- Author, Max Matson
- Role, BBC News
Desde que a Flórida lançou sua primeira competição pública de caça a pítons-birmanesas, há uma década, milhares de pessoas dos Estados Unidos e de outros países tem se empenhado em matar o maior número possível das enormes serpentes.
Jake Waleri, 22, por exemplo, tem um grande plano para as férias de verão da Universidade de Ohio: caçar cobras.
O nativo de Naples, Flórida, diz que sempre esteve a par do problema das pítons-birmanesas, uma espécie invasora que tomou conta das Everglades (região pantanosa subtropical no sul do Estado) e a destruição que elas causam no habitat natural da Flórida.
Ele começou a caçá-las há dois anos – após ver caçadores em ação na TV. No ano passado, ele entrou no Florida Python Challenge, o concurso anual de caça às pítons do Estado, mas desistiu porque estava muito atrás no ranking.
“Este ano eu quero ganhar”, diz ele.
O Florida Python Challenge atrai anualmente centenas de participantes de lugares tão distantes quanto Canadá, Bélgica e Letônia, de olho nas perspectivas de fama e fortuna, incluindo até U$ 30 mil (aproximadamente R$ 150 mil) em prêmios em dinheiro.
Os vencedores recentes do “Desafio da Píton” incluem um professor de ciências surdo que pegou uma cobra de quase 16 pés com as próprias mãos, uma dupla de pai e filho que despachou rapidamente 41 cobras e um jovem de 19 anos que disse que usaria seu prêmio de U$ 10 mil (cerca de R$ 50 mil) para equipar melhor seu caminhão para futuras caçadas.
Waleri e seu primo – que se autodenominam Glade Boys – planejam caçar cobras todas as noites assim que o concurso começar, em 4 de agosto. Ele diz que eles levarão bebidas energéticas para a maratona de 10 dias e “muito repelente (de insetos) – isso é importante”.
Ele também leva uma peça única de bota e roupa de borracha que vai até a altura do peito caso precise entrar na água, um rolo de fita adesiva para selar a boca da píton antes de matá-la e um bastão especial para afastar cobras venenosas da estrada para que não sejam atingidas por carros.
“Se você não se sente confortável com cobras, vai estranhar muito quando tentar agarrar aquela cabeça”, diz ele.
“E se você hesita, e tiver com a mão bem à frente da cabeça daquela cobra, ela vai te morder.”
Conservacionistas locais dizem que a competição é necessária para conter os danos causados pela píton-birmanesa nas Everglades.
As Everglades contêm a maior área selvagem subtropical dos EUA, bem como o maior ecossistema de mangue do Hemisfério Ocidental. A ponta sul da Flórida foi descrita pela Unesco como “um rio de grama fluindo imperceptivelmente do interior para o mar”, que sustenta uma grande diversidade de flora e fauna.
Mas as pítons-birmanesas, que foram introduzidas no sul da Flórida a partir da Ásia por meio do comércio de animais de estimação exóticos no final do século 20, tornaram-se a maior ameaça às espécies nativas da região.
Pesquisas estimam que os répteis, que podem ter seis metros de comprimento, a grossura de um poste de madeira e pesar mais de 90 quilos, mataram mais de 90% de algumas espécies locais, como guaxinins, coelhos e gambás.
As cobras se escondem no mato, pântano e árvores; e atacam répteis, pássaros, veados e até jacarés. Eles não têm predadores locais que os ataquem com frequência suficiente para manter sua população sob controle.
Os predadores colossais, que também são bons nadadores e podem ficar debaixo d’água por 30 minutos, superam outros predadores, como a ameaçada pantera da Flórida, por recursos alimentares.
As pítons carregam parasitas nocivos que também foram descobertos em pulmões de 13 espécies de cobras nativas.
Em 2012, um ano antes do início do “Desafio da Píton”, autoridades federais proibiram a importação de pítons birmanesas, mas o estrago já estava feito.
Agora, a temporada de caça às pítons é aberta, o que significa que elas podem ser mortas em qualquer época do ano, sem necessidade de permissão e sem limite de quantas podem ser caçadas.
O concurso atraiu críticas de grupos de defesa de direitos dos animais, como a Peta (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais), que dizem que deveria haver regulamentos que exigissem que os animais fossem exterminados de maneira humana, e que isso não deveria ser feito por caçadores amadores.
