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Os macacos-prego Marcelinho e Marcelinha perderam os braços e estão condenados a viver para sempre em cativeiro. Em comum, foram eletrocutados e por muito pouco não perderam a vida.
Mas eles não são os únicos — na verdade, a realidade de animais silvestres que vivem na cidade do Rio de Janeiro é bem mais cruel.
Desde julho de 2022, o Instituto Vida Livre, ONG que trabalha na reabilitação e soltura de animais em situação de risco na capital fluminense, recebeu 35 animais silvestres eletrocutados na rede elétrica da Light, empresa privada de geração, distribuição, comercialização e soluções de energia elétrica no Rio de Janeiro.
Entre os animais, estão macacos-prego, preguiças e cuícas, todas espécies ameaçadas, catalogadas na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
Elas vivem na Mata Atlântica, o bioma mais ameaçado do Brasil e um dos dez mais do mundo e que possui uma lei própria de proteção (Lei 11.428), mas até hoje não dispõe de qualquer política de prevenção de acidentes ou para o socorro dos animais eletrocutados.
Desses 35 atendimentos, segundo o Instituto Vida Livre:
- 3 animais foram socorridos e reintroduzidos (1 macaco, 1 preguiça, 1 gambá)
- 1 macaco ainda está em tratamento para soltura
- 2 macacos (Marcelinho e Marcelinha) estão vivos, porém perderam seus braços e estarão condenados a viver em cativeiro
- 29 não aguentaram e já chegaram mortos ou morreram durante o tratamento.
Os casos geraram comoção nas redes sociais e foram postados e compartilhados por diversas instituições, celebridades e formadores de opinião.
Em entrevista à BBC News Brasil, o diretor do Instituto Vida Livre, Roched Seba, disse que “em todas as situações” tentou comunicar e solicitar o socorro da Light, mas “sem sucesso”.
A Light tem uma concessão há 118 anos no Rio de Janeiro, distribuindo energia dentro da Mata Atlântica, mas, segundo Seba, do Instituto Vida Livre, não se responsabiliza pelo socorro e tratamento de animais eletrocutados.
Procurada pela reportagem, a empresa afirmou que zela pela prevenção do “risco de eletrocussão de animais silvestres” e mencionou medidas como “planos cíclicos de poda de árvores, o que afasta os animais da rede elétrica” (veja mais detalhes abaixo).
O socorro, quando é possível, é prestado gratuitamente por instituições como o Instituto Vida Livre e órgãos públicos.
“A Light também não tem um levantamento sobre as áreas de maior risco de acidentes com esses animais, com o objetivo de preveni-los. Mas o que mais me choca é que ela não se responsabiliza pelo tratamento desses animais. Todo o custo do tratamento que oferecemos sai do nosso bolso; vem de doações”, diz Seba.
Os casos estão sendo investigados agora pelo Ministério Público Federal, depois de serem denunciados à polícia e ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
Também mobilizaram a Câmara dos Deputados, onde tramita o PL 564/2023, de autoria do deputado federal Marcelo Queiroz (PP-RJ), que institui a Política de Prevenção de Acidentes Elétricos em Animais Silvestres para responsabilizar as concessionárias pela manutenção dos fios e tratamento dos animais.
Uma audiência pública para discutir a pauta está marcada para ocorrer em Brasília no dia 14 de setembro, segundo Queiroz.
O que diz a Light
Questionada sobre as alegações, a Light não informou sobre se faz levantamento das áreas de risco. Disse que zela “pela preservação do meio ambiente” e pela prevenção do “risco de eletrocussão de animais silvestres”.
“Para isso, a companhia realiza planos cíclicos de poda de árvores, o que afasta os animais da rede elétrica. Anualmente são podadas mais de 60 mil árvores na cidade do Rio e 150 mil árvores na sua área de concessão. Também são implementados, estrategicamente, protetores e mantas para minimizar o contato direto com pontos energizados da rede”, informou a empresa em comunicado enviado à BBC News Brasil.
“Em pontos mais sensíveis, onde há maior incidência de animais silvestres, os condutores de média tensão possuem revestimento, ou seja, estão protegidos quanto ao contato direto com o condutor energizado e os circuitos são inspecionados anualmente a fim de levantar fragilidades e possíveis defeitos”, acrescentou a Light.
A Secretaria do Meio Ambiente e Clima do Rio de Janeiro informou, também via comunicado, que “esses animais utilizam a rede elétrica para se locomover, uma vez que a cidade cresceu ao redor de áreas de floresta urbana. A Patrulha Ambiental se responsabiliza pelo resgate de animais feridos nesses casos”.
E acrescenta recomendações para prevenção: “fechar as lixeiras, guardar as comidas dos animais domésticos ao anoitecer, principalmente nos casos de animais de hábitos noturnos”.
“Reforçamos a complexidade dessas situações, visto que esses animais (em muitas das vezes) descem para essas áreas urbanizadas atrás de comida. O que reforça nosso compromisso com a disseminação de Educação Ambiental para a população”, acrescenta.
Fonte: BBC
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