- Author, Nicola Jones
- Role, Yale e360*
Perto do litoral do sudeste da China, a população de uma espécie de peixe está em franca expansão.
Seu nome é estranho: pato-de-bombaim — um peixe longo e delgado, com textura similar à de uma geleia e dotado de uma grande mandíbula peculiar.
Quando os navios de pesquisa lançam suas redes de arrasto no fundo do mar naquela região, eles capturam mais de 200 kg desse peixe gelatinoso por hora — um aumento de mais de 10 vezes em relação a uma década atrás.
“É monstruoso”, diz o pesquisador marinho Daniel Pauly, da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, em alusão à explosão populacional dessa espécie.
O motivo da invasão em massa, segundo Pauly, são os níveis de oxigênio extremamente baixos daquelas águas poluídas.
As espécies de peixe que não conseguem suportar ambientes com pouco oxigênio fugiram, enquanto o pato-de-bombaim, que faz parte de um pequeno subconjunto de espécies fisiologicamente mais capazes de viver com menos oxigênio, mudou-se para lá.
Algumas pessoas ficaram felizes com a migração, já que o pato-de-bombaim é perfeitamente comestível.
Mas isso nos oferece a perspectiva de um futuro sombrio para a China e para todo o planeta.
À medida que a atmosfera se aquece, os oceanos em todo o mundo ficam cada vez mais privados de oxigênio, fazendo com que muitas espécies abandonem seus habitats.
Por essa razão, pesquisadores esperam que muitos locais sofram declínio da diversidade de espécies, permanecendo apenas aquelas poucas que conseguem lidar com condições mais rigorosas.
E a falta de diversidade no ecossistema significa falta de resiliência.
Pauly resume a situação afirmando que “a desoxigenação é um grande problema”.
Nossos oceanos do futuro, mais quentes e com menos oxigênio, não só irão abrigar menos espécies de peixes, mas também peixes menores e raquíticos. Para piorar, haverá mais bactérias produtoras de gases do efeito estufa, segundo os cientistas.
Pauly afirma que a região dos trópicos ficará vazios, à medida que peixes migrarem para águas mais oxigenadas e espécies específicas que já vivem nos polos sujeitas à extinção.
Os pesquisadores se queixam de que o problema do oxigênio não recebe a atenção que merece. A acidificação e o aquecimento dos oceanos ocupam a maior parte do noticiário e das pesquisas acadêmicas.
Em abril, por exemplo, a imprensa divulgou que as águas da superfície do planeta estão mais quentes do que nunca — uma média surpreendente de 21 °C.
É claro que esta não é uma boa notícia para a vida marinha. Mas, quando os pesquisadores se dedicam a comparar os três efeitos — aquecimento, acidificação e desoxigenação —, os impactos dos baixos níveis de oxigênio são os piores de todos.
“Não é tão surpreendente”, segundo o ecofisiologista Wilco Verberk, da Universidade Radboud, na Holanda. “Sem oxigênio, os outros problemas perdem a importância.”
Afinal, os peixes, como os outros animais, precisam respirar.
Os níveis de oxigênio dos oceanos do planeta já caíram mais de 2% entre 1960 e 2010. E espera-se que eles caiam até 7% abaixo dos níveis de 1960 no próximo século.
Alguns locais são piores do que outros. O topo do nordeste do Oceano Pacífico perdeu mais de 15% do seu oxigênio.
Segundo o relatório de 2019 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) sobre os oceanos, entre 1970 e 2010, o volume de “zonas com nível mínimo de oxigênio” nos oceanos do mundo — onde os grandes peixes não sobrevivem, mas sim as águas-vivas — aumentou entre 3% e 8%.
A queda do oxigênio é causada por alguns fatores. Em primeiro lugar, as leis da física determinam que a água mais quente pode reter menos gás dissolvido que a água mais fria. É o que faz com que o refrigerante tenha menos gás quando está quente.
À medida que o nosso planeta se aquece, as águas da superfície dos oceanos perdem oxigênio e outros gases dissolvidos. Esse efeito simples de solubilidade é responsável por cerca da metade da perda de oxigênio já observada até 1 mil metros de profundidade nos oceanos.
Em profundidades maiores, os níveis de oxigênio são determinados, em grande parte, por correntes que levam as águas da superfície para baixo. E essas correntes também são afetadas pelas mudanças climáticas.
O derretimento do gelo acrescenta água doce e menos densa que resiste à mistura nas principais regiões. E a alta velocidade de aquecimento atmosférico nos polos, em comparação com o Equador, também arrefece os ventos que determinam as correntes oceânicas.