“Sabemos que algo deve ser feito para corrigir o erro do comércio de animais de estimação exóticos, mas o verdadeiro teste de uma civilização é se ela pode resolver seus problemas humanamente”, disse a organização em um comunicado de 2019.
Um mês antes do início da competição deste ano, Waleri estava caçando pítons nos pântanos com amigos de universidades de outros Estados, que não tinham experiência em capturar cobras selvagens.
Mas os novatos rapidamente puseram a mão na massa quando encontraram uma píton de 5,7 metros na reserva nacional de Big Cypress.
“Pensei que fosse como dar uma gravata, mas a coisa saiu do controle”, diz Waleri, explicando que é necessário segurar a cabeça para evitar que a cobra morda e comece a se contrair.
“Assim que ela saiu deslizando pela estrada, pude ver o seu tamanho enorme e percebi que estávamos entrando em uma luta um pouco mais intensa do que eu pensava”, diz ele.
Depois que eles a pegaram, a píton foi declarada como a maior já encontrada no Estado.
‘Pensei que fosse uma árvore’
Brandon Call, um professor surdo de ciências do ensino médio que cresceu com cobras e répteis de estimação, levou para casa o prêmio de maior cobra capturada por um amador durante o Desafio Píton de 2021, ganhando U$ 1,5 mil (cerca de R$ 7,5 mil). Este ano ele estará competindo pela terceira vez.
Call, que usa a Linguagem Americana de Sinais para se comunicar, diz que este ano planeja caçar com uma equipe de professores de ciências surdos. Ele diz que a surdez lhe dá uma maior sensação de consciência visual que torna mais fácil detectar cobras camufladas.
Algumas das cobras que mata são trazidas para a escola e exibidas aos alunos, que também são surdos. Às vezes, eles as dissecam como um projeto de classe.
“Meus alunos sempre curtem muito quando faço isso.”
Uma gota no balde
Não está claro o impacto que a matança sancionada pelo Estado teve no ecossistema de Everglades, porque especialistas dizem que é impossível saber quantos animais estão na natureza.
“A forma como vemos é que cada píton-birmanesa que é removida do ecossistema de Everglades é uma vitória e é uma cobra a menos que estará atacando nossos pássaros, mamíferos e outros répteis nativos”, diz Carli Segelson, que ajuda sediar o evento para a Divisão de Conservação de Habitats e Espécies do estado.
“Então, cada um que é removido está ajudando a causa.”
Chamar a atenção para os danos causados por espécies invasoras é a maior prioridade do concurso.
“É um evento de conscientização”, diz Melissa Miller, especialista em espécies invasoras que pesquisa o problema da píton na Universidade da Flórida.
“Uma cobra enorme chama muita atenção.”
Pítons são difíceis de capturar, diz ela, o que torna a caça ainda mais necessária.
Segundo suas estimativas, as pítons passam cerca de 80% do tempo completamente paradas – raramente se movem, a menos que uma refeição passe na sua frente para ser esmagada até a morte.
Elas também são boas de fuga extremamente difíceis de detectar.
“Se você tivesse, digamos, 100 pítons em uma determinada área e enviasse alguém para procurá-las, eles talvez encontrassem apenas uma.”
Desde que as remoções de píton começaram na Flórida, cerca de 17 mil delas foram mortas. Apenas um pequeno número foi removido durante a competição, que se tornou uma tradição anual sob o governo do governador Ron DeSantis.
Além disso, a Florida Fish and Wildlife Conservation Commission também administra o Programa de Eliminação de Píton, que paga “agentes de remoção de píton” para matá-las e recentemente treinou cães para farejá-las.
Outro programa envolvendo Melissa Miller insere cirurgicamente sinalizadores de rádio em pítons machos, transformando-os em “batedores” que viajam em busca de uma fêmea reprodutora.
A maioria das cobras foi encontrada perto de estradas e diques – lugares onde os humanos podem alcançá-las facilmente, que ela descreve como as “bordas” de seu habitat, acrescentando que os caçadores “não estão realmente chegando às pítons no interior”.
Como 97% dos Everglades são inacessíveis sem equipamento especializado, como um aerobarco ou um helicóptero, é provável que as caçadas estejam tendo apenas um pequeno impacto.
