses como reféns.
A Operação Entebbe (também conhecida como Operação Trovão) foi considerada um sucesso: todos os sequestradores foram mortos e a maioria dos reféns — com exceção de quatro que morreram — foram resgatados.
Apenas um soldado israelense foi morto: Yoni, o comandante da força.
“Eu realmente não pensei que iria me recuperar, mas de alguma forma encontrei força interior”, revelou Netanyahu durante uma visita a um centro cultural em Nova York.
“Segui o exemplo dos meus pais, que suportaram a dor com extraordinária dignidade. Tive de lhes contar sobre a queda de Yoni em Entebbe. Foi um momento de agonia indescritível.”
Salto para a política
A morte do irmão também redirecionou sua vida profissional.
Depois de trabalhar durante alguns anos como consultor econômico no prestigiado Boston Consulting Group em Massachusetts, ele deixou o cargo — e os EUA — para regressar a Israel e fundar e dirigir o Instituto Antiterrorismo Yonathan Netanyahu, uma organização não-governamental dedicada a estudar o terrorismo e organizar conferências internacionais sobre como combatê-lo.
Netanyahu publicou três livros sobre o tema (em 1981, 1987 e 1995) e um quarto sobre a paz e o lugar de Israel no mundo.
No início da década de 1980, ele também trabalhou como gerente em uma empresa de fabricação de móveis em Jerusalém e foi nessa época que começou a se conectar com políticos israelenses, incluindo o ministro Moshe Arens, que o nomeou vice-chefe da Missão de Israel em Washington.
Em pouco tempo ele se tornou embaixador de Israel nas Nações Unidas.
Quatro anos depois, em 1988, mudou-se definitivamente para Israel, onde iniciou sua carreira política juntando-se ao partido de direita Likud e servindo no Knesset, o parlamento nacional.
Em apenas cinco anos — aos 42 —, se tornou líder do Likud.
“Ele teve uma ascensão meteórica por uma série de razões”, explicou Dore Gold, antigo conselheiro de política externa de Netanyahu, ao programa Profiles da BBC Radio 4 em 2009.
“Ele tinha formação militar, mas ainda mais importante, seu domínio do inglês, sua eloquência, eram evidentes. Netanyahu era uma figura revigorante, atraente, falava inglês como se tivesse nascido nos EUA, era intelectualmente forte e tinha princípios.”
George Birnbaum, um consultor americano de política internacional que Netanyahu nomeou chefe de gabinete quando decidiu entrar na corrida para primeiro-ministro em 1996 (após o vácuo deixado pelo assassinato do quinto primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin), atribuiu o sucesso do líder israelense à sua “personalidade magnética”.
“Ele tinha uma presença e um carisma incrivelmente fortes e completamente naturais”, destacou ao mesmo programa.
Sua campanha – ao estilo americano – foi uma novidade para Israel. E foi um sucesso.
“Mudamos completamente a forma como eram conduzidas as eleições israelenses, do ponto de vista estratégico e de mensagens”, disse Birnbaum.
Primeiro governo
Com a vitória nas eleições, Netanyahu tornou-se o mais jovem primeiro-ministro da história de Israel, aos 47 anos.
Mas os especialistas concordam que ele não teve um governo fácil.
Ironicamente, um dos pontos complicados foi a péssima relação que mantinha com os Estados Unidos, governados na época por Bill Clinton, que em 1994 tinha conseguido promover um acordo de paz entre Israel e a Jordânia, segundo país a reconhecer a existência de Israel depois do Egito.
Clinton criticou duramente a decisão de Netanyahu de permitir a expansão dos assentamentos israelenses na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, territórios que Israel ocupou após a guerra de 1967.
E anos mais tarde o culparia diretamente pelo fracasso do processo de paz com os palestinos.
Para o jornalista israelense Gil Hoffman, ex-correspondente político do Jerusalem Post e atual diretor-executivo do Honest Reporting, ter que lidar com governos democratas americanos — como o de Clinton, e anos depois, o de Barack Obama — foi tremendamente frustrante para o líder conservador israelense.
“Foi uma espécie de tragédia para ele, que era o ‘Sr. América’ e ainda assim lutou com os EUA em vez de trabalhar com eles, por não ter alguém um pouco mais parecido com ele” na Casa Branca, disse Hoffman à BBC.
Esse “alguém mais parecido com ele” apareceria muitos anos depois na figura do republicano Donald Trump que, em 2018, transferiu a embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém, afirmando que aquela cidade histórica — reverenciada por judeus, muçulmanos e cristãos — era a “verdadeira” capital de Israel.
Mas a chegada de Trump ainda estava a duas décadas de distância. Durante esse primeiro governo, Netanyahu se viu puxado por duas forças opostas.
