Aeroportos, estações de trem, bases navais, antenas de transmissão, depósitos de combustíveis e distritos comerciais.
Os ataques feitos com drones na Rússia e no território controlado por Moscou foram intensificados em 2023 até contabilizarem mais de 160 no período de um ano. Alguns, como os registrados na quarta-feira (30/8), que atingiram um aeroporto da cidade russa de Pskov, foram a mais de 600 km da fronteira com a Ucrânia.
Embora Kiev raramente comente sobre os ataques no território russo, acredita-se que a Ucrânia aumentou nas últimas semanas o uso de drones explosivos para bombardear a Rússia como parte de sua estratégia de contra ofensiva, dificultando a capacidade de Moscou para abastecer suas tropas.
A inteligência militar ucraniana assumiu o ataque feito com drones contra a base russa em Pskov, ocorrido na quarta.
Em uma guerra onde a aviação não é tão relevante quanto em outros conflitos, os drones se tornaram uma ferramenta fundamental para as forças militares ucranianas.
Eles tiveram um papel de grande destaque no início do conflito, quando conseguiram, por exemplo, frear o comboio de 40 km que se dirigia para Kiev. E, cada vez mais, seus efeitos são sentidos dentro do território russo.
“Os drones são extremamente importantes para a Ucrânia”, diz para a BBC Mundo (o serviço em espanhol da BBC) o cientista político Sergej Sumlenny, especialista em Leste Europeu e fundador do Centro Europeu de Iniciativa de Resiliência (Eric, na sigla em inglês).
Na última onda de ataques, dois aviões militares de carga, um depósito de combustível e uma fábrica de microeletrônica foram atingidos por drones em diferentes pontos da Rússia.
Na semana passada, dois supostos ataques de drones atingiram o principal distrito comercial de Moscou, acertando um arranha-céu em construção e, vários dias antes, o complexo de exposições Expo Center. Na mesma época, três pessoas foram mortas num suposto ataque de drones na região fronteiriça de Belgorod e outras cinco ficaram feridas no ataque a uma estação ferroviária na região de Kursk, alguns dias antes, segundo autoridades russas.
O alvo recente dos drones também foi uma das melhores aeronaves da aviação russa, o bombardeiro supersônico Tupolev Tu-22M. Uma dessas aeronaves, que pode voar ao dobro da velocidade do som, foi abatida na semana passada em uma base aérea no sul de São Petersburgo, segundo imagens verificadas pela BBC.
Dos mais de 160 ataques detectados na Rússia e nos territórios que controlam Moscou, segundo as informações publicadas por meios russos monitorados pela BBC Verify, a maioria se concentrou nas regiões de Briansk e Belgorod, perto da fronteira ocidental com a Ucrânia, assim como na Crimeia, que a Rússia anexou em 2014.
Também foi registrado uma dezena de ataques com drones marítimos contra alvos russos no Mar Negro, incluindo bases navais e a ponte da Crimeia.
A península viveu o maior ataque com aviões não-tripulados no dia 25 de agosto, quando um total de 42 drones caíram sobre uma base militar nesse território.
A região de Moscou, que se encontra a cerca de 450 km da fronteira com a Ucrânia, também se tornou alvo dos drones.
Um deles, que chegou a cerca de 100 km da capital, parecia um UJ-22, fabricado pela Ucrânia e que tem um alcance de 800 km, em voo autônomo.
Até a publicação desta reportagem, Kiev não assumiu a responsabilidade por esses ataques. No entanto, o presidente Volodymyr Zelensky disse em repetidas ocasiões que os ataques no território russo são um “processo inevitável, natural e absolutamente justo”.
Quais são os objetivos desses drones?
Atingir o solo russo tem, segundo os analistas consultados pela BBC Mundo, um duplo objetivo.
Por um lado, esses ataques estão lembrando a população russa que a guerra não é algo que está acontecendo longe e que não tem nada a ver com eles”, explica Ulrike Franke, do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR, sigla em inglês).