Por fim, as bactérias que vivem na água e se alimentam de fitoplâncton e de outros materiais orgânicos que caem no fundo do mar consomem oxigênio.
Tal impacto pode ser maior ao longo das linhas costeiras, onde o despejo de fertilizantes alimenta a proliferação das algas que, por sua vez, alimenta as bactérias famintas por oxigênio.
O resultado disso é o aparecimento de mais “zonas mortas”, como a que se verificou no Golfo do México.
Os pesquisadores chegaram até a sugerir que o aumento da poluição por microplásticos tem potencial de exacerbar a queda dos níveis de oxigênio.
Segundo essa hipótese, se o zooplâncton se alimentar de microplásticos em vez de fitoplâncton (sua presa habitual), este último irá se proliferar, alimentando novamente aquelas bactérias que consomem oxigênio no seu caminho até o fundo do mar.
A Rede Global de Oxigênio Oceânico é um grupo científico formado como parte das iniciativas da Década das Nações Unidas de Ciência do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030).
O grupo afirma que, desde os anos 1960, a área de água com baixos níveis de oxigênio em mar aberto aumentou em 4,4 milhões de km² — pouco menos da metade do tamanho do Canadá (ou pouco mais que a metade do Brasil).
E um estudo de 2021 concluiu que, até 2080, mais de 70% dos oceanos do mundo irão sofrer desoxigenação em níveis consideráveis.
Em 2018, preocupados com a perda de oxigênio dos oceanos, centenas de pesquisadores assinaram a Declaração de Kiel (Alemanha), pedindo urgentemente maior consciência do problema, além de ações para limitar a poluição e o aquecimento.
Os pesquisadores estão agora em processo de formar o Banco de Dados e Atlas de Oxigênio Oceânico Global (GO2DAT, na sigla em inglês) para consolidar e mapear todos os dados.
O bioquímico Andrew Babbin, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, faz parte do comitê gestor do GO2DAT. Em 2021, ele mapeou imensas áreas do Oceano Pacífico com níveis de oxigênio extremamente baixos.
“Certamente, é preocupante”, afirma Babbin.
Ele espera repetir o exercício de mapeamento daqui a cerca de uma década para observar as mudanças.
Babbin explica que as condições de baixo nível de oxigênio tendem a abrigar uma classe de bactérias anóxicas produtoras de metano ou óxido nitroso, que são potentes gases do efeito estufa.
Prever os impactos líquidos de cada um dos três fatores — solubilidade, mistura e microbiologia — tem se mostrado complicado.
“Qualquer um deles é difícil”, segundo Babbin. “E, quando você os reúne todos, é imensamente difícil fazer qualquer previsão.”
Nos trópicos, por exemplo, um modelo indica que a alteração do equilíbrio entre os fatores biológicos que esgotam o oxigênio e a mistura oceânica que o produz irá reduzir os níveis de oxigênio até cerca de 2150 — mas os níveis irão aumentar a partir de então, o que é uma possível boa notícia para os peixes tropicais.
Mas, de forma geral, os modelos climáticos parecem ter subestimado as alterações dos níveis de oxigênio, que vêm caindo com rapidez maior do que o esperado. Os impactos sobre a vida marinha serão complicados — e não serão bons.
De forma geral, os peixes em ambientes quentes têm metabolismo mais alto e precisam de mais oxigênio.
A truta, por exemplo, precisa de seis vezes mais oxigênio dissolvido em águas a 24 °C do que em águas frias a 5 °C. Por isso, quando as águas se aquecem e o oxigênio se dissipa, o impacto para muitas criaturas aquáticas é duplo.
“Os peixes precisam de muito oxigênio, principalmente os grandes que gostamos de comer”, afirma Babbin.
Atualmente, existem cerca de 6 miligramas de oxigênio por litro de água do mar nos trópicos e 11 miligramas por litro nos polos.
Se os níveis caírem abaixo de 2 miligramas por litro (uma redução de 60 a 80%), como já acontece com frequência em alguns locais, a água será oficialmente hipóxica — ela conterá níveis de oxigênio baixos demais para sustentar muitas espécies.
Mas reduções mais sutis também podem causar grandes impactos. Os peixes já gastam dezenas de vezes mais energia para respirar do que as pessoas, segundo Pauly, já que eles precisam bombear uma quantidade irrisória de oxigênio da água viscosa.
Os efeitos dos baixos níveis de oxigênio são bem conhecidos pelos alpinistas, que sofrem dores de cabeça e confusão mental que pode ser fatal em grandes altitudes.