Por um lado, o governo dos EUA e a esquerda israelense acusavam-no de bloquear os acordos de paz de Oslo, assinados por Yitzhak Rabin e pelo líder palestino Yasser Arafat entre 1993 e 1995.
Por outro lado, seus apoiadores de direita criticavam-no por ter concordado em entregar aos palestinos a maior parte da cidade de Hebron — a segunda mais sagrada do judaísmo — na Cisjordânia, um dos pontos do acordo.
Foram tensões que, somadas a alguns escândalos que abalaram seu governo, acabaram afetando-o.
‘Sr. Economia’
Nas eleições de 1999, Netanyahu foi derrotado pelo trabalhista Ehud Barak.
Após a derrota, decidiu deixar a política e regressar ao setor privado.
Mas a pausa durou pouco.
O novo líder do Likud, Ariel Sharon, que sucedeu Barak após menos de dois anos de governo, nomeou Netanyahu primeiro como seu ministro dos Negócios Estrangeiros e depois como ministro das Finanças.
Foi neste papel que Netanyahu continuou a aprofundar o processo de liberalização econômica que tinha iniciado durante o seu governo e que, segundo seus apoiadores — e ele próprio — levaria Israel a tornar-se uma potência econômica e tecnológica na região.
“Tivemos uma grande crise econômica”, recordaria mais tarde sobre esse período.
“Meu filho mais velho me disse: ‘Olhe para Tel Aviv e olhe para Nova York. Olhe para o horizonte que eles têm, e olhe o nosso’ — tínhamos dois arranha-céus naquela época — e ele continuou: ‘Nunca seremos como eles’.”
“E eu disse a ele: ‘Seu pai agora será Ministro das Finanças, acredite, seremos como eles’.”
Certamente, o cenário mudou.
Embora muitos em Israel atribuam a Netanyahu a realização de um “milagre econômico” — daí outro dos seus apelidos, “Sr. Economia” — seus críticos argumentam que ele destruiu a reverenciada rede de segurança social de Israel.
Seu mandato como ministro durou apenas dois anos: em 2005, demitiu-se em desacordo com a decisão de Sharon de retirar unilateralmente Israel da Faixa de Gaza.
Esse desacordo levou Sharon a deixar o Likud e formar um partido centrista, o Kadima. Netanyahu tornou-se mais uma vez o líder do partido de direita.
Em 2009, triunfou novamente nas urnas e iniciou o que seria o mais longo período no poder de um mandatário israelense desde o primeiro governo de David Ben-Gurion (o trabalhista ocupou o cargo de primeiro-ministro de 1948 a 1953, e depois novamente de 1955 a 1963).
O “Rei Bibi” venceu quatro eleições consecutivas, governando durante mais de 12 anos, até junho de 2021.
E apenas um ano e meio depois de perder o cargo, foi reeleito em 2022 para um sexto mandato sem precedentes, que ainda hoje o mantém no poder.
O segredo do sucesso
Para o analista argentino-israelense Gabriel Ben-Tasgal, parte do sucesso de Netanyahu se deve à inclinação ideológica do povo israelense.
“Ao contrário da maioria da imprensa israelense, que tem um perfil laico, de esquerda ou de centro-esquerda, a população de Israel, algo conservadora e religiosa, tende a votar à direita, e é por isso que, das eleições de 1977 até hoje, este setor praticamente sempre ganhou”, diz ele à BBC Mundo.
“A esta predisposição ideológica, Netanyahu acrescentou muito carisma e saber captar os sentimentos de medo que os inimigos provocam na população e no eleitor”, afirma o especialista.
A correspondente Bethan McKernan, por sua vez, acredita que o líder israelense “conseguiu remodelar o cargo à sua imagem nos últimos 20, 30 anos em que está na política”.
“Ele é um verdadeiro mestre em colocar as pessoas umas contra as outras e esta estratégia de dividir e conquistar ajudou a transformar Israel num lugar mais conservador e de direita e num lugar mais polarizado”, disse à BBC em julho passado.
Gil Hoffman da Honest Reporting, uma ONG que “monitora a imprensa em busca de preconceitos contra Israel”, concorda com esta observação.
“Até recentemente, ele sempre tentou ter um partido de direita à sua direita e um partido de esquerda à sua esquerda, para que pudesse estar no meio e jogar um contra o outro”, diz.
“Netanyahu é um mago da política”, acrescenta Ben-Tasgal.
“O que ele fez foi ter aliados momentâneos, não fortaleceu uma aliança estável para seus governos, nem uma liderança para substituí-lo. Ele atacou qualquer pessoa que considerasse uma ameaça política”, afirma.