Isso ocorre especialmente, acrescenta Franke, no caso de ataques dentro e nos arredores de Moscou. Em maio, por exemplo, dois drones conseguiram chegar ao Kremlin e, embora não tenham causado grandes danos materiais, conseguiram furar a imagem de segurança e invencibilidade projetada pelo governo russo.
De alguma forma, “a mensagem que esses drones enviam é: a guerra está aqui, a sua capital não está segura e Putin é fraco”, acrescenta Sumlenny.
Mas, para além do efeito psicológico que esses ataques têm, há também um componente disruptivo nesta estratégia.
“Também se busca, por exemplo, paralisar o tráfego aéreo russo, que está completamente centralizado em Moscou, e desacelerar a tomada de decisões, o que ocorre quando se ataca, por exemplo, o distrito governamental da capital e os funcionários têm que abandonar os escritórios”, afirma a especialista.
No dia 4 de julho, por exemplo, os voos tiveram que ser desviados do aeroporto internacional de Vnukovo, em Moscou, após um ataque com drones. Semanas depois, o aeroporto teve que ser fechado por alguns dias por conta de novos ataques.
O objetivo desses aviões não tripulados também foi atingir instalações petrolíferas e de infraestrutura energética.
A BBC conseguiu identificar ao menos nove ataques com drones contra depósitos de petróleo. Um deles em Sebastopol, a cidade mais populosa da península da Crimeia, que foi atacada no dia 29 de abril e destruiu vários de seus tanques de combustível.
Um mês depois, uma refinaria de petróleo foi incendiada no território de Krasnodar, no sul da Rússia, a cerca de 200 km da fronteira com a Crimeia. O governador regional disse que o dano foi provavelmente causado por um drone.
Layla Guest, analista da consultoria de segurança Sibylline, diz que “é muito provável que as forças ucranianas tenham como prioridade atacar refinarias de petróleo, assim como a infraestrutura ferroviária e a logística russa em geral, para causar a perturbação máxima”, apontou a BBC Verify.
Mas os drones também têm objetivos militares.
Pelo menos 10 soldados russos ficaram feridos em um ataque com drones em um campo de treinamento militar na região de Voronezh no dia 10 de maio e, em dezembro de 2022, outro ataque atingiu uma base aérea a 600 km ao nordeste da fronteira com a Ucrânia, deixando três pessoas mortas, segundo o Exército russo.
Que tipo de drones estão sendo usados?
Desde o início da guerra, a Ucrânia está usando diversos sistemas de drones para diferentes funções, desde vigilância e reconhecimento de terreno, como é o caso dos drones comerciais, até contra alvos concretos, com drones kamikazes.
Alguns parecem brinquedos de criança, outros são enormes aeronaves militares que podem alcançar os 15 metros de envergadura.
Um dos mais bem sucedidos para as forças ucranianas foi o Bayraktar TB2, de fabricação turca, que teve uma grande relevância no início da guerra, segundo explica Franke.
“A Ucrânia fez uso intenso de vários drones, e o Bayraktar TB2 despontou como a verdadeira estrela da guerra aérea para a Ucrânia, causando grandes perdas às forças russas, algumas das quais foram gravadas e divulgadas nas redes sociais”, diz David Cenciotti, editor do blog “Aviationist”, da BBC Verify.
Mas a Ucrânia também aumentou sua fabricação local de drones, alguns com sistemas muito inovadores.
“A indústria ucraniana de drones é bastante impressionante. Ela desenvolveu e fabricou drones por si só ao longo do último ano e meio e os sistemas que foram usados para atacar a Rússia são muito provavelmente os fabricados na Ucrânia”, disse Ulrike Franke.
Recentemente, o Ministro da Transformação Digital da Ucrânia, Mijailo Fedórov, anunciou um drone ucraniano, o chamado R18, que pode, segundo ele, “voar de Kiev para Moscou e vice-versa”.