Os peixes frequentemente tentam nadar para longe das águas com baixo teor de oxigênio, mas, se não conseguirem escapar, eles ficam letárgicos.
Os baixos níveis de oxigênio afetam quase todo o seu desenvolvimento, incluindo o crescimento, a reprodução, os níveis de atividade e a própria sobrevivência dos peixes.
Uma série de alterações genéticas e metabólicas pode ajudar os peixes a conservar energia, mas apenas até certo limite.
De forma geral, os peixes maiores são mais afetados, simplesmente porque a razão entre o volume do seu corpo e as brânquias é maior, dificultando o abastecimento das células com oxigênio.
A pesca excessiva já reduziu o número de peixes grandes no oceano e a desoxigenação parece exacerbar este efeito, segundo Verberk.
É mais difícil avaliar os efeitos crônicos de longo prazo de uma leve redução dos níveis de oxigênio do que os efeitos de curto prazo da hipóxia, acrescenta o especialista.
Os pesquisadores pediram urgentemente mais estudos a este respeito.
“Para hipóxia suave em prazos mais longos, não existem muitos estudos, mas é provável que haja um impacto bastante forte”, afirma ele.
“Se tivermos continuamente 7% menos energia [de 7% menos oxigênio], isso irá se acumular até um déficit muito grande.”
Os peixes já estão se mudando para encontrar mais oxigênio. Os que vivem em águas mais profundas podem mudar-se para águas mais frias e, portanto, mais oxigenadas.
Já os que vivem nas primeiras centenas de metros da coluna de água, como o peixe-vermelho, podem se mover em direção à superfície para respirar melhor.
Um estudo realizado entre 1995 e 2009 com os peixes dos recifes da Califórnia concluiu que 23 espécies se moveram, em média, 8,7 metros por década em direção à superfície, à medida que os níveis de oxigênio eram reduzidos.
E, no nordeste tropical do Oceano Atlântico, o atum se moveu para uma camada de água mais estreita devido à redução do oxigênio — ao todo, eles perderam 15% do seu habitat disponível entre 1960 e 2010.
Embora o aquecimento e a desoxigenação costumem andar lado a lado, estes dois efeitos não são coincidentes em toda parte, segundo Verberk.
O resultado é uma colcha de retalhos, com áreas muito quentes ou com níveis de oxigênio baixos demais para que diversas espécies de peixe possam sobreviver, gerando uma variedade de rotas de fuga diferentes.
Os pesquisadores estão atualmente tentando mapear os efeitos previstos para diferentes espécies, estudando como a temperatura e o oxigênio podem restringir seus futuros habitats e como essas faixas irão se sobrepor entre si.
Quando encontram águas onde podem respirar, os peixes precisam ainda verificar quais alimentos eles podem encontrar e quais predadores precisam ser evitados.
“O baixo nível de oxigênio será o estímulo para a mudança para outros lugares, mas esses outros lugares não estão vazios”, explica Verberk.
“Eles irão encontrar outros animais vivendo ali. Isso irá mudar as interações competitivas entre as espécies.”
Os caranguejos, segundo Pauly, estão atualmente marchando em direção à Antártida, à medida que aquelas águas se aquecem e os moluscos não protegidos se proliferam.
“Será uma destruição em massa”, prevê.
No último século, segundo Pauly, a maior pressão sobre a vida marinha foi a pesca excessiva, que causou enormes declínios da quantidade de peixes. Isso, agora, poderá mudar.
Ele explica que, se mantivermos a pesca excessiva sob controle, as pressões climáticas representarão o maior problema para a vida marinha nas próximas décadas.
Um estudo de 2021 demonstrou que os oceanos já se encaminham para uma perda de oxigênio quatro vezes maior, mesmo se as emissões de CO₂ fossem interrompidas imediatamente.
Se mapearmos as tendências de aquecimento e redução do oxigênio, o desfecho cataclísmico para o oceano daqui a milhares de anos seria “uma sopa na qual não é possível viver”, segundo Pauly.
O oceano já apresenta zonas hipóxicas esporádicas, segundo ele, “mas é possível imaginar todas as zonas mortas do mundo se reunindo em uma só, e isso é o fim de tudo.”
Se não conseguirmos controlar as emissões de gases do efeito estufa, “teremos que esperar que isso irá acontecer”, conclui o pesquisador.
*Este artigo foi publicado originalmente em Yale e360 e republicado pelo site BBC Future mediante autorização. Leia aqui a versão original em inglês.
Fonte: BBC
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