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Lira e Lula na posse de Celso Sabino como ministro do Turismo; presidente da Câmara deve emplacar mais aliados no primeiro escalão do governo

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu finalizar a aprovação do arcabouço fiscal (novas regras para os gastos públicos) no Congresso nesta terça-feira (22/08), após semanas de adiamentos que evidenciaram o aumento da tensão entre o Palácio do Planalto e o presidente da Câmara, Arthur Lira.

A proposta, que recebeu 379 votos favoráveis e 64 contra, segue para sanção presidencial.

O arcabouço traz novas regras para as contas públicas, substituindo o antigo Teto de Gastos, que limitava o crescimento das despesas à inflação do ano anterior.

Com sua aprovação, as despesas passarão a ter um ganho real (acima da inflação), que deve variar entre 0,6% e 2,5%, possibilitando a Lula cumprir sua promessa de mais gastos sociais e investimentos.

No entanto, o governo ainda precisa aprovar medidas que elevam a arrecadação para bancar esse aumento de gastos sem descontrole do endividamento público, agenda que enfrenta resistência no Congresso e tem potencial para manter a tensão entre os dois Poderes.

O governo precisava aprovar o arcabouço fiscal antes de 31 de agosto, prazo final para enviar ao Congresso a proposta de orçamento para o ano seguinte.

A matéria passou com facilidade na Câmara no primeiro semestre, mas, após o texto sofrer alterações no Senado, era preciso um novo aval dos deputados.

A previsão inicial era que isso ocorreria ainda no início de agosto, mas a votação foi sendo adiada por Lira em meio à demora de Lula para realizar uma reforma ministerial que acomode seus aliados no primeiro escalão do governo.

Contribuiu também pro adiamento uma declaração do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que “a Câmara está com um poder muito grande e não pode usar esse poder para humilhar o Senado e o Executivo”.

A fala levou Lira adiar uma reunião de líderes da Câmara que ocorreria na semana passada para encaminhar a votação do arcabouço e obrigou Haddad, até então elogiado por sua articulação no Congresso, a se retratar.

A expectativa agora é que Lula anuncie a reforma ministerial na próxima semana, após voltar de viagem à África. Os novos ministros devem ser os deputados André Fufuca (PP-MA), do partido de Lira, e Silvio Costa Júnior (Republicanos-PE), ambos próximos do presidente da Câmara – mas as pastas que comandarão ainda estão em negociação.

Além de uma relação mais azeitada com Lira, o governo espera que essas nomeações, caso se confirmem, garantam um apoio maior das bancadas de PP e Republicanos às propostas do governo no Congresso.

São siglas que fazem parte do chamado Centrão, grupo de partidos de centro-direita que costuma apoiar governos de diferentes vertentes ideológicas em troca de cargos e verbas da União.

Em entrevista à CNN Brasil na noite de segunda-feira (21/08), Lira voltou a pressionar Lula, ressaltando que o apoio da centro-esquerda – uma parcela minoritária dos 513 deputados – não é suficiente para o governo aprovar suas propostas na Casa.

“A base interna do presidente da República são 130 deputados. Com isso, ele não legisla. Com isso, ele não governa, não aprova as leis que precisa”, disse Lira.

Na sua visão, propostas como o arcabouço fiscal e a reforma tributária foram aprovadas na Câmara porque os parlamentares votaram de “maneira republicana, pensando nas matérias de interesse do país”.

“Quando as matérias que vierem forem de interesse do governo, o governo terá, sim, dificuldades no plenário do Congresso Nacional”, disse ainda à CNN Brasil.

Lira não citou que matérias seriam essas de “interesse do governo”, mas o Executivo tem enfrentado resistência na aprovação de medidas que elevem a arrecadação, algo necessário para bancar o aumento de gastos previsto novo arcabouço fiscal.

Sem isso, a tendência seria um descontrole do endividamento público que pode levar a mais inflação e alta de juros no país, segundo especialistas em contas públicas.

O governo não conseguiu, por exemplo, aprovar o aumento da tributação de fundos offshore (investimentos fora do país, normalmente em paraísos fiscais, em que há menos impostos). Ela foi proposta em uma medida provisória (MP) como compensação para a perda de arrecadação com a expansão da faixa de isenção do Imposto de Renda para até R$ 2.640.