Outras das criações ucranianas, que começou sua produção em 2022, é o drone “Bober” (castor em ucraniano), com autonomia de cerca de mil quilômetros, segundo o “Kyiv Post”.
Esse modelo de drone parece ser o responsável pelo ataque no início de agosto contra o distrito financeiro de Moscou, que atingiu o edifício que abriga o Ministério da Economia Russo.
Essa produção estatal é apoiada por um exército de especialistas que se uniu após a invasão da Crimeia em 2014 e começou a desenvolver seus próprios modelos.
Um bom exemplo são os conhecidos como First Person View (FPV, pilotagem com visão remota) que estão sendo fabricados na Ucrânia e sendo usados como drones kamikaze.
“Eles são incrivelmente baratos, podem ser fabricados por menos de 500 dólares R$ 2,5 mil) e são capazes de levar entre 1 kg e 1,5 kg de explosivos para serem usados como pequenas munições. Voam diretamente contra um edifício ou um veículo em movimento e podem destruir qualquer alvo não blindado, como infantaria, caminhões ou antenas russas”, explica Sergej Sumlenny.
Segundo o analista, os drones FPV “são praticamente como uma munição inteligente, mas por um 1% do preço dos projéteis de artilharia de alta precisão”.
Esses grupos de especialistas recebem dinheiro para comprar componentes eletrônicos em comércios digitais como Ebay ou Amazon, diz Sumlenny, e fabricam o resto das peças com impressoras 3D, para depois doar os drones ao exército. Seus operadores usam óculos de realidade virtual para enviá-los contra o alvo desejado.
A partir de onde são feitos os ataques contra a Rússia?
Até agora, Kiev não confirmou que os ataques contra a Rússia ou o território controlado por Moscou foram de autoria de seu exército ou que os drones partiram do solo ucraniano.
“Ainda que a Ucrânia não tenha confirmado que suas Forças Armadas foram responsáveis pelos ataques [contra Moscou], acredito que as incursões preventivas que vimos em 2022 provam que a Ucrânia tem a capacidade de lançar ataques de longo alcance desse tipo de dentro do território ucraniano”, afirma Cenciotti.
Em termos de alcance, os especialistas dizem que os drones lançados da Ucrânia poderiam penetrar profundamente no território russo e chegar até Moscou, que está a cerca de 450 km da fronteira.
Mas os especialistas divergem em relação ao fato de os ataques terem sido feitos a partir da Ucrânia ou no território russo.
Para Sergej Sumlenny, muitos destes ataques, especialmente os que foram feitos na região de Moscou ou nas margens da fronteira ucraniana, “foram lançados a partir do território russo por ucranianos ou grupos de forças especiais do Exército ucraniano”.
O fundador do Eric alega que as dificuldades técnicas para equilibrar pesos e explosivos, assim como o combustível necessário para alcançar distâncias longas, evidencia que é menos provável que os drones tenham partido da Ucrânia.
O especialista em drones Steve Wright, da Universidade do Oeste da Inglaterra, acredita que um drone lançado da Ucrânia poderia causar impactos contra o Kremlin. No entanto, “minha opinião é que o drone foi lançado de muito mais perto, e isso evitaria ter que enfrentar uma grande parte das defesas de Moscou”, diz à BBC Verify.
Tecnicamente, segundo Ulrike Franke, os drones ucranianos são capazes de alcançar alvos muito distantes. Por isso, a explicação mais plausível para ela é que eles foram lançados da Ucrânia.
“Nada fez pensar que a Ucrânia tem forças significativas na Rússia, capazes de lançar dias e dias de ataques com drones a partir do território russo sem que ninguém se dê conta”, acrescenta a pesquisadora.
*Com reportagem de Paula Rosas, da BBC Mundo, e Jake Horton, Olga Robinson e Daniele Palumbo, da BBC Verify.
Fonte: BBC
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