Regras da caça
Os competidores têm de pagar U$ 25 (R$125) e completar um programa de treinamento de 30 minutos, que se concentra em como identificar corretamente as cobras e matá-las de forma rápida e humanizada.
Como é ilegal transportar pítons vivas sem uma permissão especial, a maioria dos caçadores de cobras é instruída a abater as pítons no local antes de levá-la a uma estação de pesagem oficial.
O método de abate recomendado é chamado de “double-pitthing”. Consiste em esfaquear a cabeça da cobra, cortando a medula espinhal e, em seguida, girando a ferramenta para destruir o cérebro. Armas de fogo também são permitidas m caça, mas apenas nas áreas específicas em que seu uso é legal.
Identificar corretamente as cobras é crucial. Matar uma cobra nativa leva à desqualificação imediata, diz Segelson, uma das organizadoras do concurso.
Os competidores são proibidos de matar as pítons macho “batedoras”, equipadas com rádio, que servem, para levar os pesquisadores às fêmeas – e que podem botar cerca de 100 ovos por ano.
As carcaças podem ser mantidas ou vendidas. As autoridades incentivam as pessoas em todo o mundo a comprar couro de píton da Flórida e desencorajam os caçadores de comê-las devido a seus altos níveis de mercúrio.
Mas esse conselho não impede alguns caçadores dedicados a aproveitar a presa como podem – fazendo carne seca de píton até biscoitos a partir de seus ovos.
Prepare-se se quiser vencer
Marcia Carlson Park, natural da região de New England que vive na Flórida há 40 anos, caça pítons o ano todo porque sente que é seu dever proteger o habitat vulnerável.
Park, que está semiaposentada e administra um conservatório para artistas de circo, diz que evita caçar pítons durante a competição.
“Se eu quisesse multidões, iria para a Disney World”, diz ela.
Mas ela deseja boa sorte a todos os competidores e pede que sejam respeitosos com os outros caçadores enquanto competem para limpar os Everglades.
As pessoas que ela vê caçando cobras em chinelos e camisetas em bicicletas no meio do dia provavelmente não pegarão muitas delas, ela adverte.
Quando Park começou a caçar, ela diz que havia apenas algumas outras mulheres como ela, mas agora há muitas.
Juntamente com sua amiga e caçadora profissional de cobras Donna Kalil, que lidera um grupo de caça chamado Everglades Avenger Team, Park se juntou a várias caçadas exclusivamente femininas.
Para homenagear as cobras e usar todas as partes daquelas que matam, eles comem carne seca de píton enquanto caçam. Eles até fizeram biscoitos usando ovos de píton, que ela diz conter mais gema amarela do que um ovo de galinha.
Park diz que é grata pela conscientização global que a caça às pítons traz para a questão das espécies invasoras e a vulnerabilidade dos pântanos da Flórida.
“Simplesmente não há mais vida selvagem. Vá até lá e tente encontrar um coelho ou um guaxinim ou algo assim – elas simplesmente comem tudo.”
“Elas comem crocodilos! Colhemos uma píton de 4,5 metros com um jacaré de 1,5 metro na barriga”, diz ela.
Notoriedade nacional
A crescente popularidade do Python Challenge ganhou as manchetes internacionais – e até inspirou um programa de TV dos produtores de Parks and Recreation e Brooklyn 99.
Estrelado por Craig Robinson e Claudia O’Doherty, Killing It segue uma equipe de caçadores de cobras amadores atrás de prêmios em dinheiro e enriquecimento rápido.
Alguns espectadores podem ficar “horrorizados com a ideia de um concurso de assassinato de animais patrocinado pelo Estado”, diz Luke Del Tredici, que co-criou o programa. Mas quando eles percebem os danos ambientais causados pelas pítons e se dão conta da necessidade de combater o problema, as emoções do público ficam mais complexas e a história toda ganha um tom mais leve e cômico.
Ele diz que o programa brinca com o sonho americano e as batalhas da humanidade contra a mudança climática.
“Parece uma metáfora tão adequada. É como lidar com uma coisa extremamente difícil e, no final do dia, ter feito apenas uma diferença mínima”, disse Del Tredici, falando à BBC News antes de Hollywood ter fechado por causa da greve de roteiristas e atores.
“E isso é realmente engraçado – ou trágico – dependendo de como você escolhe olhar para isso.”
Fonte: BBC
Você precisa fazer login para comentar.