No entanto, sem a aprovação do Congresso, essa MP perde validade na próxima semana.

Em uma mensagem compartilhada na tarde de terça-feira na rede social X, antigo Twitter, a presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann deixou claro seu descontentamento com o atraso na votação do marco fiscal e a não aprovação dessa MP.

“Presidente @ArthurLira_ precisa entender que a taxação dos fundos de brasileiros nos paraísos fiscais e os aperfeiçoamentos que o Senado fez no arcabouço fiscal interessam acima de tudo ao país”, criticou.

“Não faz sentido transformar essas duas votações em queda de braço com o governo, porque todos vão sair perdendo, exceto os super ricos que não pagam imposto e os que não suportam ver o país crescer e gerar empregos, com investimentos públicos e privados. É hora de pensar no Brasil em primeiro lugar”, continuou.

Após a fala de Hoffmann, Lira disse que não é contra taxar fundos, mas defendeu “planejamento” por parte do governo, para evitar que aumento de tributação cause uma fuga de capitais do país.

Ele disse que há acordo para o governo mandar uma nova medida provisória e um projeto de lei tratando dos fundos offshores, que seria votado em até três semanas.

“A única coisa que não interessa ao País é taxar e perder recursos”, argumentou.

As rivalidades entre Lula e Lira

Para o cientista político da Tendências Consultoria, Rafael Cortez, a demora na aprovação final do marco fiscal reflete a disputa entre Lira e Lula em torno da reforma ministerial.

Ele ressalta que Lira deixa o comando da Câmara em fevereiro de 2025, e, por isso, têm urgência em “extrair o máximo de dividendos políticos” agora, enquanto tem mais poder para negociar com o governo.

Já Lula, nota Cortez, tenta reduzir a dependência de Lira. Para o cientista político, a reforma ministerial pode ser um forma do Palácio do Planalto construir alianças que permitam eleger um novo presidente da Câmara mais governista em fevereiro de 2025

“A despeito da cooperação que o Lira teve com uma parte da agenda econômica, incluindo o marco fiscal e a própria reforma tributária (aprovada na Câmara e que agora está no Senado), a relação entre governo e Lira é muito mais marcada por rivalidade política do que propriamente de alinhamento”, destaca.

Na sua avaliação, ainda que a reforma ministerial amplie a margem do governo no Congresso, a aprovação de propostas que aumentem a carga tributária exigirão um trabalho intenso de negociação.

Além dos fundos offshore, o governo quer ampliar a taxação dos fundos exclusivos (fundos fechados para super-ricos). E, no fim do ano, planeja enviar uma ampla reforma do Imposto de Renda, com a volta do tributo sobre lucros e dividendos distribuídos por empresas aos seus sócios.

“Essa pauta redistributiva do governo Lula (aumentar impostos sobre os mais ricos) não é uma pauta da centro-direita. Então, são propostas mais difíceis de aprovar”, analisa Cortez.

Por outro lado, o analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), acredita que o Congresso vai acabar aprovando medidas de aumento da arrecadação, ainda que impondo dificuldades e exigindo mais negociação por parte do governo.

Ele ressalta que é do interesse dos parlamentares a liberação de emendas (verbas para investir em suas bases eleitorais). “Se faltar dinheiro, como o governo vai liberar?”, questiona.

Na avaliação de Queiroz, há ainda outro incentivo para que Lira busque uma melhor relação com o governo: tentar assumir um ministério após deixar a presidência da Câmara.

Seria uma forma de se fortalecer contra seus adversários na política de Alagoas, a família Calheiros, que hoje comanda o ministério dos Transportes, com o senador licenciado Renan Filho (MDB).

Já Rafael Cortez, da Tendências, acha que seria uma articulação política difícil, pois demandaria apoio do partido de Lira, PP, dentro de um cálculo mirando a eleição nacional de 2026. E, ao menos, por enquanto, o presidente do partido, senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro de Jair Bolsonaro, tem sido ferrenho opositor e Lula.