O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quinta (9/11) o julgamento que pode alterar a taxa de correção monetária do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
O julgamento já havia sido interrompido diversas vezes. No momento, dois ministros já votaram a favor da mudança de modelo para a correção, que hoje é baseada na Taxa Referencial (TR) com acréscimo de 3% de juros ao ano.
O ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação, e o ministro André Mendonça votaram nesse sentido.
Segundo Barrosso, embora não haja um direito constitucional à correção monetária para repor a inflação, a remuneração do FGTS não pode ser inferior à da caderneta de poupança. Ele disse que o critério atual do FGTS “não é razoável” e que a remuneração deve ser a mesma da poupaça, que hoje é de 6,17% ao ano mais TR.
Barroso defendeu, porém, que a mudança não seja retroativa e seja aplicada apenas a partir do julgamento do Supremo e que perdas do passado devem ser resolvidas pelo Legislativo ou por negociação coletiva com o Executivo.
O ministro André Mendonça acompanhou o voto do relator e acrescentou em sua manifestação que considera ser inconstitucional a utilização da TR para fins de correção monetária.
A expectativa dos especialistas é de decisão favorável à mudança do FGTS. Mas, segundo eles, o STF pode limitar o alcance da decisão para evitar despesa bilionária à União.
Esta é a quarta vez que a ação entra na pauta de julgamentos do plenário do Supremo – as outras vezes foram em 2019, 2020 e 2021, ocasiões em que a tomada de decisão foi adiada.
O julgamento no STF
Aguardado há nove anos – a ação movida pelo partido Solidariedade tramita no Supremo desde 2014 –, o julgamento deve definir se o atual modelo de correção do FGTS é constitucional.
Pelo modelo atual, o Fundo de Garantia é corrigido pela TR (Taxa Referencial), mais juros de 3%.
A ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.090 pede a substituição da TR por um índice de inflação, como o IPCA-E (índice Nacional de preços ao Consumidor Amplo Especial) ou o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).
“O julgamento é de suma importância, pois, desde janeiro de 1999 [quando a TR passou a ser usada como índice de correção do FGTS], todo mês o governo tira parte do rendimento do Fundo de Garantia dos trabalhadores através da Taxa Referencial”, argumenta Marco Avelino, presidente do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador, grupo que busca evitar perdas no FGTS para seus associados.
“Isso já prejudicou, nesses 24 anos, 100 milhões de trabalhadores. E, de acordo com nossos cálculos, são mais de R$ 700 bilhões que deixaram de ser creditados”, afirma.
A Advocacia-Geral da União discorda da tese e pediu ao STF em 19 de abril a extinção da ação.
O órgão sustenta que as leis 13.446, de 2017, e 13.932, de 2019, já mudaram a remuneração das contas do FGTS ao estabelecer a distribuição de uma parte dos seus lucros aos cotistas.
A remuneração teria assim passado a ser determinada não só pela correção monetária baseada na TR, mas também pela capitalização de juros de 3% ao ano e pela distribuição dos lucros.
Para a AGU, isso invalida o principal argumento da ação de que a correção não acompanharia a inflação, prejudicando os trabalhadores.
“A alteração legislativa mencionada atinge o núcleo do objeto, porque já não é mais possível afirmar, a partir dela, que a remuneração do correntista seja aquela indicada na petição inicial, que o autor entende inadequada”, disse o órgão.
A AGU diz, ainda, que o FGTS não é um simples bem que pertence ao trabalhador, uma vez que também é um instrumento de financiamento de projetos de interesse social nas áreas de habitação, saneamento básico, infraestrutura e saúde.
“Para tornar viável a destinação social do fundo, optou-se pela adoção de um sistema de remuneração baseado na TR, tornando possível a concessão de crédito pelo FGTS a custos mais módicos. O equilíbrio do fundo depende do pagamento dos saldos de FGTS aos trabalhadores pela mesma Taxa Referencial, sob pena de se inviabilizar a realização dos programas sociais referidos”, disse o órgão.
Em seu voto, Barroso negou o pedido de extinção da ação e reconheceu ser relevante o uso de recursos do FGTS para fins sociais, mas argumentou que isso não pode ser um entrave para uma atualização correta.
“Não se pode impor os custos de uma política pública de interesse geral da sociedade exclusivamente aos trabalhadores, grupo composto pelos estratos mais vulneráveis e hipossuficientes da população, sem violar o direito à igualdade”, disse o ministro.
Expectativa de resultado
Avelino aponta que são três os desdobramentos possíveis para o julgamento.
