O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e outras 18 pessoas foram formalmente acusadas na Geórgia por supostos esforços para anular os resultados das eleições presidenciais de 2020 no Estado.
Ao anunciar as acusações, a promotora distrital do condado de Fulton, Fani Willis, implicou o ex-presidente em uma ampla conspiração, indicando que ele seria o lider da trama.
“A acusação alega que, em vez de cumprir o processo legal da Geórgia para impugnações eleitorais, os réus se envolveram em um empreendimento criminoso de racketeering para anular os resultados das eleições presidenciais da Geórgia”, disse ela.
O termo em inglês racketeering se refere a um tipo de crime organizado em que os envolvidos criam um esquema fraudulento e ilegal de coerção e extorsão (um racket) de forma consistente e repetida, com o objetivo de obter alguma vantagem.
Este é o quarto conjunto de acusações criminais apresentadas contra Trump nos últimos meses. Mas essa é a primeira vez que um ex-presidente americano enfrenta acusações antes usadas para condenar chefes da máfia, como John Gotti e Vincent Gigante.
Trump, que é o principal candidato republicano à presidência em 2024, nega todas as acusações contra ele. Ele diz que eles são politicamente motivadas.
A atividade criminosa organizada nos EUA é rotineiramente processada sob uma lei conhecida pela sigla Rico (que se refere a Racketeer Influenced and Corrupt Organizations, algo como “Lei Federal de Organizações Influenciadas e Corruptas”).
A Rico ajuda os promotores a ligar os pontos entre os subalternos que infringiram as leis e os mandantes das ações ilegais.
Mais de 30 Estados americanos implementaram suas próprias versões da Rico. A adaptação da lei feita na Geórgia é mais ampla do que na maioria dos outros lugares.
Para ter ideia, na esfera federal, a Rico enumera 35 crimes que se qualificariam como evidência de racketeering, mas, na Geórgia, essa lista possui 65 ações criminosas diferentes.
Os promotores são obrigados a mostrar que existe uma espécie de “projeto” criminoso e detalhar um padrão de atividade ilegal que se baseia em pelo menos dois crimes qualificados.
As penalidades sob a Rico da Geórgia são pesadas — as sanções incluem prisão de cinco a 20 anos, ou multas de até US$ 250 mil (R$ 1,2 milhão) — e podem ajudar a persuadir os envolvidos a fechar acordos com a promotoria em troca de sentenças menores.
E esses acordos, por sua vez, têm o potencial de gerar uma nova onda de evidências inéditas e testemunhos que os promotores podem usar contra os supostos líderes do esquema, segundo Anthony Michael Kreis, professor de Direito na Universidade do Estado da Geórgia.
Para condenar o próprio Trump, Kreis entende que os promotores precisariam mostrar que o ex-presidente “não era algum tipo de participante passivo” das ações e que apenas seguia algum aconselhamento jurídico, mas, sim, o líder desse esquema.
Trump já enfrenta outras acusações federais do Departamento de Justiça dos EUA por suas falsas alegações eleitorais, em um julgamento cujas evidências podem influenciar e se sobrepor ao caso na Geórgia.
Histórico recente
A promotora distrital Fani Willis usou as leis de racketeering do Estado para outros processos no passado.
Em 2013, ela liderou um processo — com base na lei Rico — contra professores e administradores de escolas públicas da cidade de Atlanta acusados de trapacear em testes regulares para garantir bônus e promoções.
“Com a Rico, não é necessário ter um jantar formal, onde se come espaguete, [para formar um esquema ilegal]”, explicou Willis ao indiciar um grupo de educadores há uma década.
“O que você precisa é fazer sempre uma coisa para atingir o mesmo propósito. Todos têm que trabalhar para um objetivo comum.”
Onze dos 12 funcionários foram condenados no julgamento, o mais longo da história do Estado. A maioria dos outros participantes do esquema se declarou culpada previamente.
No ano passado, Willis se apoiou na Rico novamente para alegar que o rapper Young Thug, vencedor do Grammy, e 27 outros indivíduos associados a gravadora YSL são uma “gangue de rua criminosa”.
“A razão pela qual sou fã da Rico é que acho os jurados muito, muito inteligentes”, declarou ela, durante uma entrevista coletiva em que anunciou as acusações.
“[Os jurados] querem saber o que aconteceu. Eles querem tomar uma decisão precisa sobre a vida de alguém. Portanto, a Rico é uma ferramenta que permite que o promotor e a polícia contem toda essa história.”
Mas o julgamento, que estava marcado para começar em janeiro deste ano, está agora parado há oito meses por causa do processo de seleção do júri, com milhares de participantes dispensados.
Isso deixou Young Thug preso por 15 meses, enquanto alguns dos outros acusados fizeram acordos judiciais ou tiveram os casos separados do julgamento principal.
“Espero que Fani Willis tenha aprendido com a experiência [da gravadora] YSL quando o caso de Donald Trump finalmente chegar a esse nível”, analisa Keisha Steed, uma advogada de defesa de Atlanta.
“A maneira como isso está acontecendo agora tem sido uma bagunça”, critica ela.
Steed avalia que o escritório de Willis não parecia estar “preparado para o número de jurados que eles precisaram chamar, a logística de ter todos em único só lugar e o tempo que leva para todos os advogados questionarem esses candidatos a membros do júri”.
O ritmo lento do julgamento de Young Thug colocou-o no caminho para bater o recorde estabelecido no caso dos educadores de Atlanta como o mais longo da história da Geórgia.
Isso não é incomum para casos baseados na Rico, com vários réus e diversos advogados, o que pode criar grandes atrasos no sistema jurídico.
“O tribunal todo está basicamente fechado”, observa Meg Strickler, outra advogada de defesa local.
“Eu odeio a Lei Rico”, acrescenta ela, dizendo que os clientes são frequentemente intimidados pelas penalidades que podem enfrentar e pelo tempo e dinheiro necessários para se defender.
E, dado o quão longos e complicados são os julgamentos baseados na Rico, ela avalia que o caso de Trump pode virar um assunto muito confuso e desconfortável para um júri — quando eventualmente os jurados forem de fato definidos.
“Os jurados vão cair no sono muito antes de entenderem o caso”, prevê Strickler.
Fonte: BBC
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