O especialista em Oriente Médio considera que Netanyahu aplicou a mesma lógica na sua negociação com os palestinos, cuja liderança está dividida entre a Autoridade Nacional Palestina, que governa a Cisjordânia, e o Hamas, que governa a Faixa de Gaza.
“A política dele tem sido dividir os palestinos e colocá-los uns contra os outros. O que fez foi enfraquecer a Autoridade Palestina e também enfraquecer o Hamas, e manter os dois em desacordo. Mas ele pensou que tinha enfraquecido o Hamas mais do que realmente o fez.”
Em vez de negociar com os palestinos, afirma o especialista, Netanyahu concentrou-se em buscar a paz com seus vizinhos árabes, particularmente onde governam sunitas moderados, que — pelo menos até 7 de outubro — vinham demonstrado um certo cansaço com a causa palestina.
“Netanyahu aproveitou-se disso. Sua estratégia era tentar reduzir a agenda palestina a zero.”
Em 2020, assinou os Acordos de Abraão, normalizando as relações com os Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos, países que hoje manifestam objeções aos ataques israelenses em Gaza.
E antes de a guerra Israel-Hamas eclodir, estava em curso um acordo com um dos pesos pesados da região e inimigo histórico: a Arábia Saudita.
Acordo que, segundo alguns analistas, pode ter sido um dos gatilhos do ataque sem precedentes pelo grupo militante palestino.
Legado
Para Hoffman, da Honest Reporting, embora Netanyahu não tenha feito progressos nas negociações com os palestinos, os Acordos de Abraão que conseguiu assinar foram uma grande conquista.
“Agora temos paz com muitos países árabes, temos interações econômicas, voos de ida e volta e isso teve um impacto enorme na região e no mundo”, afirma.
No entanto, o legado que Netanyahu desejaria para si — “ser o guardião de Israel, aquele que salvou Israel e o povo judeu da aniquilação às mãos do Irã e evitou outro Holocausto” – como definido pelo próprio Hoffman — foi abalado depois do sangrento ataque do Hamas.
Desde 7 de outubro, o primeiro-ministro raramente falou em público e tem sido criticado por amplos setores da sociedade pelo que aconteceu, pela forma como tem lidado com a questão dos reféns e pelo bombardeio de Gaza após o ataque do Hamas.
Na noite de 28 de outubro, publicou uma mensagem na rede social X (antigo Twitter) afirmando que “em nenhum momento” recebeu um aviso de “oficiais de segurança, incluindo o chefe da Inteligência do Exército e o chefe do Shin Bet [Agência de Segurança de Israel]” sobre as “intenções de guerra do Hamas”, comentário que apagou na manhã seguinte, e pelo qual pediu desculpas.
“O 7 de outubro é um dia negro na nossa história”, disse ele semanas após o massacre, num discurso televisionado.
“Vamos chegar ao fundo do que aconteceu na fronteira sul com Gaza. Este desastre será investigado. Todos terão que dar respostas, inclusive eu”, acrescentou.
O renomado jornalista do periódico israelense Haaretz, Anshel Pfeffer, autor da biografia Bibi, indicou no programa Newsnight da BBC que “Netanyahu sabe o quanto o fracasso em manter Israel seguro e evitar algo assim manchou sua liderança”.
Já antes dos ataques, o líder israelense enfrentava problemas com a oposição de centenas de milhares de israelenses a uma polêmica reforma judicial, promovida por seu governo, que tiraria o poder do Supremo Tribunal de anular decisões do Poder Executivo e leis aprovado pelo Knesset, o parlamento israelense.
Para Ben-Tasgal, a decisão de Netanyahu de formar um governo de unidade para liderar a guerra com o rival centrista Benny Gantz (seu principal adversário, Yair Lapid, recusou-se a aderir) foi bem recebida no seu país.
Contudo, ele acredita que, com a guerra, o primeiro-ministro só ganhará tempo, mas seu destino político é incerto.
“Isso mancha sua carreira política de uma forma muito grave e não creio que ele possa escapar disso”, afirma. No entanto, ele não descarta que o “mago da política” consiga tirar mais um ás da manga para se manter no poder.
“Ele é capaz de fazer coisas que você não imagina. Ele poderia acabar com a guerra e aparecer com o líder da Arábia Saudita em Jerusalém para assinar a paz”, exemplifica.
“O lógico seria que ele renunciasse, mas colocar a mão no fogo sobre o que fará… Quando se trata de Netanyahu, apenas um kamikaze se atreveria a fazer algo assim”, diz ele.
“Embora o ataque do Hamas tenha prejudicado a imagem de Netanyahu como ‘Sr. Segurança’, teremos que esperar até que esta guerra termine para ver até que ponto seu legado foi danificado”, conclui ele em entrevista à BBC News Mundo.
Fonte: BBC
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