O primeiro deles seria o Supremo considerar o uso da TR constitucional. Essa possibilidade é considerada improvável, por conta do histórico recente de decisões da Corte.
“O Supremo julgou a TR como inconstitucional para corrigir precatórios, justamente por não refletir a inflação. E julgou inconstitucional para corrigir débitos trabalhistas por esse mesmo motivo. Então, esperamos que a mesma linha de raciocínio seja adotada”, diz o advogado Franco Brugioni, do escritório Raeffray e Brugioni Advogados.
A decisão sobre precatórios – dívidas da União com pessoas, empresas, Estados e municípios que a Justiça já determinou o pagamento em decisões definitivas – é de 2014, e a que julgou a aplicação da TR para correção monetária de débitos trabalhistas é de 2020.
Um segundo resultado possível seria o STF dar vitória ao trabalhador com repercussão geral, beneficiando todos os contribuintes do Fundo de Garantia.
“Eu descarto essa possibilidade, pois estamos falando de 100 milhões de trabalhadores e um ‘confisco’ de R$ 700 bilhões. É uma conta impagável”, diz Avelino, do Instituto Fundo de Garantia.
Assim, os dois especialistas avaliam que o desdobramento mais provável é o Supremo dar vitória ao trabalhador, mas modular a decisão, limitando quem poderá se beneficiar da correção de valores passados – embora, à frente, todos seriam beneficiados pela troca da TR por um índice de inflação.
Quem pode se beneficiar
Tudo vai depender dessa provável modulação pelo STF.
Em caso de uma decisão favorável aos trabalhadores, o Supremo terá que definir se serão beneficiados trabalhadores com carteira assinada entre 1999 e 2013, que é o período citado na ação; de 1999 em diante; ou depósitos feitos a partir da data da decisão do STF – nos três cenários, são incluídas tanto as contas ativas quanto as inativas do FGTS.
O STF terá que definir também se a decisão será válida para todos os trabalhadores, ou somente para quem entrou com ação individual ou coletiva até a data do julgamento – portanto, até 20 de abril.
A Corte decide ainda se uma eventual mudança no reajuste vale para quem sacou ou não os valores do FGTS. E se a correção será referente aos últimos cinco ou 30 anos.
Para Avelino, o cenário mais provável é de que o STF aprove a decisão com validade de 1999 em diante, mas somente para quem entrou com ação até a data do julgamento.
Assim, ele aconselha quem ainda não entrou com ação a buscar seu sindicato ou associação de funcionários para se informar sobre a existência ou não de uma ação coletiva de sua categoria.
O trabalhador pode ainda constituir advogado para entrar com ação individual (mas, para isso, o prazo está muito apertado), ou dar entrada sem advogado em ação no tribunal regional de Justiça, usando algum modelo de ação pronta, disponível na internet.
Brugioni diz que é improvável que o julgamento seja concluído já nesta quinta-feira e afirma que sempre há a possibilidade de ele ser novamente adiado, ou interrompido por um pedido de vistas.
O FTGS e os índices de correção em discussão
O FGTS foi criado em 1966 como uma espécie de poupança do trabalhador com carteira assinada.
Antes facultativa, a adesão ao fundo se tornou obrigatória a partir da Constituição de 1988. Pelas regras atuais, todos os empregadores são obrigados a depositar 8% do salário de seus funcionários no fundo. Isso se aplica aos empregados urbanos, rurais e, desde 2015, também aos domésticos.
O dinheiro é depositado em uma conta gerida pela Caixa Econômica Federal e somente pode ser sacado pelo trabalhador em situações como demissão sem justa causa e para a compra de imóveis.
O governo utiliza os recursos do fundo para financiar políticas públicas, principalmente de habitação.
A TR foi criada nos anos 1990, durante o governo de Fernando Collor, com um papel similar ao da Selic, com o objetivo de conter a indexação dos preços e salários e combater a alta inflação no país.
Atualmente, perdeu relevância para o cálculo dos juros, mas manteve seu papel como indexador de alguns investimentos, como a poupança.
O índice, no entanto, passou muitos anos abaixo do IPCA, índice de inflação oficial do país, ficando igual ou próximo de zero.
Já o IPCA-E é o acumulado trimestral do IPCA-15, índice que mede a inflação do dia 16 do mês anterior ao 15 do mês de referência, e é considerado uma espécie de “prévia” do IPCA.
Enquanto o INPC é o índice oficial que mede a inflação para as famílias com renda entre 1 e 5 salários mínimos e é usado pelo governo para corrigir anualmente o salário mínimo. Por conta disso, ele é considerado pelos especialistas como o substituto mais provável para a TR no FGTS.
Fonte: BBC
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